Mais Brasil, menos Brasília: a Reforma Tributária como vetor para o desenvolvimento sustentável dos municípios

(Imagem: ChatGPT)


Coluna Polítikus
Por: Samuel J. Messias – Consultor Empresarial

Olá, caro (a) leitor da coluna Polítikus! Neste artigo analiso a máxima “Mais Brasil, menos Brasília” como um chamado à descentralização e ao fortalecimento da autonomia municipal, argumentando que a recente Reforma Tributária (EC 132/2023) representa o mais significativo avanço nessa direção nas últimas décadas. Através da análise do Pacto Federativo, da Lei de Responsabilidade Fiscal e do novo modelo de tributação sobre o consumo, o texto explora como a reconfiguração da distribuição de receitas pode capacitar os municípios a se tornarem protagonistas do desenvolvimento sustentável, superando o histórico desequilíbrio fiscal que concentra poder e recursos na União.

O dilema federativo brasileiro

O slogan “Mais Brasil, menos Brasília” encapsula uma tensão fundamental na estrutura política do Brasil: o desequilíbrio do Pacto Federativo. Promulgado pela Constituição de 1988 com a intenção de garantir autonomia e cooperação entre União, estados e municípios, o pacto, na prática, resultou em uma excessiva concentração de poder e recursos no governo federal. Enquanto as responsabilidades dos municípios se expandiram — abrangendo desde a educação básica e saúde primária até o saneamento e a gestão ambiental —, suas fontes de receita permaneceram desproporcionalmente limitadas.

Estima-se que a União concentre cerca de 70% da arrecadação tributária nacional, deixando estados com aproximadamente 25% e os mais de 5.500 municípios com uma fatia residual de apenas 5%. Essa disparidade cria uma dependência crônica de transferências federais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), minando a autonomia local e a capacidade de planejamento a longo prazo. É nesse cenário que o desenvolvimento sustentável — entendido como o equilíbrio entre crescimento econômico, justiça social e proteção ambiental — torna-se um objetivo distante para a maioria das administrações municipais, que se veem engessadas por limitações orçamentárias.

As amarras atuais: LRF e o financiamento vinculado

A gestão municipal no Brasil opera sob duas grandes condicionantes: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a vinculação constitucional de receitas para saúde e educação. Embora cruciais para a estabilidade e a garantia de serviços mínimos, essas regras, no contexto de escassez de recursos, acabam por limitar a capacidade de investimento e inovação dos municípios.

A LRF (Lei Complementar nº 101/2000) impôs uma disciplina fiscal indispensável, coibindo o endividamento descontrolado e estabelecendo tetos para gastos, notadamente com a folha de pagamento (60% da Receita Corrente Líquida). Se por um lado a lei trouxe responsabilidade, por outro, ela reduziu a margem de manobra dos gestores locais, que, sem autonomia para gerar novas receitas, ficam presos a um orçamento rígido e muitas vezes insuficiente para atender às demandas crescentes da população.

Somam-se a isso as vinculações constitucionais, que obrigam os municípios a investir no mínimo 15% de sua arrecadação em saúde e 25% em educação. Esses pisos são essenciais para proteger áreas prioritárias, mas, na prática, consomem a maior parte do orçamento de pequenos municípios, deixando poucos recursos para outras áreas vitais ao desenvolvimento sustentável, como infraestrutura, saneamento básico, cultura e meio ambiente. O resultado é uma administração focada em cumprir obrigações legais, com pouquíssimo espaço para a implementação de políticas públicas transformadoras.

A Reforma Tributária: um novo horizonte para os municípios

A Emenda Constitucional 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária, surge como a mudança mais estrutural no Pacto Federativo desde 1988, com o potencial de redefinir o papel dos municípios no cenário nacional. Ao unificar cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de modelo dual — a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional —, a reforma ataca a raiz do desequilíbrio fiscal.

A principal inovação é a mudança da tributação da origem (local de produção) para o destino (local de consumo). Essa alteração tem um profundo efeito redistributivo, pois a arrecadação deixa de se concentrar nos poucos polos industriais e passa a ser distribuída por todo o território nacional, onde o consumo de fato ocorre. Simulações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que a medida beneficiará cerca de 82% dos municípios brasileiros, com um impacto ainda mais expressivo (98%) entre aqueles com PIB per capita abaixo da média nacional.

Para garantir uma transição suave e evitar perdas abruptas, um complexo mecanismo de 50 anos (2029-2078) foi estabelecido. Durante esse período, a distribuição da arrecadação do IBS migrará gradualmente do modelo antigo (baseado na arrecadação histórica de cada ente) para o novo modelo (baseado no consumo). A unificação dos impostos também acaba com a chamada “guerra fiscal” entre estados e municípios, que corroía a base de arrecadação em uma competição predatória por investimentos.

A longa transição e a construção da autonomia

A transição de 50 anos, embora longa, é a garantia de estabilidade política e fiscal da reforma. Ela permite que os entes federativos que potencialmente perderiam receita com a mudança abrupta para o modelo de destino possam se adaptar gradualmente, sem colapsar suas finanças. De 2029 a 2078, a distribuição da arrecadação do IBS será um híbrido entre o critério antigo (participação histórica na arrecadação) e o novo (consumo), com o peso do novo critério aumentando progressivamente a cada ano.

Essa transição gradual, aliada a mecanismos como o Fundo de Desenvolvimento Regional, visa assegurar que a reforma seja um jogo de “ganha-ganha” no longo prazo. Para os municípios, o aumento da base de arrecadação própria significará mais recursos para investir para além dos pisos constitucionais de saúde e educação. Com mais autonomia financeira, os gestores poderão finalmente elaborar e executar projetos de desenvolvimento sustentável alinhados com as vocações e necessidades locais, como:

  • Infraestrutura Verde: Investimentos em saneamento básico, gestão de resíduos sólidos e energias renováveis.
  • Economia Local: Fomento ao turismo, à agricultura familiar e a arranjos produtivos locais.
  • Inclusão Social: Criação de programas de habitação, cultura e assistência social com financiamento próprio e contínuo.

Do discurso à prática

A Reforma Tributária não é uma solução mágica para todos os desafios do Brasil, mas representa a ferramenta mais poderosa já concebida para reequilibrar o Pacto Federativo e dar vida ao princípio de “Mais Brasil, menos Brasília”. Ao deslocar o eixo da arrecadação para mais perto do cidadão e fortalecer financeiramente os municípios, a reforma cria as condições materiais para que o desenvolvimento sustentável deixe de ser um conceito abstrato e se torne uma realidade concreta, construída a partir da base.

A nova arquitetura fiscal capacita os municípios a se tornarem laboratórios de políticas públicas inovadoras, promovendo um ciclo virtuoso de crescimento econômico, inclusão social e responsabilidade ambiental, exigindo assim que a gestão municipal busque qualificar continuamente todos os seus colaboradores, em todos os níveis. A longa transição exigirá maturidade política e capacidade técnica dos gestores, mas o horizonte que se desenha é o de um federalismo mais autêntico e de um Brasil mais justo e sustentável, construído a partir da força de seus municípios.

*O texto é de livre pensamento do colunista*


Samuel J. Messias – *Mestre em Educação pela Florida University-USA *Pesquisador da FAPES *Avaliador “Ad Hoc” de Projetos da FAPEAM *Membro da Câmara Técnica do 3º Setor do CRC-ES IV *Especialista em Políticas Públicas *Bacharel em Ciências Contábeis. (Foto: Arquivo Pessoal)

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