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Terceiro Setor
Por: José Salucci – Jornalista
Vitória, ES – Vitória sediou um marco no cenário de impacto socioambiental do Espírito Santo. O 1º Encontro Capixaba do Terceiro Setor (ECATS), que aconteceu entre os dias 16 e 18 de outubro, no Auditório da Faculdade Estácio, em Jardim Camburi, conectou e fortaleceu organizações da sociedade civil (OSCs), empresas e o poder público.
Com o tema central “Intersetorialidade”, o evento reuniu mais de 30 palestrantes, de dentro e fora do Espírito Santo, em três eixos de comunicação: Legislação e Políticas Sociais; Parceria e Mobilização de Recursos; e Gestão, Estratégia e ESG. A iniciativa veio de uma construção entre Instituto PEB (Projeto Educa Basquete) e da Rede Pocante, com patrocínio da ArcelorMittal, Sicredi, Instituto Marca e Marca Ambiental, e apoio do Jornal Tempo Novo.
O coordenador do ECATS, Cláudio Monteiro, manifestou-se com agradecimento e destacou o trabalho concluído com êxito. “Obrigado a todos! O primordial é que buscamos as conexões entre setores, a gente teve essa representatividade aqui… E, a provocação, acho que essa palavra para mim é muito forte. De que a gente, enquanto Terceiro Setor, precisa ter voz, todos entenderam esse recado”, disse. O empreendedor social também destacou outras efetividades do encontro. “Destaco a presença do poder público, trazendo essa devolutiva em relação ao que está sendo construído sobre o decreto estadual e a proposição da criação do Confoco, atingimos 100% do objetivo”, disse com satisfação.

Outra mente pensante que contribuiu para a construção do ECATS, Maria Letícia Vale, uma das 10 cofundadoras da Rede Pocante que, atualmente, preside a entidade social, ela também expressou a realização de ter concluído um trabalho que já é marco do Terceiro Setor no Espírito Santo.
“A realização é muito grande, ver a canalização de energias entre os três setores mais a academia e uma autarquia para estar junto com a gente, pensando em desenvolvimento social, desenvolvimento ambiental, como que a gente pensa numa construção comum, em que a gente consiga construir pontes e diálogos, que tragam ideias, soluções, projetos que a gente consiga entregar mais valor compartilhado entre as partes”, disse a profissional de designer estratégico e de projetos regenerativos, com formação em Gestão Pública e mestrado em Administração.

Painel: Impacto, Políticas e Parcerias
No último dia de evento, um dos painéis mais aguardados, “Impacto, Políticas e Parcerias – Conexões para Mudar”, especialistas trouxeram um diagnóstico profundo sobre os desafios nacionais e as potencialidades locais do setor. Os palestrantes Nerlito Sampaio, advogado e presidente da Comissão Especial do Terceiro Setor da OAB-ES, e Pablo Lira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), apresentaram dados que revelam a urgência da profissionalização do Terceiro Setor.
O alerta nacional: “Arrumar a Casa”
Nerlito Sampaio iniciou sua fala apresentando um panorama nacional preocupante baseado em dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Embora o Brasil tenha aproximadamente 930 mil OSCs, um dado chamou a atenção: 30% delas estão “inaptas”.
Segundo o advogado, isso impede que as organizações cumpram sua missão e acessem recursos. “Quando a gente fala de associações inaptas, são aquelas que, por algum motivo, seja estatutário, seja interno, seja por falta de gestão, elas não estão capacitadas, aptas, mesmo existindo, para efetivamente assumir um compromisso dentro da sociedade”, alertou Nerlito.
O especialista também apontou um paradoxo no financiamento. Em 2024, o volume de dinheiro público destinado ao setor se aproximou de R$ 20 bilhões, com a maior parte concentrada na Região Sudeste. No entanto, muitas organizações locais não conseguem acessar essa verba.
Para Nerlito, a solução passa por uma mudança interna, focada em governança e transparência, resumida na expressão “arrumar a casa”.
“É preciso arrumar a casa para que vocês possam receber os visitantes. […] Esse ponto [deficiências de governança e transparência], a mim, me parece que aí é o ponto que seria de partida para vocês”, observou.
O retrato inédito do Terceiro Setor capixaba
Na sequência, o professor Pablo Lira, presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), apresentou dados de um estudo inédito que mapeou, pela primeira vez, o impacto econômico e social do Terceiro Setor no Espírito Santo.
Lira enfatizou que a produção de dados é fundamental para o avanço das políticas públicas para o setor. “A gente não consegue gerenciar aquilo que não é medido. E por isso que a gente se empenhou, se debruçou nessas informações, não é fácil a gente compilar informações sobre o Terceiro Setor”, disse o diretor presidente
O estudo revelou números robustos: em 2023, o Terceiro Setor, no Espírito Santo, foi responsável por 54.139 empregos formais diretos, distribuídos em 18.156 estabelecimentos. As áreas de maior empregabilidade são Saúde (mais de 21 mil postos) e Organizações Associativas (mais de 22 mil).

