A desarmonia entre os Três Poderes no Brasil

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Coluna Polítikus
Por: Samuel J. Messias – Consultor empresarial

A crise institucional contemporânea

A democracia brasileira enfrenta uma das crises institucionais mais graves desde a redemocratização, caracterizada por uma escalada sem precedentes dos conflitos entre os Três Poderes da República. Esta desarmonia não representa apenas divergências políticas normais, mas sim um padrão sistemático de confronto institucional que ameaça a estabilidade democrática e compromete a capacidade do Estado brasileiro de responder aos desafios nacionais.

O ano de 2025 tem sido particularmente emblemático dessa deterioração institucional, com episódios que revelam a profundidade da crise. O caso mais ilustrativo foi a disputa em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), em julho de 2025, quando o governo federal, após ter seu decreto derrubado pelo Congresso Nacional, recorreu ao Supremo Tribunal Federal através de uma Ação Direta de Constitucionalidade. Este episódio exemplifica a judicialização sistemática da política brasileira, onde o Executivo recorre ao Judiciário sempre que é derrotado no Legislativo, substituindo a negociação política pela imposição judicial.

Como observou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, em declarações de maio de 2025, “a Constituição brasileira trouxe para o direito uma imensa quantidade de matérias que nos outros países são deixadas para a política. É por isso que dizem que o Supremo se mete em tudo”. Esta constatação revela uma das causas estruturais da crise: a amplitude excessiva da Constituição de 1988, que incorporou ao texto constitucional matérias que em outras democracias são tradicionalmente deixadas para a esfera política.

A magnitude do problema pode ser dimensionada pelos seus impactos concretos. O Brasil ocupa atualmente a 57ª posição no Índice de Democracia 2024, situando-se no grupo das “democracias com falhas” e tendo recuado seis posições em relação ao ano anterior. Os indicadores de “funcionamento do governo” e “cultura política” foram os que apresentaram pior desempenho, refletindo diretamente os problemas decorrentes dos conflitos entre os poderes.

Causas estruturais e contexto histórico

A análise dos conflitos atuais revela cinco causas estruturais principais que explicam a intensidade e persistência da crise institucional brasileira. A primeira causa é o desenho constitucional abrangente de 1988, que diferentemente de constituições mais enxutas como a americana, trata de temas que vão desde a organização do Estado até regras detalhadas sobre educação, saúde, previdência, tributos, meio ambiente e economia. Esta amplitude constitucional significa que praticamente todas as grandes questões políticas acabam sendo submetidas ao crivo do Poder Judiciário.

A segunda causa é a crise de governabilidade do Poder Executivo, que tem encontrado crescentes dificuldades para construir maiorias estáveis no Congresso Nacional. O sistema presidencialista brasileiro, combinado com um Legislativo altamente fragmentado devido ao sistema proporcional de lista aberta, cria uma dinâmica em que os presidentes oscilam entre formar coalizões amplas através da distribuição de cargos ou recorrer sistematicamente ao Poder Judiciário quando as negociações políticas falham.

A terceira causa é a polarização política extrema que tem contaminado todas as instituições do Estado desde as eleições de 2014. Esta polarização não se limita às disputas eleitorais, mas permeia o funcionamento cotidiano das instituições, transformando divergências políticas normais em conflitos existenciais entre campos ideológicos irreconciliáveis. Como resultado, reduzem-se os incentivos para cooperação entre os poderes e aumenta a tentação de usar as instituições estatais como armas na luta política.

A quarta causa é o ativismo judicial crescente, que tem levado o Supremo Tribunal Federal a assumir um papel proeminente em decisões sobre políticas sociais e interpretação de direitos fundamentais que tradicionalmente seriam prerrogativa dos poderes eleitos. Embora este ativismo possa ser justificado em determinadas circunstâncias para proteger direitos fundamentais, ele tem gerado reações dos demais poderes que agravam os conflitos institucionais.

A quinta causa é a fragilidade da cultura institucional brasileira, que não desenvolveu adequadamente normas informais de cooperação e respeito mútuo entre os poderes. Esta fragilidade cultural torna o sistema político brasileiro particularmente vulnerável a crises e conflitos, dificultando a resolução pacífica de divergências através de mecanismos democráticos tradicionais.

Casos específicos e manifestações da crise

Os conflitos entre os poderes têm se manifestado através de diversos episódios concretos que ilustram a gravidade da situação. Além da crise do IOF, outros casos revelam padrões preocupantes de confronto institucional.

A explosão na Praça dos Três Poderes em novembro de 2024, embora perpetrada por um indivíduo isolado, funcionou como um símbolo poderoso da fragilidade do ambiente institucional brasileiro. O episódio ecoou de forma perturbadora os eventos de 8 de janeiro de 2023, evidenciando como a retórica extremista e os discursos de ódio podem ter consequências reais e perigosas, criando um ambiente propício à radicalização política.

O caso do deputado Alexandre Ramagem ilustra as tensões específicas entre Legislativo e Judiciário. Em 2025, a Câmara dos Deputados aprovou a Resolução nº 18, suspendendo parcialmente a ação penal contra o deputado acusado de envolvimento na tentativa de golpe de Estado. A medida, aprovada por 315 votos a 143, foi amplamente criticada como uma afronta ao STF e uma forma de obstrução da Justiça, demonstrando como o Legislativo tem buscado limitar a atuação do Judiciário em investigações sensíveis.

