Coluna Letrados
Por: Eleandro da Silva – Professor de Educação Física/Contramestre de Capoeira
Nos próximos dias 14 a 16 de novembro, estarei de mala pronta, levando o axé do Espírito Santo para Buenos Aires, na Argentina. O objetivo é nobre: participar do Encontro Educativo de Capoeira Beribazu, um evento de profunda importância para nossa arte, que incluirá aulas, palestras e as aguardadas graduações de Contramestres.
Minha presença lá, no entanto, não é um fato isolado. Ela é o resultado direto de uma ferramenta poderosa de transformação social e cultural: o Edital de Circulação e Intercâmbio, da Secretaria da Cultura do Espírito Santo (SECULT). E, é sobre isso que sinto a necessidade de falar.
Por décadas, a capoeira, essa expressão que é ao mesmo tempo luta, dança, arte e filosofia, trilhou um caminho árduo. Nascida da resistência, ela foi por muito tempo relegada às páginas policiais, criminalizada pelo Código Penal de 1890. Nossos mestres mais antigos não tiveram o luxo de buscar “apoio cultural”; eles buscavam sobreviver e manter a chama acesa na clandestinidade.
O reconhecimento da Roda de Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan, em 2008, e posteriormente pela UNESCO, foi uma virada de chave. Mas o reconhecimento simbólico precisa de lastro material. E, é aqui que entram os editais.
Os editais públicos de fomento à cultura são, em essência, o mecanismo mais democrático e transparente de aplicar o que a Constituição de 1988 nos prometeu: o pleno exercício dos direitos culturais. Eles representam uma reparação histórica. O Estado, que um dia nos perseguiu, hoje reconhece nosso valor e financia nossa expansão.
O Edital de Circulação e Intercâmbio da SECULT-ES, que viabiliza minha viagem, é um exemplo brilhante dessa política. Ele não é um programa novo ou isolado; é uma ação contínua, parte do Funcultura (Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo), desenhada especificamente para promover a mobilidade de artistas, pesquisadores e, no nosso caso, mestres e contramestres capixabas. Sua relevância é imensa, pois ele entende que a cultura não é estática; ela precisa circular para se manter viva.
Eu destaco três benefícios imediatos que essa política pública nos traz: quebra de barreiras geográficas e intercâmbio de saberes, profissionalização e legitimidade, salvaguarda e disseminação
Para acessar um edital, o agente cultural precisa se organizar. É preciso ter um projeto claro, metas, prestação de contas. Isso nos força a um nível de profissionalização que valoriza nosso trabalho. Deixamos de ser vistos apenas como “praticantes” e somos reconhecidos formalmente como “fazedores de cultura”, com um trabalho sério que merece investimento público.
Eu falo com o orgulho de pertencer ao Grupo de Capoeira Beribazu, uma instituição que há mais de 50 anos atua como um verdadeiro pilar da cultura capixaba. O Beribazu sempre entendeu sua missão de ir além da roda. Somos, por definição, fazedores de cultura.
Mais do que isso, o grupo pratica o que prega, incluindo seus contramestres e mestres em oportunidades de crescimento. A minha ida à Argentina é a prova de que o Beribazu não centraliza o conhecimento; ele o distribui, investe em seus membros e usa ferramentas como o edital da SECULT para ampliar o alcance de nossa missão coletiva.
Portanto, quando celebramos essa viagem, não estamos comemorando apenas um evento. Estamos celebrando um modelo de política pública que funciona. Estamos celebrando a capoeira ocupando o lugar que sempre foi seu por direito: o de protagonista da cultura brasileira.
Viva às políticas públicas culturais capixabas!





