Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista
Uma profissional, cujo currículo reflete seu profundo engajamento com as questões humanas e sociais, Ângela Rudio, 41 anos, é neuropsicopedagoga e teóloga por formação, ela complementa sua base acadêmica com a graduação em Psicologia, que será concluída em dezembro.
Em abril do próximo ano (2026), Ângela completará um ano de atuação na Gerência de Direitos Humanos, no município de João Neiva, onde é responsável pela pasta de Movimentos Sociais. Seu trabalho é prático e pontual: articular ações de conscientização, levar conhecimento sobre o que constitui violação de direitos e promover o empoderamento de grupos vulneráveis. É ela quem está à frente de iniciativas como a organização da inédita “Marcha da Mulher”, no município, e o apoio à formação de coletivos e grêmios estudantis, atuando como o elo entre a população e o conhecimento de seus direitos.
Merkato esteve em João Neiva para entrevista Ângela. Na ocasião, ela detalhou o impacto de suas ações na cidade, os desafios de desconstruir o ciclo da violência e os projetos futuros que visam destacar as identidades culturais de João Neiva.
Confira a entrevista!
1 – Olá, Ângela Rudio. Obrigado por ceder essa entrevista ao Merkato. Começo pontuando sua formação acadêmica: você possui formação em Neuropsicopedagogia, Teologia e, em breve, concluirá o curso de Psicologia. Como essa base multidisciplinar se integra e a capacita para liderar a pasta de Movimentos Sociais na Gerência de Direitos Humanos?
Minhas formações me dão as ferramentas para entender o ser humano em suas diversas camadas: o aprendizado (Neuropsicopedagogia), o senso de propósito e comunidade (Teologia) e o emocional (Psicologia). Isso me permite dialogar, dar palestras e formular ações que tratam tanto da informação legal quanto do impacto psicológico da violência e da opressão.
2 – O que exatamente consiste o seu trabalho no dia a dia? Qual a aplicação prática de gerir os “Movimentos Sociais” em João Neiva, para além das grandes campanhas?
Na prática, é levar o conhecimento onde ele é preciso. Isso inclui estruturar documentos para a abertura de um grêmio estudantil — que é um movimento social da juventude — e garantir que esse grêmio receba palestras sobre temas como violência contra a mulher, racismo e direitos LGBTQIAP+. Seja eu dando a palestra, seja articulando a rede de palestrantes, minha função é levar o conhecimento sobre direitos humanos à população.
3 – Após quase um ano de trabalho, qual foi a maior lacuna de conhecimento que você percebeu na população, especialmente entre os jovens, em relação aos direitos humanos?
O que mais me surpreendeu foi o desconhecimento sobre a violência psicológica contra a mulher. Muitos adolescentes e até adultos não sabiam que existe uma violência que não deixa marcas físicas, que não é patrimonial, mas que ocorre através de agressões verbais, humilhações ou controle, e que isso é a primeira porta para a depressão, o escalonamento da violência e, em casos extremos, o feminicídio.
4 – O trabalho da gerência se estende ao empoderamento, especialmente de mulheres e dos negros, para que ocupem espaços de poder. De que forma o conhecimento se traduz em poder nesse contexto?
O conhecimento é o poder de se defender. A partir do momento que você, sendo mulher, negra, ou membro de qualquer grupo vulnerável, toma conhecimento dos seus direitos, você adquire a capacidade de lutar pela sua sobrevivência e pelo seu lugar. O nosso dever é levar essa informação para que as pessoas se sintam capazes e assumam o poder sobre suas próprias vidas e narrativas.

5 – Um dos maiores desafios sociais é quando o oprimido, ao alcançar um cargo de poder, reproduz o comportamento do opressor. Como a Gerência de Direitos Humanos lida com o complexo processo de desconstrução desse ciclo?
É um processo que chamamos de desconstrução, que tem um forte componente psicológico. A pessoa carrega uma dor e uma mágoa tão reprimidas que, ao ter poder, acredita que só a violência ou a opressão resolve. É preciso dialogar para que essa dor seja exteriorizada e que essa mentalidade seja reconstruída. Buscamos mostrar, através de contornos em nossas palestras, que não se deve trazer as dores do passado para prejudicar outras pessoas no presente.
6 – Sobre o projeto de transformar a Marcha da Mulher em um evento anual em João Neiva, algo vital para a sua gestão. Qual o impacto real de um evento anual como esse para a conscientização da cidade?
A Marcha movimenta a cidade, a cidade para pra ver. Mesmo que tenhamos palestras o ano todo, a mobilização da Marcha contribui imensamente porque torna visível para todos que João Neiva possui uma Gerência de DH e uma pasta dedicadas à mulher e à luta contra a violência. Isso faz com que a população tome conhecimento de serviços e direitos que antes desconheciam.
7 – Outro projeto, a “Feira Mama África” é uma das atividades futuras para 2026. Qual o objetivo dessa feira e por que ela é importante no contexto cultural de João Neiva, que tem forte presença italiana e alemã?
O objetivo é trazer à luz a cultura afro-brasileira. João Neiva valoriza a cultura europeia, mas precisamos reconhecer e destacar a cultura negra. A “Mama África” será uma feira que englobará culinária, dança, vestuário e artesanato, celebrando todas as expressões da identidade negra. Paralelamente, temos um projeto para destacar a cultura indígena, reforçando que ninguém é superior; cada povo tem sua identidade.
8 – Como palavra final, qual a filosofia que orienta seu trabalho e a sua visão sobre a importância dos Direitos Humanos?
Hoje, dentro da Gerência de DH, acredito que a gente tem que ser mais humanos uns com os outros. Direitos humanos, para mim, é sinônimo de igualdade. Somos todos iguais. No fim das contas, não temos cor, nem raça, nem nada que nos torne superiores ou inferiores… Eu participo de um grupo de motociclismo… A caveira não representa morte, representa a igualdade. Então, para mim, direito humano é igualdade.




