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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista
Com uma trajetória de 60 anos e autor de 144 livros, o escritor Maciel de Aguiar, recentemente indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, vive um momento histórico. Pela primeira vez, ele foi convidado para lançar uma obra durante a tradicional Festa de São Mateus, que celebra os 481 anos da cidade. O convite, feito pela administração municipal, representa um marco para o autor, que, embora tenha nascido em Conceição da Barra.
Durante o evento, que ocorre de 18 a 22 de setembro, Maciel de Aguiar lançará seu mais recente trabalho, “O Velho Lobo do Mar”, e disponibilizará outras obras consagradas, como as biografias de Pelé, Ayrton Senna e Roberto Carlos.
Nesta entrevista, o escritor fala sobre o simbolismo desse retorno, o processo criativo por trás de seus livros, as histórias de bastidores com grandes ícones nacionais e suas contundentes opiniões sobre o futuro da leitura em tempos de redes sociais.
1 – Maciel, este lançamento na Festa de São Mateus é um marco, ocorrendo pela primeira vez em 60 anos de carreira. O que representa para você, como escritor que se considera mateense de coração, este retorno e este reconhecimento em um palco tão simbólico para a cidade?
Fico feliz e agradeço à administração municipal por me incluir na programação oficial da festa. A profissão de escritor é cada vez mais dispensada pelo poder público, principalmente agora com a Inteligência Artificial. Por isso, sinto-me satisfeito em participar, pela primeira vez desde que a exposição foi criada, fazendo o lançamento de um livro meu. Depois de 60 anos, isso me dá uma enorme satisfação.
2 – O título do seu 144º livro, “O Velho Lobo do Mar”, é bastante sugestivo, especialmente para um autor com raízes no litoral norte capixaba. Quem é essa figura e qual a sua jornada? Há elementos autobiográficos ou inspirações diretas das suas vivências nesta nova obra?
O livro é uma tentativa de contar a história de meu velho pai, que foi marinheiro, um grande aventureiro. Ele rodou pelos mares do mundo e, depois de muitos anos, voltou, conheceu minha mãe e se casou. Juntos, tiveram nove filhos. Eu sigo o mandamento da lei maior que diz: “honrar pai e mãe”. Minha tentativa com este livro é honrá-los. Que me perdoem os religiosos, mas esse é o mandamento mais importante, porque quem não honra pai e mãe não consegue honrar mais nada. Na minha opinião, isso é o que há de mais importante no ser humano.

3 – Sua obra é vasta e diversa, incluindo biografias de ícones como Ayrton Senna, Roberto Carlos, Oscar Niemeyer e, claro, Pelé. O que o atrai a mergulhar e a narrar a vida de grandes personalidades brasileiras?
Com exceção de Roberto Carlos, eu sempre fui convidado. O livro do Roberto foi motivado por uma história que presenciei no verão de 1970, em Conceição da Barra, sobre um jovem que, após após a traição da noiva, saiu pela rua sem destino e jogando os documentos fora. Nessa noite aconteceu um acidente, onde ele foi atropelado e entrou em coma e, ao acordar, não lembrava o próprio nome, apenas se lembrava da música “Sentado à beira do caminho”. Isso me inspirou a reunir as histórias que as pessoas tinham com as canções de Roberto Carlos, um projeto que levei 50 anos para concluir, de 1970 a 2020.
Já o livro do Pelé foi um convite do próprio Pelé. Oscar Niemeyer me “intimou” a escrever sobre seus cem anos, e o Ayrton Senna sugeriu que eu escrevesse sobre suas vitórias após me encontrar com recortes de jornal no aeroporto.
Escrevi sobre os cinco maiores brasileiros em suas atividades: Pelé, Niemeyer, Roberto Carlos, Senna e Rubem Braga. Esses livros me deram muitas alegrias, mas, para ser sincero, gosto mesmo é de escrever sobre pessoas desconhecidas, anônimas, cuja importância nem mesmo suas famílias reconhecem. É o caso dos 40 livros que escrevi sobre os quilombolas. Sinto-me tão satisfeito com eles quanto com os livros dos brasileiros mais notáveis.
4 – Seu livro “Pelé – the king of football” alcançou um patamar global, editado em dez idiomas e vendido em mais de 150 países. Olhando em retrospecto, como foi a experiência de retratar um ícone mundial e ver sua obra transcender tantas fronteiras culturais e linguísticas?
