Coluna Letrados
Por: Giovandre Silvatece – Roteirista
Olá, leitor(a) da coluna Letrados! Desde 20 de novembro, data em que se celebrou “O Dia da Consciência Negra” no Brasil, está acontecendo em Vitória a I Mostra Cine Luso Brasil, com a exibição de filmes e debates tendo como tema “Lusofonia – Diásporas e Identidades”, evento que celebra os 50 anos de independência dos países africanos de língua portuguesa.
Após cinco edições realizadas na Bélgica, que é o país de residência da organizadora do evento, a capixaba Aline Yasmin, a mostra tem como objetivo o uso do audiovisual como ferramenta de questionamento histórico e “descolonização do pensamento”, realizando debates acerca das temáticas desenvolvidas nos filmes.
Em meio à programação de sábado, pude assistir no Cine Metrópolis ao documentário “Batida de Lisboa” (2019). O filme, dirigido por Rita Maia e Vasco Viana, coaduna com a essência da Mostra, pois trata das dificuldades de reconhecimento da cultura africana em Portugal, em contraposição ao que ocorre em países próximos, restringindo o alcance da música africana naquele país.
A programação seguinte consistiu na apresentação de dança do Grupo LUA (Liga dos Universitários Africanos) e DJ Ndjungu, que veio como um arremate ao filme, ambos repletos de música e dança africanas.
A cultura africana nos subúrbios de Lisboa
O filme “Batida de Lisboa”, dirigido por Rita Maia e Vasco Viana, passeia por bairros como Quinta do Mocho, Bairro 6 de Maio, Quinta da Lage, Bairro da Jamaica, Queluz e outros locais que acolhem comunidades de origem africana, mostrando a vida de uma série de músicos e produtores musicais de diferentes gerações que lutam pela sua identidade cultural.
Os artistas ligados à música, provenientes de países que até meio século atrás configuravam-se como colônias de Portugal, como Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, entre conversas e desabafos apresentam as dificuldades de se tornar um imigrante legal, bem como acusam a existência de barreiras que dificultam a popularização da música africana em Portugal, o que não ocorre em outros países da Europa, como França e Bélgica, onde há uma forte difusão da cultura africana.
Nesse ínterim, vale registrar que na França há tempos a música africana vem se integrando ao seu cenário musical, como no caso do camaronês Manu Dibando, que chegou a fazer sucesso mundial com a sua música “Soul Makossa” no início da década de 1970, mas que desde a década de 1940 já vinha se apresentando nas noites de Paris, abrindo caminho para diversos músicos africanos que viriam.
No que se refere a Portugal, as barreiras mencionadas no filme aparentam estar relacionadas a um certo preconceito à música oriunda da África, ao fato de o mercado português não ser tão vultoso e à falta de apoio de instituições culturais e programas de rádios, desse modo os gêneros musicais africanos acabam obtendo sucesso apenas em nichos específicos e em comunidades de imigrantes, raramente atingindo a maior parte do público consumidor.
Ainda que o filme mostre bairros da periferia de forma corriqueira, o enfoque está na cultura africana (música e dança) e naqueles que a promovem, mas nunca deixando de evidenciar os problemas sociais e estruturais que afetam os subúrbios. Contudo, percebe-se haver uma notória preferência de sua população pelo lugar onde se encontra estabelecida, como no momento do filme em que um músico relata que gosta de visitar Lisboa, mas que não gostaria de morar nela.
A música africana de Lisboa
Apesar de todos os entraves socioeconômicos e migratórios enfrentados pelos imigrantes africanos que residem nos subúrbios, tais espaços são regados a ginga e boa música. Em diversos momentos o filme exibe o frenesi de uma comunidade unida e vívida, embalada de músicas enraizadas no continente africano.
Na realidade, os jovens produtores e DJs criaram um estilo musical eletrônico próprio, tendo como base o Kuduru, com batidas eletrônicas rápidas e percussão africana pesada, e a Tarraxinha, estilo mais lento e sensual e que teve origem no Semba, estilo musical que também deu origem ao Samba Brasileiro, sendo todos os estilos mencionados originários de Angola, até chegarmos ao estilo explícito no título do filme: a Batida, que é a fusão do Kuduru e da Tarraxinha com a música eletrônica, tocada na pista de dança. Essa é a música que define a identidade sonora da “Afro-Lisboa”, daí a sua impressionante importância cultural.
A dança africana em Portugal
As danças africanas associam-se aos estilos musicais, como a dança do Kuduru (movimentos rápidos) e a dança da Tarrachinha (dança de pares, com movimentos sensuais). Ambas as danças sofreram uma certa comercialização, sendo ensinadas em academias e apresentadas em festivais, perdendo parte da sua espontaneidade e contexto social original.
O filme realça a importância dessas danças como expressão cultural e de identidade das comunidades africanas diaspóricas em Portugal, exibindo danças em festas, clubes e espaços urbanos.
Nesse sentido, salutar a inclusão da apresentação de dança do grupo L.U.A pelos organizadores da Mostra, intercalando-a após a exibição do filme, assim o público teve a oportunidade de ver de perto a dança africana e em tempo real.
O desejo de uma maior visibilidade e reconhecimento da cultura africana em Portugal não implica numa disputa onde se busca fazer prevalecer os próprios andamentos e ritmos musicais em detrimento aos demais, mas sim à integração da cultura dos imigrantes no panorama cultural e social do país, colaborando para a formação de uma identidade lusa diversificada, a par de sua trajetória e de suas raízes.
*O texto é de livre pensamento do colunista*




