Mestre Pitbull: “O propósito da vida é o amadurecimento da alma”

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Entrevista
Por: José Salucci – Jornalista

A Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO) celebrou suas Bodas de Esmeralda, marcando 40 anos de trajetória com o evento “Berimbau Tocou”, realizado entre 3 e 7 de setembro, em Santo Amaro da Purificação (BA). O encontro reuniu capoeiristas de diversos estados e também do exterior, numa imersão cultural que reforçou o legado socioeducativo da instituição.

A equipe do Merkato esteve presente nessa grande festa, conhecendo de perto a ginga, a magia, a cultura, a hsitória e os encantos do Recôncavo Baiano. Durante o evento, foram entrevistados vários mestres e uma mestra. Agora, em primeira mão, apresentamos algumas das personalidades que ajudaram a construir a história da Acarbo e, com ela, a memória cultural de Santo Amaro, da Bahia, do Brasil e do mundo.

Nosso primeiro entrevistado é Cristiano Pereira de Freitas, o Mestre Pitbull, 40 anos, nascido e criado em Santo Amaro. Iniciou na capoeira aos 7 anos, sob orientação do Mestre Macaco. No dia do evento, recebeu o título de mestre, tornando-se um dos frutos mais preciosos da Acarbo. Formado em Educação Física e licenciado em Música (instrumentista), atua como gestor em segurança pública, estuda Fisioterapia e dedica toda essa bagagem à capoeira.

Leia a entrevista e conheça a trajetória de um homem de coração puro, sabedoria ampla e vida entregue à arte da capoeira. Ele fala sobre o sentido da mestria, o amor por sua companheira Contramestra Dentinho e, também sobre a sua superação pessoal, depois que o diagnóstico de um médico chegou a dizer que não teria longa vida, venceu a luta e, agora, vive dando voltas ao mundo. AXÉ!

1 – Mestre Pitbull, parabéns pela formatura. Como foi o seu início na capoeira?

Minha história na capoeira começa com um suposto problema de saúde diagnosticado por um cardiologista. Ele disse à minha mãe que eu tinha apenas alguns meses de vida. Eu tinha entre quatro e cinco anos de idade.

Minha mãe já havia perdido dois filhos antes de mim e não poderia mais engravidar. Eu era o terceiro, o filho que vingou, e isso a deixou ainda mais desesperada ao ouvir do médico aquele prognóstico. Então ela buscou um segundo especialista, que repetiu todos os exames. A conclusão foi outra: o único “problema” que eu tinha era excesso de energia (risos).

Esse médico aconselhou minha mãe a me colocar em uma atividade esportiva. Experimentei o futebol, cheguei a ver o karatê, mas não me identifiquei. Um dia vi, na rua, uma apresentação da Acarbo. Eu era ainda muito pequeno e minha mãe me levou para assistir. O som, a música, a energia me encantaram. Depois, vieram os movimentos, a arte com o corpo. Foi assim que comecei. A capoeira me conquistou de imediato.

Honra ao mérito. Placa em homenagem entregue aos formandos. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem.

2 – Na adolescência, crescendo em conhecimento e maturidade, o que mais te fez apaixonar na capoeira?

O meu fascínio foi compreender a força da ancestralidade que a capoeira carrega. Entender que o meu povo, oriundo da África, lutou para preservar essa arte genuinamente brasileira.

Essa força ancestral está presente na musicalidade, nos movimentos, na resistência e na resiliência. A capoeira ensina que “é na queda da cachoeira que a água ganha força”. O amigo da capoeira é o chão. Muitas vezes a gente cai, mas é o próprio jogo que nos levanta e nos reconecta com nossa essência.

3 – No dia do evento você se formou mestre. O que significa alcançar a mestria?

Ser mestre é algo muito mais profundo que o fundamento técnico da capoeira. Eu entendo a mestria para além do jogo: é uma lição para a vida, como me ensinou meu Mestre Macaco.

A capoeira me deu uma visão de mundo, me ensinou a ser cidadão. Foi também através dela que conheci minha companheira, a Williany, a Contramestra Dentinho, com quem compartilho amor e caminhada.

