No mês do Dia Internacional da Mulher, o Jornal Merkato entrevista um perfil arrebatador de mulher que sabe o real significado de superação. Nascida em 1º de maio, em uma tribo indígena “Oriximiná”, no estado do Pará, sua história é trabalho e ação.
Aos cinco anos de idade foi acometida por uma enfermidade semelhante à paralisia infantil. É mãe da Ana Júlia, esposa, professora de educação física e agente em projetos sociais, além de ser determinada e ter muito amor ao próximo.
Confira a entrevista de uma heroína chamada Nancy Ibañez Garrido, que com lágrimas e sorrisos narrou sua linda trajetória de vida.
1 – Nancy, logo aos cinco anos de idade você passou pelo seu primeiro desafio, foi acometida por uma doença semelhante à paralisia infantil, conta essa história?
Aos cinco anos de idade minha mãe descobriu que eu estava com uma doença semelhante à paralisia infantil. Essa doença acometeu minha perna direita. Hoje eu seria uma pessoa adulta com o desenvolvimento de uma perna de uma criança de cinco anos de idade. Eu usei um aparelho que colocava gesso nas duas pernas. A época, o médico colocou um ferro entre as duas pernas… eu andava com esse aparelho que fazia muito barulho, porque era de gesso e ferro. Então o bullyng passou por mim e eu não aceitei.
Me chamavam de ‘menina de lata’, ‘lá vem a carroça’. Eu usei esse aparelho por dois anos e aos sete anos de idade eu tirei o aparelho. É uma história que eu gosto muito de relatar.
2 – Nessa época você começou a praticar esporte, mesmo usando um aparelho entre pernas, como foi isso?
Comecei a praticar o handebol. Quem me inseriu no esporte foi o professor Jarbinhas. Ele permitiu que treinasse handebol mesmo usando o aparelho. E eu entendia que precisava de me destacar, porque jamais eu seria escolhida, porque eu tinha um aparelho na perna. Quando aos 12 anos de idade eu tirei o aparelho, eu descobri que podia voar.
Participei de um campeonato de handebol na Ufes e ainda fui federada. Eu fiquei com o aparelho por dois anos e meio. Eu tive duas opções: colocar o aparelho na perna pra poder andar, onde eu nem podia tirá-lo pra nada, ou, a outra opção, que era colocar um gesso da cintura pra baixo e ficar deitado em uma cama. Depois desse tempo eu fui curada, Deus me abençoou.
Já na idade de 11 pra 12 anos eu jogava handebol, jogava capoeira, fazia natação, jogava vôlei. Eu sempre tive muito sucesso no esporte. Sempre fui muito ativa. Por isso minha mãe escolheu colocar o aparelho em mim ao invés de ficar em cima de uma cama.
3 – Como e por que você começou a se envolver com projetos sociais ajudando pessoas por meio do esporte?
Eu exerci por vocação. Eu sempre gostei muito de todos os esportes. Meu início foi como treinadora de handebol. Quando um pai de um aluno me chamou de professora eu disse que era treinadora, aí o pai me falou: “Então a partir de amanhã meu filho não pisa mais aqui”. Eu pensei: “Poxa, um projeto voluntário! Olha como fez bem para o filho dele!” Eu não levei como afronta. Eu decidi fazer uma faculdade de educação física, porque eu já trabalhava com projetos sociais de esportes.
Mas isso nunca foi algo pensado como um projeto. Uma vez o treinador precisou sair, me pediu pra treinar o time. Quando eu vi, tava praticamente à frente disso. Eu cheguei a ter cinco projetos. Montei um time chamado HandLaranjeiras, participamos de campeonatos e tive sucesso com parcerias de faculdades pra montar times de auto rendimento e também buscar bolsa de estudos para os atletas, conseguimos ganhar o campeonato estadual.
Nesse tempo montei um projeto de capoeira, antes de ser professora. Consegui incluir alguns autistas, esse é alguns dos motivos de ter escolhido a educação física e também por causa da fala daquele pai, né! Fui atrás do conhecimento. Comecei a trabalhar com idosos, com o vôlei adaptado e aulas de danças. Aprendi que o profissional de educação física é um camaleão, tem que se adaptar.
