Do boxe à capoeira: a jornada de Me. Jorge Neném nos 40 Anos da ACARBO

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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista

A Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO) celebrou suas Bodas de Esmeralda em grande estilo. Para marcar quatro décadas de resistência e legado, o evento “Berimbau Tocou” movimentou Santo Amaro da Purificação (BA), o berço da capoeira, entre os dias 3 e 7 de setembro. O Jornal Merkato esteve presente na terra da ginga e do axé para cobrir de perto essa imersão cultural que reuniu mestres e capoeiristas do Brasil e do mundo.

Dando continuidade à nossa série especial, conversamos com personalidades que são pilares na construção da ACARBO e, consequentemente, da memória cultural da Bahia. Nosso entrevistado de hoje é o Mestre Jorge Neném, um homem cuja trajetória revela uma paixão que transcende a profissão. “Eu não vivo de capoeira, eu tenho o meu trabalho”, afirma ele. “Mas a minha vida é dedicada a ela”.

Confira a entrevista completa.

1 – Mestre, o que significa para um grupo como a ACARBO completar 40 anos de história?

Chegar aos 40 anos é o resultado de uma longa jornada. Uma trajetória que teve vitórias e também derrotas, especialmente a perda de pessoas que faziam parte da família, queira ou não, isso faz parte da vida. Mas o que nos trouxe até aqui foi a dedicação, a disciplina e o amor ao próximo, algo raro hoje em dia. O grupo batalhou muito, começando em Santo Amaro e Conceição da Feira, e depois expandindo para o extremo Sul da Bahia e o Norte do Espírito Santo, uma jornada que acompanhei de perto e continuo acompanhando. É uma luta muito grande.

2 – Para manter um grupo vivo por tanto tempo, quais são os fundamentos essenciais da capoeira, dentro e fora da roda?

O primeiro passo para manter um grupo é ter um bom mestre à frente, pois sem uma liderança forte, não se consegue avançar. Existem as dificuldades financeiras, tudo tem um custo. Mas há o outro lado: muitos dos que estão aqui hoje, nós resgatamos da periferia. E hoje eles estão mostrando o resultado dessa luta. Para um mestre conseguir esse tipo de apoio e manter o trabalho social, a batalha é imensa. Falando da técnica, a capoeira regional exige muito treino, paciência e força de vontade para que o aluno alcance seu objetivo. Esses são os fundamentos.

Mestre Jorge Neném ministrando oficina de capoeira no evento “Berimbau Tocou”. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

3 – Como a capoeira entrou na sua vida? O senhor mencionou que veio de outro esporte.

É uma história curiosa. Eu treinava boxe, não tinha nada a ver com capoeira. Eu sou de Conceição da Feira e venho da linhagem do Mestre Admilton, que foi aluno do Mestre Macaco. Eu era mais presente nas aulas de capoeira do que os próprios integrantes. Saía do meu serviço, comprava pipoca e sentava para assistir à aula. Um dia, me convidaram: “Por que você não vem treinar?”. No início, recusei, pois já fazia boxe. Mas eu gostava de ver, de observar os treinos. Aceitei o convite, comecei a treinar em casa e estou no grupo ACARBO até hoje.

4 – O que especificamente na capoeira despertou essa paixão à primeira vista?

A capoeira não tem explicação, só sabe quem vive aquilo. Quando você tem o contato dentro da roda, com um bom professor, aquela energia te captura. É paixão à primeira vista. Eu era adolescente e hoje, aos 54 anos, tenho mais de 30 de capoeira. O que mais me entusiasmava era o jogo, a forma como as pessoas treinavam. Depois, veio o encanto pela musicalidade, e comecei a me aprofundar na história da capoeira e do grupo.

5 – Qual foi a maior dificuldade que o senhor enfrentou em sua trajetória na capoeira?

A maior dificuldade foi o preconceito, logo no início. Quando deixei o boxe para praticar capoeira, as pessoas que treinavam comigo começaram a me discriminar. Diziam: “Isso é coisa de negro, de malandro”. Houve um afastamento por parte delas, que não tinham conhecimento sobre a história e a resistência por trás da capoeira. Foi um racismo velado. Hoje, quando essas mesmas pessoas me encontram, elas reconhecem a minha jornada.

“Eu comprava a minha pipoca e sentava para assistir a aula de capoeira”, Me. Neném. / Foto: Jorna Merkato. Clique na imagem.

6 – O senhor tem uma profissão fora da capoeira. Como concilia essa dedicação com seus projetos e alunos atuais?

Exato, eu não vivo financeiramente da capoeira. Sou atendente administrativo e trabalho em um sindicato, representando os trabalhadores do setor de papel e celulose. Mas minha vida é dedicada à capoeira. Eu viajo pelo extremo Sul da Bahia, Norte do Espírito Santo, participo de vários eventos e tenho muitos alunos que hoje tocam seus próprios projetos, como o Mestre Val, em Pernambuco e o Ponteiro, em Braço do Rio/ES.

7 – Mudando de assunto. Uma questão polêmica no mundo da capoeira é a realização de campeonatos. O senhor é contra ou a favor?

Eu sou a favor. Na linhagem da ACARBO, nós realizamos torneios, mas o foco é sempre na técnica, na movimentação, nas pegadas e na qualidade do jogo. A violência não tem espaço. Nosso método não funciona com agressividade.

8 – Na sua opinião, o que descaracteriza a capoeira?

Eu vejo alguns vídeos em que as pessoas inserem outras modalidades dentro da capoeira, e acho que isso faz com que ela perca sua qualidade e identidade. Se você mistura outras lutas, fica difícil. Capoeira é capoeira. A base de tudo é a ginga.

9 – Qual foi o maior ensinamento que a capoeira lhe proporcionou?

O maior ensinamento foi a própria vida. O fato de estar aqui hoje, sou muito grato à capoeira por tudo.

10 – Quando pensarem em “Mestre Jorge Neném”, como o senhor deseja ser lembrado?

Falar de Mestre Jorge Neném é fácil. Quem teve a oportunidade de me conhecer nunca vai esquecer. Uma lição que carrego é que a porta nunca pode ser fechada; ela deve permanecer aberta. É preciso ter humildade, amor ao próximo e muita disciplina para chegar onde se quer. Jorge Neném é coração leve sempre e gratidão.

11 – Mensagem final para a ACARBO.

Eu, Mestre Jorge Neném, discípulo do Mestre Macaco e do Mestre Admilton, só tenho a parabenizar o grupo como um todo por se fortalecer cada vez mais. Agradeço ao Mestre Macaco, que está aí, leve de capoeira, viajando por vários países e difundindo nossa cultura com seu trabalho no exterior. Então, parabéns ao nosso coordenador-geral, Raimundo José das Neves (Mestre Macaco), e a todos nós por estes 40 anos de resistência cultural. Estamos todos de parabéns!”

Símbolos da musicalidade na capoeira: caxixi e berimbau. O espírito entende e o corpo sente o convite para entrar na roda. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

 

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