Colabore com essa informação! Pix: 47.964.551/0001-39.
Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista
No primeiro sábado de agosto, o “Festival no Balanço da Ginga”, em Aracruz (ES), foi palco para o batizado e a troca de graduações da Acarbo – Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro. O evento foi conduzido por um dos fundadores da associação, o renomado Mestre Macaco, de Santo Amaro (BA), em parceria com o Contramestre Roberto, que lidera o trabalho da Acarbo no município capixaba.
Raimundo José das Neves, 58 anos, conhecido como Mestre Macaco, é uma figura central da cultura popular em sua cidade natal. Nascido em 8 de outubro de 1966, ele já levou a cultura brasileira para diversos estados e 12 países. A data de seu aniversário coincide com o Dia do Nordestino, uma celebração da diversidade folclórica que reflete seu trabalho. Apresentando-se como “O homem da cultura”, o mestre atua com 15 manifestações culturais, incluindo capoeira, maculelê, samba de roda, capoterapia, entre outras.
A Acarbo, segundo ele, possui núcleos em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco, além de presença internacional na Alemanha, França, Portugal e Bélgica. No Espírito Santo, o trabalho se estende por Aracruz, São Mateus, Conceição da Barra e Colatina.
Leia a seguir a entrevista exclusiva que o Merkato realizou com Mestre Macaco sobre sua trajetória, a mestria na capoeira, inclusão social e o alcance global da cultura brasileira.
1 – Mestre Macaco, capoeira e religião andam de mãos dadas. Qual é a sua religião e o que é espiritualidade para o senhor?
Minha religião é ser espiritual. Não tenho uma religião definida. Espiritualidade é fazer o bem, amar o próximo, cuidar da natureza e das pessoas, trabalhar pelo bem comum. É acreditar na água, na lua, no vento, no sol, na vegetação, nos animais, na energia das pessoas, no calor humano, na família. Essa é a melhor religião: a da consciência humana, de fazer o bem sem olhar a quem.
2 – Em relação à astrologia, você tem alguma aproximação com os conceitos? Qual o seu signo?
Eu sou libriano e entendo a questão do peso da balança. Quem tem que gerar o equilíbrio é a própria balança. Normalmente, o libriano carrega esse peso da responsabilidade de cuidar das pessoas, de cuidar de si mesmo, de ser um espelho. Afinal, não podemos seguir bons exemplos se aqueles exemplos deixam de sê-lo. Então, me identifico com essa característica do libriano de estar sempre se cobrando, buscando o perfeccionismo, embora eu saiba que somos seres imperfeitos.

3 – Falando dessa responsabilidade e a busca pela perfeição, fale um pouco da capoeira em sua vida.
Eu comecei na capoeira em 1975. Meu primeiro mestre foi Ferreirinha de Santo Amaro, já falecido. Depois veio meu segundo mestre, João de Santo Amaro, também falecido. Fui graduado mestre de capoeira pelo Mestre Felipe de Santo Amaro, que atualmente é o capoeirista mais velho do mundo. Ele me acompanhou da década de 1990 até um pouco antes da pandemia de Covid-19. Nas manifestações culturais, aprendi o maculelê com os filhos de Popó: Vavá de Popó e Vivi de Popó.
4 – Mestre, o senhor é um dos fundadores da ACARBO. Comente esse trabalho.
A Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO) é uma entidade de diversidade cultural, uma escola que trabalha com essa pluralidade. Foi criada em 3 de setembro de 1985 e está caminhando para 40 anos. Eu sou um dos fundadores.
Realizamos um trabalho com a capoeira em diversos estados do Brasil, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco, e também no exterior: Alemanha, França, Portugal, Bélgica e outros. Acabei de voltar da Europa, onde passei 90 dias. Meu primeiro trabalho com capoeira no exterior foi na Alemanha, em 1988. Depois fui para a Itália, Polônia… são 12 países ao todo.
Temos a grande responsabilidade de preservar o que ainda existe. Se somos portadores dessa cultura, o mínimo que podemos fazer é respeitar aqueles que deram a vida para trazê-la até nós e, também, respeitar e preservar a nossa própria história. Preservar uma capoeira que esteve e continua presente em muitos acontecimentos históricos do nosso país.

