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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista
A Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO) celebrou suas Bodas de Esmeralda em grande estilo. O evento “Berimbau Tocou”, realizado entre os dias 3 e 7 de setembro, movimentou Santo Amaro da Purificação (BA), berço da capoeira. Foram dias de imersão cultural que reuniram mestres e capoeiristas do Brasil e do mundo.
O Jornal Merkato esteve presente na terra da ginga e do axé para acompanhar de perto essa celebração histórica que marca quatro décadas de resistência e preservação da memória cultural. Dentro da série especial dedicada aos 40 anos da ACARBO, trazemos o perfil do som do atabaque e os bastões do maculelê não são apenas parte da cultura de Santo Amaro; eles correm no sangue de Valmir Andrade da Silva, 42 anos, o recém-consagrado Mestre Tampinha. Em meio às celebrações dos 40 anos da Associação de Capoeira Regional Berimbau de Ouro (ACARBO), sua história ressoa com a força de uma herança ancestral. Me. Tampinha não é apenas um capoeirista; ele é a quarta geração de uma linhagem que se entrelaça com a própria história do Maculelê.
Ele é bisneto de Paulino de Andrade, o lendário Popó do Maculelê, responsável por resgatar e organizar a dança guerreira que via os escravos praticarem. É neto de Evilásio de Andrade, o “Vivi de Popó”, que deu continuidade à tradição. Essa genealogia, por si só, já o colocaria nos anais da cultura afro-brasileira, mas Valmir foi além. Encontrou na capoeira, pelas mãos da ACARBO, o caminho para a própria transformação.
Hoje, Mestre Tampinha carrega não apenas a responsabilidade de um mestre de capoeira, mas o peso e a honra de um legado que nasceu nos canaviais e se perpetua no som do berimbau. Nesta entrevista, ele fala sobre como a capoeira o salvou, a força da união na ACARBO e o que significa ser um herdeiro direto da raiz do Maculelê. E, agora, junto ao seu filho Emanuel Alves da Silva, conhecido na capoeira como Meio Quilo, tem a responsabildiade de continuar o legado do Maculelê no ambiente familiar.
Leia a entrevista! Se inspire!
1 – Mestre Tampinha, como a capoeira começou na sua vida?
Eu estou na capoeira há cerca de 35 anos. A ACARBO foi a base de tudo na minha vida. Quando comecei no grupo, havia muitas crianças, assim como eu era na época. Hoje, muitas não estão mais conosco, seguiram outros caminhos ou já partiram. A capoeira, para mim, foi o alicerce.
2 – A capoeira transformou o homem Valmir. O que ela te deu?
A capoeira me ensinou muitas coisas nesta vida e me tirou de um caminho no qual, hoje, eu poderia não estar mais aqui. O homem que sou hoje, eu agradeço à capoeira. Os amigos que tenho, a família que construí, os filhos que tenho… tudo eu agradeço à capoeira. Ela me deu força para estar de pé. Abaixo de Deus, a capoeira é a base da minha vida.

3 – Vindo de uma linhagem do Maculelê, qual a importância dessa dança para você e qual a sua relação com a capoeira?
Eu sou apaixonado não só pelo Maculelê, mas pela capoeira também. O Maculelê é uma dança que ao mesmo tempo se torna uma defesa. Quando um ataca, você precisa se defender, assim como na capoeira, quando você precisa se esquivar de uma rasteira. Meu bisavô, Popó, resgatou o Maculelê aqui em Santo Amaro ao observar os escravos. Ele pegou aquela dança e começou a praticar com a família. É uma herança muito forte.
4 – Como você define sua personalidade como jogador de capoeira? Quem é o Mestre Tampinha na roda?
Eu gosto da capoeira completa. Gosto da entrada, da saída, gosto de tomar e de dar rasteira. Eu sempre dizia ao meu mestre que ia para os eventos com dois sacos: um para bater e outro para apanhar, e o de apanhar sempre vinha mais cheio. Gosto da capoeira dura, mas também do floreio, da movimentação no chão. A capoeira é tudo isso.
5 – Você é um homem de fé. Como concilia o cristianismo com a capoeira, uma cultura de raiz afro-brasileira?
As pessoas precisam saber separar as coisas: o que é cultura, o que é esporte e o que é religião. Religião não se discute. As pessoas querem misturar as coisas, mas a capoeira é uma cultura, uma luta, uma dança e um esporte que hoje está no mundo todo. Minha fé em Cristo me fortalece, e a capoeira é a minha arte, minha cultura. Uma coisa não impede a outra.
6 – A ACARBO completou 40 anos de existência. Na sua opinião, qual é o segredo para essa longevidade e sucesso?
É a união. A Bíblia diz que uma corda de três dobras não se arrebenta facilmente. Quando você se une em um só pensamento, as coisas acontecem, as coisas fluem. O pensamento de todos era um só: fazer uma festa bonita para celebrar esses 40 anos. A ACARBO batalhou muito, com aulas, cursos, e a dedicação não só do mestre, mas de todo o grupo, para que isso acontecesse.
7 – Quais foram os fundamentos essenciais que a ACARBO e o Mestre Macaco te ensinaram para que você chegasse ao grau da mestria?
O mestre cobrava muito da gente. Para trocar de graduação, tínhamos que cantar, tocar, ter boas notas na escola e responder questionários sobre a história. Tínhamos que pesquisar quem foi Mestre Bimba, quem foi Pastinha, o que significa o toque de Angola. Ele nos preparou desde o início. O mestre que tenho hoje não é só um mestre, é um amigo, um irmão, um pai. Ele é a base.
8 – Você tem dimensão da responsabilidade que carrega? Ser bisneto de Popó do Maculelê e agora Me. de Capoeira. Essa ficha já caiu?
Essa ficha já tinha caído há um bom tempo. Meu mestre sempre me disse: “Tampinha, você é bisneto de Popó, tem uma responsabilidade muito grande. Você tem que buscar”. É uma responsabilidade tão grande que, às vezes, a gente fica sem saber como vai ser lá na frente. Agora, como mestre, é preciso firmar os pés no chão, erguer a cabeça e pedir direção a Deus para saber conduzir esse legado.
9 – Antigamente, você não falava muito sobre sua linhagem. O que mudou?
Eu não via necessidade de ficar falando que era bisneto de Popó, pois muitos já me conheciam desde criança e sabiam da minha família. Mas hoje eu já falo, especialmente quando vou dar oficinas de Maculelê. Eu me apresento: “Sou Valmir, neto de Vivi de Popó e bisneto de Popó de Maculelê”. Hoje eu comento com orgulho.
10 – Para finalizar, o que essa festa de 40 anos e a sua formatura representaram para você?
A palavra é gratidão. Primeiramente a Deus, por essa oportunidade. Agradecer ao meu mestre, ao grupo ACARBO e a todos que estiveram aqui, como você, fazendo esse trabalho maravilhoso. É muito bom receber pessoas de fora, fazer novas amizades. Esses 40 anos ficaram marcados, pois meu filho também se graduou. Ver todos que foram formados pelo mestre fazendo parte dessa história… É só gratidão.




