Torneio de Capoeira de Roda de Rua, em Jacaraípe, começa nesta sexta-feira (10)

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Cultura
Por: José Salucci – Jornalista

Em Jacaraípe, na Serra, a rua se transforma em terreiro, e a capoeira, em sua essência mais pura e “vadia” na 2ª edição do “Torneio de Capoeira de Roda de Rua”, organizada pelo Mestre Boca Preta e por Bruxa Viviane Melo. O evento acontece na Rua Dr. Francisco Otaviano Chaves, próximo ao muro do Camping Park, na Praia de Capuba. As inscrições irão até sábado, às 8h30, no valor de R$ 300,00.

A competição é dividida nos naipes masculino e feminino, com faixa etária de 16 anos pra cima. O torneio tem premiações de mais de R$ 5.000,00 – 1⁰ lugar R$ 1.200,00 e o 2⁰ lugar R$ 800,00, ambos os valores contemplam os dois gêneros. Já na categoria Absoluta – não tem categoria definida -, disputam homens e mulheres, independente de peso, idade ou graduação. No último jogo, o capoeirista que vencer irá enfrentar o atual campeão, detentor do cinturão, Instrutor Cupim, que venceu a 1ª edição, em 2024.

O torneio é mais que uma competição; é um manifesto cultural que atrai atletas de diversas localidades do Brasil: Grande Vitória e do interior do ES, além dos estados da Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Sergipe, para celebrar a arte da malandragem, do equilíbrio e da expressão.

Os pés descalços, estreiam no evento a partir desta sexta-feira (10). Na ocasião, uma roda de capoeira livre dará a abertura do torneio no “Espaço Cultural Jacaraípe Show”, mesma localidade da rua informada na matéria. Já no sábado, do lado de fora do centro cultural, o chão batido se tronará o local de ancestralidade e fonte histórica, onde a arte capoeirística de ataque e defesa, e o diálogo corporal contarão mais um capítulo do “Torneio de Capoeira de Roda de Rua”.

Com inscrições abertas até o último momento, o torneio é um convite à coragem e à habilidade, onde o prêmio de R$ 5.000,00 é um reconhecimento palpável à dedicação dos artistas do movimento. Mas o que define o vencedor quando a rua é a arena? Mestre Boca Preta é enfático ao explicar a filosofia do jogo. “O regulamento é equilíbrio. Não tem nada de agressão ao oponente. É queda, é o movimento, é o domínio do corpo”, detalha. “É saber dar a tesoura, a marcação, a esquiva. É onde o outro capoeirista tem que entender: ‘Eu tomei a rasteira, marquei, certo? Ele não me derrubou’. Estamos trazendo para o estado do ES a necessidade do equilíbrio total. Se alguém agredir o outro, será desclassificado”, explica.

A ginga que liberta: as raízes da Capoeira de Rua

Historicamente, a capoeira nasceu nas frestas da sociedade, praticada por negros escravizados como forma de resistência e expressão cultural. Após a abolição, Lei Áurea, em 13 de maio de1888, sem políticas de inserção social, muitos negros libertos encontraram na capoeira uma ferramenta de sobrevivência e afirmação nas ruas das cidades brasileiras. Marginalizada e reprimida por códigos penais que a associavam à vadiagem, a capoeira de rua, ou “capoeira vadia”, sobreviveu pela ‘teimosia’ e pela valentia de seus mestres. Era a capoeira jogada de calça, sem camisa, no calor das docas, nos largos das igrejas, onde a única regra era o respeito imposto pela ginga.

Essa é a essência que Mestre Boca Preta, baiano de Ilhéus, carrega no sangue e no movimento. Foi nas ruas de sua cidade natal que ele encontrou seu destino aos 19 anos. “Na rua eu vi a liberdade da capoeira”, relembra o mestre, citando nomes da mestria como Luiz Capeta, Ramiro e Barreto, que foram suas referências. Para ele, a rua foi mais do que um espaço de aprendizado; foi um meio de sustento.

“A rua me deu a liberdade de expressão e foi também onde eu fui buscar o pão de cada dia. Eu ia trabalhar com a capoeira, jogando para o turista”, conta Me. Boca Preta. “O turista chegava na porta do Teatro Municipal de Ilhéus, e você fazia sua expressão artística e era remunerado por isso. Foi dentro da capoeira de rua que eu entendi que ela é uma capoeira de diversas expressões e movimentos”.

A valorização do Torneio de Capoeira de Roda de Rua

O eco do berimbau em Jacaraípe atravessa fronteiras, atraindo capoeiristas de diversos lugares do Brasil. A força do evento reside em seu objetivo principal, que Mestre Boca Preta define com clareza: “Valorizar o capoeirista, principalmente na parte do reconhecimento financeiro”. A premiação, dividida entre as categorias masculino e feminino, é paga na hora, “em cédula ou no Pix”, garantindo o respeito imediato ao talento dos atletas.

