A escola em crise: da sobrevivência à realização de sonhos

(Imagem: ChatGPT)
Coluna Letrados
Por: Samuel J. Messias – Mestre em Educação

Olá, leitor (a), da coluna Letrados. O ambiente escolar, historicamente concebido como um espaço de desenvolvimento, aprendizado e transformação, enfrenta uma crise sem precedentes. Longe de ser um celeiro de sonhos, a escola tornou-se, para muitos, um epicentro de adoecimento socioemocional. Professores, alunos e seus pais compartilham um sentimento de exaustão e desamparo, imersos em uma rotina que parece ter perdido seu propósito fundamental. A constatação é alarmante: a escola está doente. Dados recentes revelam um cenário preocupante, onde 75% dos educadores e 64% dos estudantes afirmam que o ambiente escolar prejudica ativamente sua saúde mental, associando a instituição a sentimentos de cansaço, ansiedade e sobrecarga.

Neste artigo, me proponho a analisar as raízes dessa epidemia, com foco na burocratização do ensino e no consequente adoecimento da comunidade escolar, para então delinear caminhos que permitam resgatar a vocação da escola como um lugar onde professores possam atuar como verdadeiros “orientadores de voos”, guiando os alunos na jornada de transformar seus sonhos em realidade.

O grito silencioso dos professores: “Não estamos dando aulas, apenas preenchendo plataformas”

A frase, proferida por um professor de história do Paraná, ecoa como um sintoma agudo da crise: “Nós não estamos dando aulas, estamos apenas preenchendo plataformas” . Ela encapsula a frustração de uma categoria profissional que se vê cada vez mais distante de sua missão pedagógica, afogada em um mar de burocracia digital. A chamada “plataformização” da educação, acelerada no período pós-pandemia, impôs uma sobrecarga de trabalho administrativo que descaracteriza a função docente. No estado do Paraná, por exemplo, os professores são obrigados a interagir com cerca de 20 plataformas digitais, cujo uso é rigorosamente monitorado pelo governo sob a pressão de metas e rankings .

Essa realidade não é um caso isolado, mas um reflexo de uma tendência nacional. Uma pesquisa realizada pelo Instituto IPO em parceria com a APP-Sindicato revela a dimensão do problema: 95% dos professores relatam cobrança por metas e resultados, 91,3% se sentem sobrecarregados pelo uso das novas tecnologias e, mais grave, 74,3% afirmam sofrer impactos negativos em sua saúde física e mental por conta dessa nova dinâmica. A tecnologia, que deveria ser uma ferramenta de apoio, converteu-se em um instrumento de controle e precarização. A autonomia e a criatividade, pilares da prática pedagógica, são suprimidas por um sistema que prioriza o preenchimento de formulários e o alcance de índices em detrimento da aprendizagem significativa.

“As plataformas estão gerando um negacionismo pedagógico, uma sobrecarga de trabalho e o adoecimento dos professores, além de intensificarem a ansiedade nos estudantes. Essa plataformização não é educação, é um grande negócio”, declara Vanda Santa, secretária educacional da APP-Sindicato .

A consequência direta é o adoecimento em massa. A Síndrome de Burnout, caracterizada pelo esgotamento profissional, tornou-se uma epidemia entre os docentes, sendo, ao lado da depressão, uma das principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. A desvalorização profissional, a violência no ambiente escolar e a exaustão crônica compõem um quadro que adoece não apenas o professor, mas todo o ecossistema escolar. O professor, peça-chave na engrenagem da educação, encontra-se doente, desmotivado e impedido de exercer sua função mais nobre: a de inspirar e orientar.

Ecos da crise: alunos ansiosos, pais desamparados

O adoecimento do professor reverbera por toda a comunidade escolar, atingindo em cheio os alunos e, por extensão, suas famílias. Quando o professor é reduzido a um mero operador de sistemas, a relação afetiva e o cuidado individualizado, essenciais para o processo de aprendizagem, se perdem. Os estudantes, por sua vez, encontram-se no epicentro de um sistema que os pressiona por resultados quantitativos, muitas vezes negligenciando seu bem-estar e desenvolvimento integral. A ansiedade se torna uma companheira constante, alimentada por uma avalanche de atividades, notificações de plataformas e a pressão por desempenho.

Relatos de estudantes, como o de Erick, aluno do segundo ano, ilustram essa realidade: “Ouvi muitos relatos relacionados à ansiedade. (…) essas plataformas têm gerado uma pressão desnecessária, que só serve para cumprir metas do governo” . A percepção de que a educação se tornou um “projeto mal estruturado, cheio de defeitos e bugs que apenas sobrecarrega os professores e os alunos, sem fins educativos” é um sintoma claro da desconexão entre as políticas educacionais e as necessidades reais de quem está no chão da escola. A crise de saúde mental se instala: sete em cada dez alunos relatam sintomas de ansiedade ou depressão no período pós-pandemia .

