Cultura, política e transformação social: o perfil de Mestre Bendengó

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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista

A equipe do Merkato esteve presente na grande festa da Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO), um dos grupos de capoeira mais tradicionais da Bahia, o qual celebrou sua Bodas de Esmeralda, marcando 40 anos de trajetória com o evento “Berimbau Tocou”, realizado entre 3 e 7 de setembro, em Santo Amaro da Purificação (BA).

Continuando nossa série especial sobre as quatro décadas da ACARBO, hoje vamos conhecer a história de Antônio Carlos das Neves, 55 anos. Um homem cuja identidade se funde com a própria história da capoeira em Santo Amaro, na Bahia. Mais conhecido pelo nome que a ginga lhe deu, Mestre Bendengó, ele carrega no apelido o peso e o valor de uma “pedra preciosa” – nome inspirado no famoso meteorito do Bendegó. Com mais de 40 anos dedicados à arte, ele não é apenas um guardião da tradição do bem imaterial, mas uma liderança inquieta que luta para que a capoeira ocupe os espaços de poder que lhe são de direito.

Nesta entrevista, concedida durante as comemorações de 40 anos da Escola de Capoeira ACARBO, Mestre Bendengó falou sobre seu legado na capoeira, a importância da representatividade política, seu trabalho como empreendedor social e sua visão para o futuro. Sua fala, firme e consciente, revela um homem que usa a capoeira não apenas como esporte ou cultura, mas como uma poderosa ferramenta de transformação e cidadania.

Leia! Se inspire!

1 – Mestre, seu nome de batismo é Antônio Carlos, mas na roda de capoeira o senhor é Bendengó. Qual é a origem desse apelido?

Na juventude, eu precisava trabalhar e fui para uma revendedora de café. Eu já treinava capoeira e meu mestre, Mestre Macaco, disse que eu era muito precioso. Bendengó é o nome da pedra preciosa, o meteorito. O apelido veio dessa percepção dele sobre o meu valor.

2 – O senhor celebra mais de 40 anos de dedicação à capoeira, um marco que coincide com as “Bodas de Esmeralda” da ACARBO. O que há de mais precioso nessa jornada de quatro décadas?

O que há de precioso é a vida. Se estou vivo hoje, agradeço à capoeira. Agradeço ao meu Mestre Macaco e à escola ACARBO. A longevidade do nosso grupo se deve ao legado que ele construiu, um legado que contou com o suporte de pessoas como eu, Mestre Lampião, Mestre Admilto e tantos outros. Mestre Macaco é um líder cultural de grande sabedoria que perseverou, e o resultado está aí: 40 anos de história.

3 – O que significa, para o senhor, ter a honra de graduar um novo mestre de capoeira, como fez recentemente ao entregar o cordel branco para o Me. Leno?

Sinto-me honrado. É a prova de que o trabalho que venho fazendo ao longo do tempo está correto. Quando você chega ao nível de graduar um aluno do seu próprio mestre, é a maior prova de honra e reconhecimento que pode existir. Mostra que o legado está vivo e passando adiante.

4 – Agora vamos pautar o assunto da capoeira na política. O senhor tem uma fala muito forte sobre a necessidade de a capoeira ocupar espaços de poder. Mencionou a importância de ter representantes no Senado e na Câmara de Vereadores. Por que essa representação política é tão crucial e, ao mesmo tempo, tão difícil de alcançar?

Porque o poder público até dialoga conosco, mas não nos dá o que é de direito. E não nos dá porque não temos, lá, alguém que defenda nossos projetos. Eu mesmo fui candidato a vereador em Santo Amaro por três campanhas consecutivas. Usei o palanque para falar de capoeira, de cultura, da nossa história. Mas o próprio povo da cultura, o povo da capoeira, não entendeu a importância de eleger um dos seus. Eles erram, mas nós também somos culpados pelos nossos problemas. Apresentar um político para praticar políticas públicas não deveria ser nosso dever, pois nós já praticamos políticas públicas todos os dias. A dificuldade não é falta de união; é falta de usar a inteligência para entender que precisamos votar em quem é do nosso meio, em quem vamos poder cobrar.

5 – Apesar dos desafios políticos, o senhor conseguiu articular conquistas importantes, como a cessão do espaço para a Escola de Capoeira ACARBO. Como essa articulação aconteceu?

Exatamente por ter sido candidato, eu ganhei acesso ao prefeito. Fui eu quem abriu essa discussão. Recentemente, o prefeito anunciou na Câmara de Vereadores que Mestre Macaco receberá o título do espaço que ele ocupa. Isso mostra que, mesmo sem o mandato, a luta política abre portas. Levamos um evento para dentro da Câmara, um espaço de poder. A capoeira chegou lá, mas ainda não temos um vereador nosso. Por quê? É uma questão que precisa ser refletida.

6 – Além da luta política, o senhor desenvolve um importante trabalho social. Fale um pouco sobre o projeto “Cultura e Educação é a Solução”.

Nós temos um trabalho sociocultural na Ilha do Dendê e no Trapiche de Baixo. O projeto se chama “Cultura e Educação é a Solução”. Lá, ensinamos capoeira, maculelê, samba de roda e oferecemos reforço escolar. Também promovemos oficinas de artesanato, como o fuxico, e tentamos trazer noções de outras culturas, como a língua iorubá. Eu tenho a felicidade de dizer que, com a capoeira, consegui entrar em lugares onde nem a polícia entra, mostrando um caminho diferente para muitos jovens. Cultura e educação são, de fato, a solução.

7 – O senhor se define como empreendedor social, mas também é empresário, dono de uma padaria, e atualmente ocupa o cargo de Coordenador de Cultura na Prefeitura de Santo Amaro. Como concilia essas diferentes funções?

Uma coisa alimenta a outra. Sou um empreendedor social e um profissional da cultura. A Prefeitura me contratou como Coordenador de Cultura, e sou remunerado por isso. A padaria surgiu do desejo de oferecer formação profissional de padeiro para os jovens. O meu trabalho é gerar oportunidades através da cultura e da educação. E posso afirmar que, em Santo Amaro, ninguém viveu melhor financeiramente praticando capoeira do que eu.

8 – A ACARBO chega aos 40 anos. Olhando para o futuro, o que o senhor vislumbra para a comemoração dos 50 anos? Qual conquista gostaria de celebrar?

Meu maior desejo é que a ACARBO se torne autônoma, dona do seu próprio nariz, para que não precise mais depender de apoio político para organizar seus eventos. Que possamos continuar o trabalho do Mestre Macaco, ajudando na construção do caráter e da personalidade de jovens, adultos e idosos. Que esses 40 anos se transformem em 200. Saúde é uma construção, felicidade é uma construção, e autonomia também é. É essa autonomia que eu desejo para a ACARBO.

9 – Muitos apontam Salvador como o grande centro da capoeira. O senhor, no entanto, afirma que Santo Amaro é a “capital mundial da capoeira”. O que os torna tão especiais?

Eu tenho certeza disso. Pelo perfil do nosso trabalho, pelos fundamentos que preservamos. O que se vive aqui é um sentimento diferente. A capoeira de Santo Amaro é para quem quer jogar capoeira de verdade, com fundamento, com alegria, com respeito. Não se trata de dizer que somos melhores, mas de convidar o mundo a ser humilde e vir beber na nossa fonte, conhecer o que fazemos aqui.

10 – Mestre Bendengó, muito obrigado por ceder essa entrevista ao Merkato. Sua palavra final.

Gente da minha gente, povo do meu povo, cor da minha cor. A cultura é história de um povo e um povo sem história não existe.

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