5 – Mestre, comente sobre o sucesso do “Festival no Balanço da Ginga” e os desafios para chegar a esse resultado.
Nós, em Santo Amaro, planejamos um trabalho de expansão com a proposta de a capoeira levar educação e cultura. No início, foi delicado, porque era uma época em que se defendia muito a “camisa”, o território. Era uma capoeira muito dura, de muito conflito e rivalidade.
Conseguimos montar o trabalho aqui com essa proposta de educação e demos a volta por cima. Até porque, para as pessoas que brigavam muito, a idade chega, a visão muda. Elas também foram entendendo que a capoeira evoluía e precisava se adequar. Nós nos perguntávamos: como entrar numa escola particular para dar aula de capoeira com esses conflitos? O capoeirista precisou se preparar para dialogar com a pedagogia. Ali não cabe rivalidade de grupo. A capoeira precisou se preparar para dialogar com o poder público e a iniciativa privada, para buscar fomento e editais.
Dentro desse contexto, a nossa escola, Acarbo, dialoga de igual para igual, com todo o respeito, com os grupos e mestres que pensam a capoeira nessa perspectiva pedagógica, profissional e histórica. O fruto desse trabalho é esta festa que você viu. Pessoas que nem se conheciam jogaram na roda, um derrubando o outro, mas dentro de um espírito esportivo que, muitas vezes, não se encontra nem na própria escola.
6 – Vamos falar da mestria na capoeira. Quais são os atributos que um mestre (a) deve possuir para exercer o espírito de liderança?
Foco, respeito, dedicação e disciplina. Primeiro, vem a responsabilidade que todos nós, mestres e mestras, temos ao lidar com essa cultura e tradição. O mestre ou a mestra deve buscar conhecimento, entender de capoeira, de musicalidade, de instrumentação, de metodologia de ensino e do notório saber, que vem com o tempo.
Não há como se tornar mestre da noite para o dia. É o tempo de jornada na capoeira que vai nos formando. É impossível saber tudo, pois a cultura é infinita. Mas o mestre é o espelho. Eu tenho que me espelhar no meu mestre. Se ele toca, canta, joga, dialoga e trata bem as pessoas, ele é um exemplo. Para a técnica, não há como alcançar um alto nível sem dedicação ao treino e disciplina na movimentação. Na musicalidade, é preciso pegar o berimbau para tocar, estudar as notas, as afinações, conhecer os toques e seus fundamentos para cada tipo de jogo. É preciso entender do pandeiro, do samba… É um mundo gigantesco.

7 – Mestre Macaco, o que o senhor diria sobre a capoeira no Espírito Santo?
Há mais de 40 anos eu venho à região. Fui a Vitória inúmeras vezes, em eventos de vários grupos. A capoeira no Espírito Santo é forte, tem muita gente competente, com conhecimento e bagagem. Em outras palavras, a capoeira que se joga aqui hoje, ou que se jogou ontem, não deve nada a ninguém.
O Espírito Santo contribuiu e continua contribuindo para a expansão da capoeira no mundo. Então, só tenho que aplaudir os grandes mestres e os grupos de capoeira do estado pelo legado que construíram com muito suor. Tenho muitos amigos aqui, tenho aprendido muito. Cada vez que venho à região, nestes 40 anos, só tenho elogios. Também faz parte da minha educação colher apenas o que é benéfico, focar no que nos interessa como aprendizado. A capoeira no Espírito Santo é uma capoeira de extremo respeito.
8 – Para concluir, qual é o legado da capoeira para o Brasil?
Se o mundo hoje fala mais o português do Brasil, agradeça à capoeira, que é a principal precursora da nossa língua e cultura popular no exterior.
É de grande valia o que está acontecendo: a capoeira sendo praticada em mais de 200 países, e isso sem dinheiro do governo. É um sucesso que os próprios capoeiristas construíram. Hoje, existem políticas públicas, mas sabemos que ainda não foi dada à capoeira a dignidade e o apoio que ela merece. Por exemplo, o reconhecimento pelo Itamaraty de um passaporte diplomático para os mestres antigos, que garantisse trânsito livre para esses profissionais que contribuem com o PIB, que exportam instrumentos e trazem centenas de estrangeiros para o Brasil, muitos dos quais ficam meses pesquisando.
A capoeira entra nos morros onde a segurança pública precisa entrar armada até os dentes. Nós entramos com o berimbau e promovemos transformação social e formação de cidadania.