O presidente do IJSN também trouxe uma notícia estratégica: a inclusão do Terceiro Setor no “Plano ES 500 anos”, o planejamento de longo prazo do estado, que define metas até 2035.
“E por conta da vontade política, que pela primeira vez, entrou na temática do plano ES 500 anos, o Terceiro Setor. […] Vocês construíram esse plano. O Terceiro Setor tem o DNA no plano ES 500 anos.”
Por fim, Pablo Lira conclamou os presentes a aumentarem a participação política do setor, buscando representantes que defendam ativamente as pautas das organizações sociais nos espaços de poder.
“Um dos grandes desafios do Terceiro Setor é a gente buscar atores políticos que veem o Terceiro Setor como protagonista para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. […] Olha para a Assembleia Legislativa, qual é o deputado que está defendendo as causas do terceiro setor?”, relfetiu.
O papel da mulher na transformação social e a necessidade de políticas públicas sensíveis às diversidades
Os desafios e impactos da liderança feminina na transformação social foram o foco do painel “Mulheres em Movimento: quando as vozes femininas inspiram transformação”. O debate reuniu especialistas que abordaram desde a formulação de políticas públicas até os desafios individuais da mulher no mercado de trabalho, destacando a necessidade de ações que reconheçam as múltiplas realidades femininas.
Durante o evento, Jeesala Coutinho, secretária de Gestão Estratégica da Prefeitura de Aracruz, enfatizou a inadequação de políticas públicas generalistas. Com base em sua experiência em Direito Público, ela defendeu a importância de um olhar individualizado. “A gente consegue transformar a vida das mulheres, mas a gente tem que entender que as mulheres não podem ser consideradas como um todo […] a gente tem que ter a sensibilidade de perceber quais são as diferentes nuances e apoiar as mulheres dos diversos cenários onde elas se encontrem”, afirmou.

Na sequência, Priscila Costa, Biblioteca Livre Coqueiral, argumentou que o conceito de “cuidar” não deve ser visto como exclusivamente feminino, mas como uma ferramenta humana de gestão e transformação. Ela pontuou que, embora as mulheres exerçam essa sensibilidade, muitas vezes enfrentam barreiras para serem ouvidas em ambientes dominados por uma visão masculina de produtividade. “As nossas vozes, elas ecoam, mas faltam ouvidos em muitos momentos”, declarou.
Abordando os desafios da carreira, a professora da Ufes e engenheira Patrícia Bortolon, destacou que a autonomia feminina depende de capacitação e independência financeira. Ela citou exemplos pessoais de preconceito no ambiente corporativo e a importância das redes de apoio. “A sensibilidade é muito importante […], mas a mulher tem que ter base, tem que ter formação, tem que ter segurança. […] A independência financeira da mulher é fundamental. É dar à mulher o direito de escolha”, concluiu.
Ponto de destaque: pergunta da plateia
Uma das perguntas mais efetivas da plateia foi sobre quais ações concretas já estão sendo vistas para transformar essa realidade e minimizar os desafios.
A resposta de Priscila Costa foi o exemplo da mobilização comunitária em Coqueiral, Aracruz, após o atentado nas escolas. Ela explicou como a comunidade (majoritariamente feminina e voluntária) utilizou a biblioteca, a contação de histórias (projeto Contateca) e o teatro para acolher as crianças e ajudar a processar o trauma.
A secretária Jeesala complementou, usando o exemplo para ilustrar a força da intersetorialidade (união do poder público, comunidade e Terceiro Setor). Ela ressaltou que a transformação real acontece “quando a gente se envolve para além daquilo que a gente originalmente tem como obrigação”.