A história do livro do Pelé é muito interessante. Meu editor no Jornal do Brasil, Oldemário Touguinhó, era muito amigo dele.
Em Nova York, Demario viu na casa do Pelé uma foto dele dando um soco em um jogador argentino que o ofendeu com xingamentos racistas durante um jogo. O fotógrafo era amador, e o Pelé comprou o negativo para que a imagem não fosse divulgada. Demario fotografou secretamente a foto e me pediu para escrever um texto sobre ela, envolvendo a questão do racismo. Eu escrevi “O Soco Divino”, narrando a cena como se o juiz tivesse visto e se recusado a expulsar Pelé, considerando o ato uma resposta justa aos insultos.
Meu editor levou o texto, confessou a “traição” a Pelé, que ficou furioso. Mas ele insistiu para que Pelé lesse. Quinze dias depois, Pelé ligou para ele e disse: “Quem é esse Maciel? Eu quero que esse Maciel escreva o meu livro”. Foi assim que tudo aconteceu, uma casualidade.

5 – Com uma carreira tão prolífica, chegando a 144 livros publicados, sua disciplina e processo criativo são notáveis. Como nasce um livro de Maciel de Aguiar, desde a inspiração inicial até o ponto final?
Amigo, eu não sei como nascem os meus livros, até porque não escrevo um de cada vez. Eu uso várias máquinas de escrever, e cada uma delas é dedicada a um livro diferente, às vezes por anos. Não sei como as histórias surgem, mas sei que a dos quilombolas nasceu da oralidade, de entrevistas que faço desde 1965.
No fim, a única coisa que me aborrece é quando usam meus livros em teses de mestrado e doutorado e não citam a fonte. Não tenho problema que copiem ou se inspirem, mas a honestidade intelectual de citar a fonte valoriza a obra de todos.
Para mim, quando sento à máquina de escrever, o livro já está pronto na cabeça. O processo é meramente físico, de transcrever. Eu não reescrevo, não reviso. O primeiro texto é o que vai para a impressão.
6 – Recentemente, seu nome foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, a maior honraria que um escritor pode almejar. Como você recebeu essa notícia e o que essa indicação significa não apenas para sua carreira, mas também para a literatura produzida no Espírito Santo?
A indicação ao Prêmio Nobel foi uma surpresa. Desconfio que não seja pelos livros do Pelé, Niemeyer ou Roberto Carlos. Acredito que a indicação se deva aos 40 livros sobre os quilombolas, baseados na oralidade. Acho que isso é um fato inédito na literatura: 40 livros focados em heróis quilombolas que foram esquecidos pela historiografia oficial.
Não vou afirmar categoricamente, mas creio que sou pioneiro nisso. Outros grandes autores, como Luiz Gama e, mais recentemente, Ana Maria Gonçalves com “Um Defeito de Cor”, também trouxeram essa temática, mas 40 volumes focados nisso é diferente.
7 – Após 144 livros, uma indicação ao Nobel e, agora, este retorno a São Mateus, qual legado você espera que a sua obra deixe para as futuras gerações de leitores e escritores capixabas?
Sua pergunta é interessante, porque ninguém lê mais livros. Vivemos uma fase de alta tecnologia e enorme mediocridade. As pessoas não sabem ler, escrever ou interpretar. Um texto com mais de dez linhas é considerado “textão”. Estamos perdendo o hábito da leitura, e isso é um perigo. Não há civilização sem idioma, e nenhuma tecnologia sobreviverá à ignorância e ao analfabetismo.
Hoje, qualquer imbecil fica famoso da noite para o dia por falar uma asneira nas redes sociais e ganhar milhões de seguidores. Eu não quero seguidor nenhum. Não quero ninguém me seguindo. Eu mesmo não me sigo! Tenho Instagram porque a editora criou, mas a única coisa que sei usar, e mal, é o WhatsApp. Não tenho interesse em Facebook ou qualquer outra coisa. Outro dia, a pessoa que cuida do meu perfil disse que “temos que comprar seguidores”. É um absurdo! Não vou comprar nenhum.
Eu sou escritor. Escrevo livros. Quem quiser, que leia o livro. Também não tenho interesse em e-book. O livro tem que ser no papel. Eu deito na rede, durmo em cima dele, sinto o cheiro, acaricio as páginas, vejo a construção dos períodos. Navego nisso. Agora, fazer vídeos medíocres para ter seguidor? Não contem comigo. Para mim, ter 10 ou 50 milhões de seguidores não representa absolutamente nada.



