40 Anos da ACARBO: resistência, legado e a voz de Mestre Lampião

A Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO) celebrou suas Bodas de Esmeralda em grande estilo. O evento “Berimbau Tocou”, realizado entre os dias 3 e 7 de setembro, movimentou Santo Amaro da Purificação (BA), berço da capoeira. Foram dias de imersão cultural que reuniram mestres e capoeiristas do Brasil e do mundo.

O Jornal Merkato esteve presente na terra da ginga e do axé para acompanhar de perto essa celebração histórica que marca quatro décadas de resistência e preservação da memória cultural. Dentro da série especial dedicada aos 40 anos da ACARBO, trazemos hoje o perfil de um de seus pilares: Mestre Lampião, ou Antônio Reinaldo Lima dos Santos, nascido e criado em Santo Amaro, em 19 de maio de 1966, forjado no bairro Trapiche de Baixo, tradição que fez da cidade um marco no mundo da capoeira.

Formado em fisioterapia, com especializações em ortopedia e fisioterapia hospitalar, Mestre Lampião alia ciência e ancestralidade. Entre sua trajetória como professor, pesquisador e militante da cultura, ele guarda a memória viva de um tempo em que a capoeira era resistência, luta e sobrevivência.

1 – Mestre, por que o apelido “Lampião”?

Foi Mestre Medicina quem me deu. Ele dizia que eu parecia um cangaceiro, raiz, porque jogava uma capoeira mais firme, mais direta. Esse apelido passou a me acompanhar desde então.

2 – Como foi seu primeiro contato com a capoeira?

Cresci num ambiente em que a capoeira já estava presente. Eu tinha uns cinco anos quando comecei a ver rodas perto do cais, nos trapiches. Era época de ditadura, tudo era mais fechado, mas em Santo Amaro sempre houve ousadia do povo negro.

3 – Que tipo de capoeira se jogava naquela época?

Era uma capoeira mais primitiva, muito voltada para a luta. Não se falava em Angola ou Regional. Essa divisão só chegou nos anos 80. O que existia aqui era simplesmente capoeira.

4 – Na sua visão, existe “golpe feio” dentro da roda?

Existe, sim. Golpe que machuca sem necessidade é feio. A capoeira é jogo, é surpresa, é inteligência. O bonito é desequilibrar, surpreender, mas sempre respeitando o corpo do outro.

5 – O senhor costuma criticar a capoeira contemporânea?

Não. Eu frequentei rodas de todos os estilos. O que faço é mostrar que, na velocidade de hoje, alguns fundamentos antigos estão se perdendo: a boa rasteira, a banda bem feita, o jogo de dentro. Isso precisa ser lembrado.

Formaura dos mestres da ACARBO. À esquerda na foto, Me. Lampião. No centro, Me. Pitibull, seguido por Me. Carcará. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

6 – Qual foi sua principal contribuição como professor e pesquisador?

Criei projetos sociais, fundei o grupo Capoeira Recôncavo e levei a capoeira para o interior e outros estados. Além disso, estudei fisioterapia para escrever sobre a capoeira como recurso terapêutico, especialmente no trabalho com idosos.

7 – A capoeira influenciou sua formação acadêmica?

Totalmente. Foi ela que me levou de volta à universidade. Minha pesquisa científica nasceu da capoeira, mostrando como ela pode ajudar na marcha e saúde de pessoas idosas.

8 – Como o senhor avalia a trajetória da ACARBO até aqui?

Foi uma caminhada de perseverança. Houve sacrifícios, perdas, gente que ficou pelo caminho. Mas a união e o compromisso mantiveram a capoeira de Santo Amaro viva e forte.

9 – Quais foram os maiores desafios enfrentados pelo grupo?

Resistir às novidades que vinham de fora e manter a identidade local. A ACARBO pagou um preço caro, mas sobreviveu porque tinha gente comprometida com a capoeira como causa coletiva.

Grupo de mestres e professor da ACARBO. / Foto: Jornal Merkato.

10 – O que significa para o senhor celebrar 40 anos da ACARBO?

É histórico. Representa o sacrifício de muitos que doaram suas vidas para que hoje pudéssemos estar aqui comemorando. Não é apenas sobre mestres individuais, mas sobre o grupo e a própria capoeira.

11 – Que mensagem deixa para as novas gerações de capoeiristas?

Respeitem a tradição, estudem a história e entendam que capoeira não é só movimento. É cultura, é vida e também responsabilidade com o corpo e com o outro.


 

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