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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista
No coração das políticas públicas que buscam transformar a realidade social do município de João Neiva, encontramos Magna Mota. Atuando como Coordenadora de Políticas Públicas Para Mulheres, dentro da Gerência de Políticas Públicas de Direitos Humanos da Prefeitura Municipal de João Neiva, ela está na linha de frente da articulação e execução de projetos que visam não apenas proteger, mas empoderar as populações mais vulnerabilizadas. Com uma visão que integra as lutas femininas, o combate ao racismo e a defesa da comunidade LGBTQIA+, Magna Mota tem sido uma peça-chave na construção de um município mais justo e inclusivo.
Mais do que uma coordenadora, Magna Mota se revela, ao longo desta conversa, uma articuladora convicta do poder da educação e da ação local. A entrevista traça um perfil do trabalho visionário que a Gerência de Direitos Humanos de João Neiva, sob sua coordenação na pauta feminina, implementa ao longo de 2025. O diálogo permeia desde a capilaridade de ações como o “Kit Mulher Viva +”, que leva informação a comunidades distantes, até a adaptação local de campanhas nacionais como a “Não é Não”, transformando slogans em práticas de respeito em ambientes tradicionalmente masculinos
Como as políticas públicas podem, na prática, transformar uma cidade? De que forma a luta contra o machismo, o racismo e a LGBTfobia se conectam no dia a dia do serviço público?
Convidamos você a mergulhar nesta entrevista profunda e inspiradora, que não apenas detalha as ações realizadas em João Neiva, mas também aponta caminhos para a construção de uma sociedade verdadeiramente equitativa. Confira a entrevista completa a seguir.
1 – Magna, ao analisarmos as ações de 2025, percebemos um foco estratégico em campanhas de conscientização e na mobilidade da equipe com o “Kit Mulher Viva +”. Para além dos números, qual a principal mudança de percepção que você observa nas mulheres das comunidades mais afastadas e nas alunas das escolas após essas rodas de conversa? Elas se sentem mais seguras para denunciar ou mais conscientes de seus direitos?
O “Kit Mulher Viva +” é uma ação do governo estadual para incentivar a criação de OPM (Organismos de Políticas para Mulheres), onde foram cedidos um carro, um notebook e data show para que esses organismos pudessem implantar ações que reduzissem a violência doméstica. O objetivo do estado do ES é feminicídio zero.
E sim, notamos uma conscientização maior de mulheres quanto aos diversos tipos de violência que sofremos cotidianamente, até porque algumas destas violências são bem sutis. Elas nos questionam muito e sentem-se seguras ao saber que podem contar com o apoio de um órgão público.

2 – A campanha “Não é Não” é uma diretriz nacional do Ministério das Mulheres. Como a Gerência tem “traduzido” essa mensagem para a realidade cultural específica de João Neiva, especialmente em ambientes tradicionalmente masculinos? Quais os maiores desafios para que essa mensagem se transforme de um slogan para uma prática social efetiva no município?
A “Ação Não É Não”, que é direciona pelo Ministério das Mulheres, deve ser feita em momentos de festividades municipais como forma de conscientização contra o assédio, para que as mulheres possam aproveitar o seu momento de lazer sem ser importunada. No município de João Neiva, a ação foi feita durante o carnaval de rua, no campo de futebol e durante festas juninas.
Durante a final do torneio do trabalhador, panfletamos e conversamos com os homens sobre a questão do respeito para que mulheres possam se sentir acolhidas num ambiente majoritariamente masculino. Fomos bem recebidas e os homens se mostraram interessados em contribuir com a campanha.
O desafio é trabalhar questões que demostrem que o machismo é tóxico, e que o mesmo é prejudicial não só para as mulheres, mas também para os homens.
3 – O trabalho da Gerência de DH abrange diversas áreas, como a igualdade étnico-racial e os direitos da população LGBTQIA+. De que forma a luta contra a violência de gênero, que é sua coordenação direta, dialoga com o combate ao racismo e à LGBT fobia em João Neiva? Poderia nos dar um exemplo de como essas pautas se cruzam na prática, no atendimento ou nas ações da Gerência?
Quando analisamos os dados de violência contra a mulher observamos que o maior percentual de mulheres que sofrem violência doméstica são mulheres negras, de acordo com observatório das mulheres (Instituto Jones dos Santos Neves); o Brasil é o país que mais mata pessoas trans, conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – Antra/ 2024).
