Coluna Letrados
Por: Giovandre Silvatece – Roteirista
Olá, leitor(a) da coluna Letrados! Nesta última sexta feira foi exibido o filme “Paraíso de Cada Um” no Cine Jardins, localizado em Jardim da Penha. O filme, do gênero fantasia, baseou se no roteiro original que escrevi em meio à pandemia e foi produzido pela Utopia Filmes, produtora capixaba comandada por jovens amantes do cinema mas que já possui um número razoável de filmes produzidos, como “Amantes da Dissonância” (2022) e “Silencioso Desespero” (2023), ambos dirigidos pelo diretor e produtor capixaba Enzo Rodrigues, que, assim como a produtora, possui um portfólio significativo de filmes realizados.
Os recursos para a realização do filme originaram da Lei Paulo Gustavo, tendo sido obtidos através de edital promovido pela prefeitura da Serra após concorrermos com diversos outros projetos. Em que pese a nossa satisfação de termos sido contemplados, os recursos não foram suficientes para a realização do filme em conformidade com o roteiro original, que se tratava de um longa metragem, dessa forma, a direção precisou adaptar o filme para o formato de um média metragem. Ainda assim o filme conseguiu manter a ideia original de quando elaborei o roteiro.
O caminho para a realização de um filme é longo. Na prática, tudo tem início quando decidimos participar do edital. A partir de então, segue um trabalho burocrático que é atender às exigências do edital. Um desses trabalhos consiste em realizar a decupagem do filme, processo em que o diretor divide o roteiro em planos e sequências, detalhando como cada cena será filmada.
Contudo, a participação do roteirista antecede à própria decisão de se procurar levar a história às telas, ainda que essa tenha sido sempre a sua intenção, o seu sonho.
Quando surge a ideia
Conforme descrito no site da Tertúlia Narrativa, um roteiro se inicia de uma faísca, uma ideia, um fato, um evento, um personagem, que provoca o escritor. E pode ocorrer em qualquer momento e lugar.
No caso de “Paraíso de Cada Um”, a ideia veio de uma das minhas predileções por histórias e filmes que retratam grandes espaços onde vivem poucas pessoas, como dois peregrinos em meio ao deserto. Embora eu não tenha me inspirado especificamente em algum filme, o filme “Viveiro” (Vivarium, 2019) é um exemplo clássico que evidencia uma situação de confinamento forçado em um espaço considerável (apenas três pessoas vivendo em um condomínio de casas vazias), como também ocorre em “Paraíso de Cada Um”, em que a protagonista Laura e a sua mãe encontram–se sozinhas em um sítio que conspira para a manutenção do isolamento do lugar.
Encontro entre o imaginário e a realidade
Em se tratando de filmes do gênero fantasia (e terror), a partir do momento em que criamos um lugar mítico, nos distanciamos da realidade em que vivemos, e não há nenhum problema nisso! É algo característico do próprio gênero. No entanto, sob o meu ponto de vista, entendo que deve haver uma proximidade maior do público com a história, com as personagens.
Nesse sentido, após a decisão de inserirmos o fantástico e seus elementos na história, resta tratar de situações que se comunicam com esses elementos, que podem advir de uma carga dramática comum a muitos de nós (suscitando a nossa identificação com a personagem), como a necessidade de “fugir” do estresse da correria do cotidiano, objetivo inicial da protagonista de “Paraíso de Cada Um”, cujo objetivo a leva ao sobrenatural, ou mesmo da necessidade de se estar empregado, como no caso do filme “O Iluminado” (The Shining, 1980), levando o protagonista se isolar com a família para cuidar de um hotel enigmático e temporariamente sem hóspedes.
A balada de um roteiro
Após passarmos um bom tempo debruçados no computador escrevendo o roteiro, é claro que a sua finalização nos traz um momento de alívio e relaxamento, uma sensação de dever cumprido. Mas sabemos que cada vez que nós, roteiristas, lemos o roteiro, e não são poucas as vezes, é comum realizarmos algumas alterações. Quando pedimos para que pessoas próximas leem o nosso roteiro, é comum atendermos a algumas de suas sugestões, alterando, novamente, o roteiro.
Ao decidirmos participar de um concurso ou festival, é provável que tenhamos que adaptar o roteiro para atender aos critérios do edital, portanto, novas alterações são efetuadas. Após sermos contemplados, percebemos que os recursos disponíveis para a realização do filme não serão suficientes para realizarmos todas as cenas descritas no roteiro, outra vez alteramos o roteiro.
De posse do roteiro adaptado, já um tanto diferente do original, os diretores decidem incluir algumas cenas novas, assim, o roteiro é novamente alterado. Finalmente, o roteiro não é mais alterado, mas podem haver mudanças no decorrer das filmagens que não implicam necessariamente na alteração da forma escrita do roteiro.
Do conflito ao êxtase
No caso de “Paraíso de Cada Um”, com tantas alterações do roteiro ocorrendo, houve um temor, por minha parte, de que a história original pudesse ficar relativamente desconfigurada, o que gerou uma certa frustração, mas quando assisti ao filme e vi o resultado do belo trabalho realizado pelo pessoal da produção e a ótima performance de todo o elenco, além de constatar que a ideia original foi preservada, tudo ficou bem.
Todavia, o ápice de tudo isso ocorre quando nos encontramos novamente para assistirmos o fruto de nosso trabalho sendo apresentado na tela juntos com os nossos amigos e parentes, e eles nem imaginam o quanto nos incentivam a continuar produzindo com as suas valiosas presenças.
*O texto é de livre pensamento do colunista*




