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Coluna Polítikus
Por: Samuel J. Messias – Consultor Empresarial
O Brasil enfrenta atualmente um complexo conflito institucional envolvendo os três poderes da República e com impacto direto no bolso dos cidadãos. A disputa sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para 2025, decretado pelo presidente Lula, suspendido pelo Congresso Nacional e parcialmente restabelecido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), coloca em evidência tensões políticas, jurídicas e econômicas. Este documento analisa o contexto dessa disputa, os fundamentos da decisão judicial, e os potenciais impactos econômicos e sociais dessa medida que promete arrecadar bilhões aos cofres públicos, mas que também levanta questões sobre quem, efetivamente, arcará com essa conta.
Contexto político e judicial da disputa sobre o IOF
O conflito institucional sobre o IOF teve início em 11 de junho de 2025, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou um decreto aumentando significativamente as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras. A medida, segundo o governo federal, visava aumentar a arrecadação para equilibrar as contas públicas e cumprir as metas fiscais estabelecidas.
No entanto, o Congresso Nacional reagiu rapidamente, aprovando um decreto legislativo que suspendeu integralmente o aumento das alíquotas determinado pelo Executivo. Os parlamentares argumentaram que a medida presidencial ultrapassava o poder regulamentar e invadia competência legislativa, além de impactar negativamente a economia em um momento delicado de recuperação.
11 de junho de 2025
Presidente Lula edita decreto aumentando alíquotas do IOF para diversas operações financeiras, incluindo o “risco sacado”.
Julho de 2025
Congresso Nacional aprova decreto legislativo suspendendo integralmente o aumento do IOF estabelecido pelo decreto presidencial.
A escalada do conflito levou à judicialização da questão, com ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) sendo apresentadas tanto pelo governo federal quanto por parlamentares da oposição. O Executivo questionou a constitucionalidade do decreto legislativo, alegando que o Congresso extrapolou suas competências ao suspender integralmente um decreto que apenas regulamentava alíquotas, prerrogativa constitucional do presidente. Por outro lado, congressistas argumentaram que o decreto presidencial violava o princípio da legalidade tributária e que a alteração de alíquotas, neste caso, mascarava a criação de um novo fato gerador tributário.
Uma tentativa de conciliação entre as partes foi promovida pelo STF, mas não resultou em acordo. A tensão entre os poderes Executivo e Legislativo evidenciou não apenas divergências técnicas sobre a interpretação constitucional, mas também um embate político mais amplo relacionado ao ajuste fiscal e à autonomia dos poderes. Este conflito institucional exemplifica os desafios da governabilidade no sistema presidencialista brasileiro, onde o equilíbrio entre os poderes é constantemente testado em questões econômicas e tributárias.
Decisão do ministro Alexandre de Moraes e seus fundamentos
Diante do impasse entre Executivo e Legislativo, coube ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, decidir sobre a validade tanto do decreto presidencial quanto do decreto legislativo que o suspendeu. Em decisão tecnicamente elaborada, Moraes optou por uma solução intermediária que atendeu parcialmente às demandas de ambos os lados.
Manutenção do aumento do IOF
O ministro manteve o aumento das alíquotas do IOF previsto no decreto presidencial, fundamentando sua decisão no artigo 153, §1º da Constituição Federal, que confere ao Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas deste imposto, desde que observados os limites e condições estabelecidos em lei.
“A alteração de alíquotas do IOF por decreto presidencial é prerrogativa constitucional do Chefe do Executivo, tratando-se de exceção ao princípio da legalidade tributária estrita” – trecho da decisão de Moraes
Suspensão do “risco sacado”
Por outro lado, Moraes suspendeu a incidência do IOF sobre operações de “risco sacado” (operações de antecipação de recebíveis com interveniência do fornecedor), por considerar que neste ponto específico houve extrapolação do poder regulamentar e violação do princípio da legalidade tributária.
Segundo o ministro, a inclusão dessas operações configuraria criação de nova hipótese de incidência tributária, o que somente poderia ser feito por lei, não por decreto.
Precedentes e legitimidade
Na fundamentação, Moraes destacou que o decreto não teve desvio de finalidade e não configurou exação fiscal irregular, reforçando precedentes de decretos similares validados em governos anteriores, incluindo gestões de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva (em mandatos anteriores) e Jair Bolsonaro.
- Precedente de 2008 (governo Lula)
- Precedente de 2016 (governo Temer)
- Precedente de 2021 (governo Bolsonaro)
Reconhecimento da competência do Congresso
O ministro reconheceu a competência do Congresso Nacional para sustar normas que invadam matéria reservada à lei, conforme previsto no artigo 49, V, da Constituição Federal. Contudo, entendeu que, no caso específico, o Legislativo extrapolou ao suspender integralmente o decreto, quando apenas a parte referente ao “risco sacado” apresentava vício de legalidade.