As pautas se cruzam quando vemos que o sexismo e racismo são as principais causas de violência contra a mulher. No diálogo com mulheres trans, notamos o quanto as mesmas têm dificuldade de chegar num setor público e buscar qualquer tipo de atendimento, algumas vezes é necessário que a Gerência de DH as acompanhe para que elas se sintam seguras em solicitar algum tipo de serviço na rede de proteção social: Saúde, Educação, Assistência.
No momento estamos sendo procurados por pessoas trans que desejam retificar o nome e gênero de maneira formal, ou seja, no cartório, estamos divulgando a cartilha para retificação junto à comunidade LGBTQIA+ e, também levamos esta informação ao cartório. Importante lembrar que, essa alteração é direito constitucional e gratuito, conforme a Corregedoria Nacional de Justiça, publicado no Provimento nº73/2018.

4 – O trabalho da Gerência de DH tem sido importante na articulação entre as secretarias da Prefeitura de JN. De maneira concreta, como o apoio do Executivo, na figura do prefeito Sérgio Micula, e a integração com pastas como Saúde, Bem-Estar Social e Segurança, têm sido determinantes para o sucesso de iniciativas como a caminhada do “Agosto Lilás”?
O apoio do prefeito Micula é essencial, pois veja bem: a Gerência de Direito Humanos e suas coordenações foram criadas no ano de 2023, antevendo as políticas de DH implantadas pelos governos federal e municipal, nas quais alguns municípios só começaram a criar essas gerências/secretarias no ano de 2025.
No município de João Neiva, temos o Comitê Intersetorial, formados pela SEMTADES, Conselho Tutelar, Saúde, Educação e Gabinete do prefeito, representado pela Gerência de Direitos Humanos, onde nos reunimos mensalmente para buscar soluções de casos que necessitam um olhar mais atento do município. Assim, trabalhamos de forma conjunta e acompanhamos o que cada secretaria tem feito em prol dos munícipes.
Dessa forma, a caminhada do “Agosto Lilás” e todos as ações desenvolvidas pela Gerência até agora, só foi possível, devido a essa parceria entre as secretarias para que políticas públicas pudessem ser efetivadas.
5 – Atualmente, vemos no Espírito Santo um debate crescente sobre o fortalecimento da rede de proteção à mulher. Como as ações preventivas realizadas em João Neiva, como as palestras e rodas de conversa, se inserem nessa discussão estadual? O que o município de JN pode ensinar a outras cidades capixabas e o que ainda é necessário aprender para aprimorar essa rede?
O objetivo do estado do ES é alcançar uma taxa de feminicídio zero, por isso a ampliação das ações de proteção à mulher. Tenho formação em Pedagogia, o que vale dizer que amo a educação e acredito que ela é libertadora. As ações educativas têm um papel essencial neste momento, uma vez que, muitas mulheres ainda acreditam que a violência só acontece quando é física. Em nossas rodas de conversas percebemos o espanto quando citamos todos as formas de violência descritas na Lei Maria da Penha. E, ali, ela tem a percepção que está vivendo um relacionamento abusivo.
Nesse contexto, precisamos ainda, criar ações para educar meninos que não tenham masculinidade frágil, que não tenham medo de demostrar fraqueza e buscar ajuda quando necessário. Então, o município de João Neiva pode ensinar a outros municípios que o papel da Gerência de DH é de articulação com a rede de proteção, orientando à população sobre seus direitos e que, quando esses forem violados, saibam onde buscar ajuda.
6 – A Gerência está trabalhando na criação de novos conselhos, como o de Direitos Humanos e o de Equidade Racial. Qual a importância estratégica de formalizar esses espaços de participação social? Na sua visão, a criação desses conselhos pode representar uma mudança estrutural na forma como as políticas públicas são planejadas e fiscalizadas pela sociedade civil em João Neiva?
A criação dos conselhos é estratégia para ampliar a participação popular no ambiente da administração pública, são eles quem vão sugerir políticas públicas, além de ser um órgão de controle social.
Certamente, esses conselhos podem contribuir e muito com a estruturação de políticas públicas, sejam na implantação e/ou na fiscalização. Entendo que os conselhos são espaços democráticos que promovem a cidadania, além de fortalecer o controle social, permitindo que a população apresente demandas e avaliem a aplicação de recursos públicos, resultando em políticas públicas alinhadas ao desejo da população.
7 – Uma ação de grande relevância social mencionada é o auxílio aos povos de terreiro na busca pela legalização de seus espaços sagrados. Sabendo que muitas lideranças desses terreiros são mulheres (mães de santo), como essa iniciativa específica de combate à intolerância religiosa também fortalece a luta contra a violência de gênero e o machismo estrutural?