4 – Você também faz ações solidárias, além dos projetos sociais, de onde vem essa força?
Eu tenho as ações de recolher as garrafas pet pra transformar em brinquedos pras comunidades carentes. Também tenho o ‘Roupa no Cabide não Aquece’, iniciativa que recolhe roupas de frio e agasalhos. Há também a ação “Mochila Solidária”, outras ações que envolvem mães de autistas, ações só com mulheres pra dar um acompanhamento de atendimento ao psicólogo; atuo com vôlei só pra mulheres com o time “Mulheres de Areia” e faço muitos trabalhos sociais e recreativos com minha igreja.
Nesse trajeto de vida eu fui mais afinco em projetos sociais, ainda mais porque eu perdi um sobrinho, que se envolveu no mundo das drogas. Eu tenho muitos relatos de meninos que falaram que se não tivessem entrado em alguns dos meus projetos, hoje, estariam no “movimento”. Então eu penso que tudo é questão de propósito.
5 – Como você define o 8 de março?
É um posicionamento que nós mulheres temos que ter. Hoje tá até legal ser mulher, né! Como assim tá legal ser mulher? A gente briga muito mais pelos nossos direitos. Antigamente, mulher não podia. Mulher não tinha palavra. A mulher não dava muito a sua opinião. Nós não somos o sexo frágil. Deus nos fez pra gerar filhos, né! Acho que a mulher tem que ter posicionamento e ser coerente com suas ações. Tem uma frase que eu gosto: “A gente só não dominou o mundo porque estávamos esperando o esmalte secar”.
6 – Em sua opinião o que as mulheres precisam de aprender para realizarem seus projetos?
Talvez nós precisássemos de bater mais na mesa e se posicionar. Eu acho que a luta, principalmente, é contra nós mesmos, por a gente achar que não é capaz; porque você escutou lá atrás, de repente, de um pai, ou, de uma mãe, de um parente, de um relacionamento, aquela palavra de que você não é capaz. Tá faltando a mulher se posicionar.
Você ficar dentro de casa ou escolher ir. Sair e ver as coisas lá fora. Temos dias de luta e de glória. Temos que parar de sentirmos coitadinhas. Quando temos um coração livre, tá tudo certo. Onde eu piso penso em fazer a diferença.
7 – O lugar da mulher é onde ela quiser. Você sempre foi uma mulher que soube do seu lugar?
Quando você é uma criança com cinco anos de idade andando da maneira que eu andava, por causa do aparelho, cresci sabendo que tinha que me defender desde cedo. Na hora do recreio as crianças saiam correndo e minha mãe falava pra mim: “Você sabe o que você tem que fazer quando aquelas crianças saírem correndo, né?” Eu ficava rente a parede, pra não ser carregada. Eu precisava de me defender daquilo que nem eu nem sabia direito.
O tempo passou, me tornei uma adolescente e comecei a trabalhar aos 13 anos. Aos 17, trabalhei em uma loja de calçados. Juntei um dinheiro pra comprar um carro.
Quando fui comprar o carro a vendedora me disse que eu não podia comprá-lo porque eu era menor de idade. Fiz uma escolha de não fazer minha faculdade pra assistir a minha mãe, que fazia quimioterapia. Ela teve câncer. Eu comprei o carro, coloquei na mão de um amigo pra que minha mãe não pegasse ônibus. Enquanto minha mãe se tratava, meu pai veio a falecer em um acidente de trabalho. Ele morreu com 94% do corpo queimado. A pergunta é: “Como você fala pra sua mãe, que tá fazendo um tratamento de quimioterapia, e infelizmente, não está indo muito bem, e que agora estamos sozinhos sem um pai?”. Mais uma vez eu tive que me sacudir. Mas Deus foi tão bom pra mim que que minha filha chegou em meus braços pra Deus recolher a minha mãe.
Então… no auge dos problemas, do grande sofrimento, não tínhamos parentes no Brasil, aí Deus me deu um presente: minha filha, a Ana Júlia. Eu tenho certeza do que eu vou falar: “Mulheres, se posicionem e acreditem em você. Lugar de mulher é onde ela está feliz”.