Essa visão é compartilhada por lendas vivas da capoeira, como o Mestre Luiz Capeta, de Ilhéus, mestre de Boca Preta, que estará presente para o jogo de abertura. “Eu me sinto orgulhoso desse grande evento, um evento que faz a capoeira, não só da cidade da Serra, mas a do ES, crescer, trazendo novos atletas, cada um representando sua cidade”, afirma Mestre Capeta.

Ele vê no discípulo a continuação de um legado que nasceu em uma das rodas de rua mais antigas do Brasil. “O Mestre Boca Preta me enche de orgulho. Ele é especial porque pegou a essência da Capoeira de Rua, de onde o mestre dele veio: da porta do Teatro de Ilhéus para o mundo”, elogia. “Ele sempre foi um sonhador. Eu o via juntando aqueles garotos para apresentações em festas populares e sabia que ele tinha um futuro brilhante. Hoje, ele está aí, mostrando para toda a capoeiragem que veio para somar, e eu estou aqui para apoiá-lo. Essa festa vai ser linda!”, conclui.

Uma aliança de Axé: o companheirismo por trás do evento

Nos bastidores dessa grande celebração, a organização é uma dança a dois. Ao lado de Mestre Boca Preta está sua esposa e parceira de projeto, Bruxa Viviane Melo. Mineira, ela é a força que equilibra a paixão do mestre com a pragmática necessária para erguer um evento dessa magnitude. “Eu venho no financeiro, no administrativo, na organização, na distribuição de informação e também trabalho na área do marketing”, explica Viviane.

Para ela, o torneio é sobre criar novas realidades para os praticantes da arte. “A expectativa é a abertura de oportunidades e o reconhecimento mesmo do valor financeiro aos capoeiristas. Somos nós que estamos trazendo esse valor simbólico dentro da capoeira”, destaca. Viviane enxerga a capoeira como uma filosofia completa. “Ela tem a oportunidade do lado artístico, quanto na música, no instrumento, na dança, na luta e na filosofia de vida”.

A parceria deles é a prova viva do poder da união. “A gente se conheceu, ela abraçou a minha ideia, eu abracei a causa dela, um abraçou a causa do outro, e estamos aí batalhando sempre juntos”, conta Boca Preta, emocionado. “O lado emocional é importante quando você está com a pessoa que diz: ‘pô, eu tô junto com você’. Como eu falo para ela: sem você, não teria graça”.

Poder público e cultura popular: um diálogo necessário

A grandiosidade do evento, que literalmente ocupa a rua, exigiu um diálogo fundamental com o poder público. A Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer (Setur), da Serra, não apenas autorizou o fechamento da Rua Dr. Francisco Otaviano Chaves, mas também apoiou com estrutura de som e tendas. Questionado sobre a importância de um evento que resgata a tradição da capoeira na rua, o secretário Anderson Madeira vê a iniciativa como um alinhamento com as políticas municipais.

“Eventos como esse, de resgate da cultura popular, que incentivam a prática corporal, principalmente em ambientes de uso comum como a rua, fazem parte da nossa proposta de disseminar o esporte dentro da cidade, favorecendo que cada vez mais a população tenha acesso a práticas diversas”, afirma o secretário. “Isso valoriza a prata da casa e também abre espaço para que a nossa cidade receba visitantes, que venham conhecer a nossa cultura e também ajudar na geração de renda para o nosso município”.

Sobre o valor do trabalho do casal em trazer a ancestralidade afro-brasileira para a cultura da Serra, o secretário reconhece o impacto positivo. “Esse resgate da ancestralidade incutida dentro da nossa característica de cultura popular brasileira é muito importante para nós, porque valoriza toda a nossa diversidade. A Serra é uma cidade acolhedora, formada por gente trabalhadora. Ficamos felizes de ter essas práticas esportivas e culturais dentro da nossa cidade e temos certeza de que isso valoriza a nossa gente”.

A roda começa: três dias de celebração com direito a churrasco e rave

O evento é um mergulho intenso de três dias. Começa na sexta-feira (10), com a roda de abertura no Espaço Cultural Jacaraípe Show, um momento crucial de confraternização e estudo. “É importante o competidor estar na sexta-feira, porque ele sente a energia”, aconselha Boca Preta. “Ali a gente vai começar a orientar como vai ser no sábado. Ele consegue estudar o adversário, observar o jogo de cada um, aquela malandragem”.

O sábado é o dia do torneio, da adrenalina e da técnica, que se estende até o final da tarde, coroando os campeões. À noite, a festa continua com samba de roda e a “Rave da Capoeira”. O domingo é reservado para a “resenha”, uma grande celebração com churrasco: um boi e uma porca de 70 kg estão preparados para  dissolver as rivalidades do torneio, momento de alegria em que a comunidade capoeirista se fortalece.

Ao olhar para a rua que se prepara para receber tantos sonhos e movimentos, Mestre Boca Preta reflete sobre sua jornada, da Bahia ao Espírito Santo. “Sou grato ao estado do Espírito Santo, a Jacaraípe. Aqui sim, eu comecei uma história e recomecei uma nova história”, finaliza, com o sentimento de quem sabe que, na capoeira, cada roda é um recomeço e cada ginga é a prova de que a liberdade, quando expressa com arte, é imbatível.


 

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