As tensões com autoridades americanas em fevereiro de 2025 revelaram como os conflitos internos podem ter repercussões internacionais, afetando a credibilidade do Brasil no cenário global e complicando suas relações diplomáticas. Este episódio demonstra que a instabilidade institucional interna pode comprometer a capacidade do país de exercer liderança regional e global.

A judicialização da saúde oferece outro exemplo paradigmático dos problemas atuais. O julgamento pelo STF do Tema 1234, que estabeleceu que medicamentos não incorporados ao SUS não podem ser concedidos judicialmente, ilustra como o Judiciário tem sido chamado a decidir sobre políticas públicas fundamentais. Em 2024, foram registradas 600 mil novas ações judiciais apenas na área da saúde, demonstrando a magnitude da “epidemia de judicialização” caracterizada pelo ministro Barroso.

A deterioração das relações entre o governo e o presidente da Câmara, Hugo Motta, após a crise do IOF, exemplifica como os conflitos podem gerar efeitos em cascata. Motta passou a evitar contato com líderes governistas, e a paralisia decisória resultante pode ser medida pelo fato de que apenas 15% das Medidas Provisórias nesta legislatura foram convertidas em lei.

Impactos econômicos, sociais e perspectivas futuras

Os conflitos entre os poderes têm gerado impactos que transcendem a esfera política, afetando diretamente a economia e a sociedade brasileira. Do ponto de vista econômico, a instabilidade institucional trava o ambiente de negócios e afasta investimentos, como observado pelo próprio ministro Barroso. A insegurança jurídica gerada pela possibilidade de que qualquer decisão política seja questionada judicialmente cria um ambiente de imprevisibilidade que desestimula o empreendedorismo e a inovação.

Os custos fiscais diretos são significativos. Em 2024, a União pagou R$ 70 bilhões em precatórios, uma conta que “vem subindo” ano após ano segundo Barroso. Este montante representa recursos que poderiam ser aplicados em políticas públicas prioritárias, mas que são direcionados para o pagamento de decisões judiciais, muitas vezes sem consideração adequada da capacidade fiscal do Estado.

A comparação internacional revela a gravidade da situação brasileira. Enquanto o PIB per capita brasileiro é de aproximadamente US$ 10.000, o americano é de US$ 65.000 – uma diferença de sete vezes. O comprometimento do orçamento brasileiro com despesas obrigatórias (92%) é significativamente maior que o americano (70%), reduzindo drasticamente a capacidade de investimento em infraestrutura e políticas de desenvolvimento.

A baixa produtividade brasileira e a falta de investimentos em ciência e tecnologia, problemas estruturais da economia nacional, são agravados pela incerteza institucional. Como ilustrou Barroso com um exemplo cotidiano, “é um inferno comprar um remédio no Brasil. Leva 15 minutos, precisa dar CPF duas vezes, tem 5 pessoas envolvidas no atendimento”, demonstrando como a burocracia excessiva e a falta de coordenação entre órgãos públicos afetam a eficiência econômica.

Do ponto de vista social, a erosão da confiança nas instituições democráticas tem efeitos em cascata sobre toda a sociedade. A deterioração dos indicadores democráticos brasileiros reflete não apenas problemas técnicos de governança, mas uma crise mais profunda de legitimidade do sistema político que pode ter consequências duradouras para a estabilidade social.

A superação desta crise requer reformas estruturais em múltiplos níveis. No âmbito constitucional e legal, recomenda-se uma revisão cuidadosa da Constituição de 1988 para reduzir sua amplitude e transferir para a legislação ordinária matérias que não precisam ter status constitucional. A limitação do acesso de partidos políticos ao STF poderia reduzir significativamente a judicialização de questões puramente políticas. O estabelecimento de mandatos para ministros do STF, em substituição ao atual sistema vitalício, poderia reduzir a tentação de ativismo judicial.

No âmbito institucional, é fundamental fortalecer os mecanismos de diálogo e cooperação entre os poderes, promover uma cultura de autocomposição e resolução consensual de conflitos, e aprimorar a capacidade técnica dos poderes políticos para lidar com questões complexas. No âmbito cultural, deve-se promover uma cultura política que valorize o diálogo e a colaboração, investir em educação cívica e fortalecer a imprensa livre como mecanismo de accountability democrático.

“se erradicarmos a pobreza, investirmos em ciência e elevarmos o padrão da ética pública, podemos ser a sensação do mundo”. A realização deste potencial depende fundamentalmente da capacidade do país de superar os conflitos institucionais que têm paralisado sua política e comprometido seu desenvolvimento. A experiência brasileira oferece lições importantes para outras democracias que enfrentam desafios similares, e o futuro da democracia brasileira depende das escolhas que serão feitas pelos atores políticos e pela sociedade civil nos próximos anos.

*O texto é de livre pensamento do colunista*


Samuel J. Messias – *Reside em Vitória/ES *Consultor Empresarial *MBA em Estratégia Empresarial *Bacharel em Ciências Contábeis *Me. em Educação ( Florida University- USA). (Foto: Divulgação)

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