Os pais, por sua vez, assistem a esse cenário com uma mistura de preocupação e impotência. Veem seus filhos ansiosos e sobrecarregados, e os professores, que deveriam ser seus principais aliados na formação das crianças e jovens, exaustos e desmotivados. A comunicação entre escola e família, já desafiadora, torna-se ainda mais complexa em um contexto em que as interações são cada vez mais mediadas por plataformas digitais e focadas em relatórios de desempenho, em vez de diálogos construtivos sobre o desenvolvimento integral do aluno.

Superando o desafio: caminhos para a cura e a transformação

Sair desta epidemia de adoecimento socioemocional exige um esforço coletivo e uma reavaliação profunda dos rumos da educação. Não se trata de buscar culpados, mas de construir soluções que resgatem o sentido da escola como um espaço de potencialidades. A transformação é possível e passa, fundamentalmente, por um eixo de humanização e valorização das pessoas.

1. Desburocratizar para humanizar: a tecnologia como aliada, não como fim

A crítica à “plataformização” não é uma negação da tecnologia, mas um apelo por seu uso racional e pedagógico. A esmagadora maioria dos professores (90%) defende que as plataformas sejam ferramentas de uso opcional, servindo como apoio, e não como uma camisa de força que engessa a prática docente. É imperativo simplificar processos, eliminar a duplicidade de tarefas (manuais e digitais) e reduzir a quantidade de relatórios que servem apenas para alimentar estatísticas, liberando o tempo do professor para o que realmente importa: a interação com os alunos. A tecnologia deve servir à pedagogia, e não o contrário.

2. Cuidar de quem educa: a saúde mental do professor como prioridade

Um professor doente não pode ser um “orientador de voos”. É fundamental que as escolas e os sistemas de ensino assumam a responsabilidade pela saúde mental de seus educadores. Isso se traduz em ações concretas, como:

  • Promover uma cultura de diálogo: Criar espaços seguros onde os professores possam falar sobre suas angústias sem medo de julgamento .
  • Estabelecer sistemas de apoio: Implementar programas de mentoria, oferecer acesso a serviços de aconselhamento e promover iniciativas de bem-estar, como oficinas de gestão do estresse .
  • Garantir o equilíbrio: Respeitar a jornada de trabalho, estabelecendo limites claros para as demandas fora do horário escolar e incentivando pausas e dias de descanso .
  • Melhorar as condições de trabalho: Abordar problemas estruturais como turmas superlotadas e carga de trabalho excessiva .

3. A escola como espaço de acolhimento e pertencimento

Para que sonhos se transformem em realidade, a escola precisa ser um lugar seguro e acolhedor. Isso envolve desde a estrutura física, com ambientes que promovam a interação e o bem-estar, até a cultura relacional. A criação de canais de escuta ativa, como rodas de conversa, e a promoção de uma comunicação mais afetiva e empática são essenciais para que todos – alunos, professores e pais – se sintam parte de uma comunidade. O sentimento de pertencimento é um poderoso antídoto contra o isolamento e a ansiedade.

4. O professor como orientador de voos: resgatando a missão pedagógica

Quando o professor é valorizado, cuidado e liberto das amarras burocráticas, ele pode, enfim, exercer sua vocação. Ser um “orientador de voos” significa ter tempo para conhecer cada aluno em sua individualidade, para desenvolver projetos que façam sentido, para experimentar, criar e, principalmente, para construir relações de confiança e afeto. Significa devolver a autonomia para que o professor possa, de fato, planejar suas aulas e escolher os melhores caminhos para a aprendizagem. Ao resgatar a dignidade e a autonomia do trabalho docente, abrimos espaço para que a escola volte a ser um lugar onde a educação é um ato de esperança e transformação.

Escola baseada no diálogo, no cuidado e na autonomia

A epidemia de doenças socioemocionais que assola as escolas brasileiras é um problema complexo e multifacetado, mas não é uma sentença de morte para a educação. As vozes de professores, alunos e pais, que ecoam o cansaço de um sistema focado em métricas e não em pessoas, são também um chamado à ação. A superação deste desafio monumental passa, invariavelmente, pela coragem de repensar o modelo atual.

Por tanto, é preciso desconstruir a cultura da burocracia e da desconfiança para reconstruir uma escola baseada no diálogo, no cuidado e na autonomia. Ao investir na saúde mental dos professores, ao devolver-lhes o protagonismo pedagógico e ao transformar o ambiente escolar em um espaço de acolhimento e pertencimento, estaremos não apenas curando uma instituição doente, mas, fundamentalmente, restaurando sua capacidade de ser um lugar onde sonhos não apenas sobrevivem, mas são ativamente cultivados e impulsionados. O caminho é árduo, mas é o único que pode nos levar de volta à essência da educação: formar seres humanos em sua plenitude.

*O texto é de livre pensamento do colunista*
Samuel J. Messias – *Reside em Vitória/ES *Consultor Empresarial *MBA em Estratégia Empresarial *Bacharel em Ciências Contábeis *Me. em Educação ( Florida University- USA). (Foto: Divulgação)

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