A decisão de Moraes representa uma interpretação equilibrada do texto constitucional, reconhecendo tanto a prerrogativa do Executivo de modular alíquotas do IOF quanto os limites dessa prerrogativa quando se aproxima da criação de novos fatos geradores tributários. Ao mesmo tempo, a decisão reafirma o papel do Congresso como fiscal dos atos normativos do Executivo, mas estabelece limites para essa atuação fiscalizadora.
Juridicamente, a solução encontrada por Moraes dialoga com a jurisprudência do STF sobre a matéria e com a doutrina constitucional-tributária, que reconhece o IOF como exceção ao princípio da legalidade tributária estrita, mas não admite que essa exceção se estenda à criação de novas hipóteses de incidência. A decisão, embora monocrática, sinaliza como o plenário do Supremo poderá se posicionar sobre a questão quando a matéria for apreciada em definitivo.
Impactos econômicos e sociais: quem pagará a conta?
A questão central que emerge deste conflito institucional é: quem, afinal, arcará com o custo do aumento do IOF? As estimativas iniciais do governo federal apontavam para uma arrecadação adicional de R$ 12 bilhões em 2025 e impressionantes R$ 31,2 bilhões em 2026 com o aumento das alíquotas. Com a exclusão das operações de “risco sacado” pela decisão de Moraes, essa previsão sofre uma redução de aproximadamente R$ 450 milhões para 2025 e R$ 3,5 bilhões para 2026, representando uma diminuição de cerca de 11,4% na arrecadação originalmente prevista.
Do ponto de vista macroeconômico, o aumento do IOF produz um efeito cascata que vai muito além do impacto direto nas operações financeiras. Ao elevar o custo do crédito, a medida tende a desacelerar o consumo e reduzir investimentos, com potencial de frear o crescimento econômico em um momento em que o país busca consolidar sua recuperação pós-pandemia.
As empresas, especialmente pequenas e médias, serão diretamente afetadas pelo aumento dos custos financeiros, que poderá impactar sua capacidade de investimento e crescimento. Setores intensivos em capital e dependentes de operações de crédito frequentes sentirão o peso do aumento do IOF de forma mais aguda. Essa pressão nos custos operacionais tende a ser repassada, ainda que parcialmente, aos preços finais dos produtos e serviços.
Governo Federal
Obtém aumento de arrecadação para equilibrar contas públicas, mas enfrenta desgaste político com Congresso e setores econômicos.
Sistema Financeiro
Absorve parte do impacto, mas repassa maioria dos custos aos clientes via aumento de taxas e redução de oferta de crédito.
Empresas
Enfrentam aumento do custo de capital e operações financeiras, com pressão nas margens de lucro e possível redução de investimentos.
Consumidores
Arcam com o custo final através de produtos e serviços mais caros, juros mais altos e possível retração econômica com impacto no emprego.
O Congresso Nacional, por sua vez, mantém críticas à medida, acusando o governo de autoritarismo fiscal e desrespeito à soberania legislativa. Parlamentares da oposição argumentam que o aumento do IOF seria uma forma de o governo evitar a necessidade de implementar cortes de gastos mais profundos, transferindo o ônus do ajuste fiscal para a sociedade e o setor produtivo.
Analistas econômicos apontam que, embora o aumento do IOF contribua para o equilíbrio fiscal no curto prazo, uma solução mais sustentável exigiria reformas estruturais e cortes de gastos. A medida, nesse sentido, representaria mais um paliativo do que uma solução definitiva para o desafio fiscal brasileiro.
Ao final, quem efetivamente paga a conta do aumento do IOF é o cidadão brasileiro, seja diretamente ao realizar operações financeiras com alíquotas mais elevadas, seja indiretamente através do repasse desses custos na forma de preços mais altos, juros maiores e potencial redução da atividade econômica. O impacto negativo sobre o crescimento pode, inclusive, reduzir a arrecadação de outros tributos, criando um ciclo vicioso que compromete os próprios objetivos fiscais que motivaram a medida.
Essa disputa sobre o IOF, portanto, transcende o embate institucional entre poderes e toca diretamente na vida do brasileiro comum, revelando as complexas interações entre política, economia e direito na gestão das finanças públicas nacionais. A decisão de Moraes, embora tecnicamente fundamentada, não resolve o dilema fundamental: como equilibrar as contas públicas sem onerar excessivamente a população e sem comprometer a retomada do crescimento econômico sustentável.
*O texto é de livre pensamento do colunista*