A ação de legalização dos espaços de terreiro, onde mulheres frequentemente são lideranças, combate o machismo estrutural ao reconhecer e valorizar o papel feminino na preservação da cultura e ancestralidade africana, além de promover um ambiente mais seguro e menos vulnerável à violências, que são intensificadas pela intolerância religiosa e o racismo.
Esse auxílio, contribui para o reconhecimento da liderança feminina além de forçar o Estado a reconhecer esse espaço como um ambiente educador, onde as raízes da ancestralidade são preservadas, faz com que essas comunidades sejam vistas como produtoras de um saber que não se limita apenas ao cunho religioso.
A legalização ainda trata da inviolabilidade deste espaço, trazendo segurança para as mulheres, emponderando essas lideranças para que demostrem que mulheres podem e devem ocupar espaços de poder.

8 – O Brasil enfrenta um cenário político complexo, com avanços e retrocessos nos Direitos Humanos. De que forma, o trabalho de base, realizado aqui em João Neiva, funciona como um pilar de resistência e fortalecimento da cidadania, especialmente para as populações mais vulnerabilizadas? Você acredita que a transformação social efetiva começa no âmbito municipal?
Esse ano foram feitas diversas conferencias e tivemos oportunidade de participar de algumas, além da participação da marcha da Mulher Negra Capixaba. E é muito interessante notar como os municípios se organizam em coletivos e esses coletivos fazem parte dos Conselhos, os quais lutam no âmbito municipal para melhores condições de vida dos cidadãos.
E sim, acredito que a transformação tende a acontecer no município, onde podemos nos organizar coletivamente para resolução de um problema da rua, ou do bairro onde moramos e buscamos ajuda de um vizinho, esse imediatamente aciona outro no coletivo. Buscamos solucionar aquilo que incomoda a todos.
As associações de bairro estão presente para provar que sim, a transformação social começa no município.
9 – As ações de formação, como palestras sobre letramento étnico e a participação em conferências, são fundamentais. Qual o impacto de capacitar não apenas a população, mas também os próprios agentes públicos? Um servidor público mais consciente das diversas realidades sociais é mais eficaz na ponta do atendimento?
Com certeza a consciência das diversidades é eficaz para o atendimento. Algumas vezes somos procurados por colegas servidos com dúvidas sobre como se dirigir a uma pessoa que ele não consegue identificar o gênero, ou sobre termos que rementem ao racismo e que não devemos usar, ou ainda qual a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual?
Acho lindo quando nos perguntam e têm essa vontade de aprender, percebo que existe um interesse em atender bem o cidadão que procura o atendimento público. E que perfeito você chegar num ambiente de atendimento ao público e ser visto na sua diversidade e na sua humanidade.
10 – Olhando para o futuro, para além da criação dos conselhos, qual é o próximo grande passo ou o maior sonho da Gerência de Direitos Humanos para consolidar uma cultura de respeito e igualdade em João Neiva? Qual legado você, como Coordenadora de Políticas Públicas para Mulheres, espera construir?
A Gerência de Direitos Humanos de João Neiva tem vários desafios e sonhos pela frente para consolidar uma cultura de respeito e igualdade. Entre eles: promover campanhas educativas, capacitar profissionais da educação para abordar questões de gênero, raça e direitos humanos, além de implementar programas de educação permanente para os servidores públicos.
Outra frente para consolidar nosso trabalho, penso no direito da criança, um legado que gostaria de deixar, seguindo o Plano Municipal de Equidade Racial, onde a Lei nª10639/2003 realmente fosse cumprida, para que a valorização da cultura afrobrasileira e indígena fosse valorizada, e de alguma forma, as novas gerações de crianças pretas não sofram com o racismo.
Enfim, um legado duradouro nas instituições e na sociedade, contribuindo para a construção de uma cultura de respeito e igualdade de gênero.
Merkato: Magna, muito obrigado por suas respostas e por compartilhar a profundidade do trabalho que vem sendo realizado. São informações essenciais para que a população de João Neiva conheça e se aproprie dessas políticas.
Magda Mota: Eu agradeço ao Merkato pela oportunidade de publicar nosso trabalho no município de João Neiva, ao nosso querido prefeito Sérgio Micula, aos colegas de trabalho do Executivo, e a todas as secretarias envolvidas nas pautas dos Direitos Humanos.