4 – E o que tem a falar desse sentimento? Como é viver essa caminhada ao lado dela?

É um sentimento extremamente genuíno. Ela é minha parceira de vida, de batalhas, de guerras. Sempre me apoiou em minhas escolhas e esteve ao meu lado em todos os momentos.

Juntos construímos eventos, projetos e sonhos, porque nada se faz sozinho. Além do apoio profissional, existe o conjugal: confiança e cumplicidade são essenciais.

5 – E quanto ao momento da formatura, ao receber o cordel das mãos do Mestre Carcará e do Mestre Lampião?

Foi uma dupla honra. O Mestre Carcará representa a resistência da capoeira em Santo Amaro. Ele nunca se deixou dobrar nos momentos difíceis. É um baluarte, uma referência. Cabe a nós, mais jovens, salvaguardar esse legado.

Já o Mestre Lampião foi o primeiro com quem tive contato direto na capoeira. Um desbravador e pesquisador, principalmente sobre a história de Besouro Mangangá, capoeirista nascido aqui em Santo Amaro. Ser daqui é, sem dúvida, algo único.

Ser de Santo Amaro, é ser diferente de qualquer outro ser humano no mundo.

À esquerda na foto, Me. Lampião. No centro, Me. Pitbull, seguido por Me. Carcará. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

6 – O que representa a capoeira de Santo Amaro para você?

A capoeira em Santo Amaro é força, poder e transformação. Já mudou a vida de muitas pessoas aqui, de forma quase inacreditável.

Carrega uma raiz fortíssima, pois grandes mestres passaram pela cidade: Jacente Besouro, Cobrinha Verde, Canário Pardo, Seringue Mangue e até o Mestre Bimba. Santo Amaro, por ser um porto importante no Recôncavo, recebia gente de todo lugar. Essa mistura fez da nossa capoeira algo especial.

Santo Amaro é poder, é raiz, é transformação!

7 – Em outro momento você comentou a mestria em uma perspectiva ética. E do ponto de vista técnico, quais fundamentos fazem parte da formação de um mestre?

Ser mestre é dedicação integral. É acordar, almoçar, jantar e dormir pensando em capoeira. É uma busca constante pela melhora técnica, física e mental.

A mestria também significa voltar a ser aluno: praticar o movimento básico, se olhar no espelho, corrigir-se, recomeçar sempre. A graduação não é o fim, mas um novo começo. Ou seja, agora é um momento de autoafirmação. É um momento que você já é reconhecido, mas para que isso se perdure, se faz necessário que você faça o seu dever de casa todo novamente. Então é voltar para a cartilha do ABC. É recomeçar!

Mestre Carcará batizando Cristiano Pereira de Freitas à mestre de capoeira; um laço de capoeira, uma aliança para a eternidade. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

8 – A musicalidade também é essencial. Como você enxerga esse aspecto na formação de um mestre?

A musicalidade é um fundamento indispensável. O mestre precisa ser completo — não perfeito, mas inteiro: entender fundamento, dominar a técnica dos instrumentos e movimentos, compreender os rituais, tocar berimbau e outros instrumentos, cantar, sentir a atmosfera da roda.

Sinceramente, eu já me sinto mestre há muito tempo. O Mestre Macaco sempre me conduziu a isso: “torna-te quem tu és”. Sempre busquei estar um pouco à frente do meu tempo. Eu não comecei aprender a ser mestre agora por causa da graduação de mestre, por isso, a Acarbo prepara seus contramestres em diferentes graus, justamente para que entendam desde cedo o caminho da mestria.

9 – Mestre Pitbull, foi um prazer poder entrevistá-lo e participar desse momento histórico da Acarbo e seu também. Para concluir: qual mensagem você gostaria de deixar?

Me sinto realizado e feliz, principalmente pelas conquistas dos meus irmãos. Eu celebro a felicidade do próximo.

Certa vez, assisti a um filme que mostrava a história de um treinador de basquete, me inspirou muito. Ele pergunta para os alunos: “Qual é o seu maior medo?” E aí os alunos não conseguiam entender e responder. A lição era entender que o maior medo é ser grande além da conta.

O que tiro de lição pra minha vida: a gente não pode se encolher para deixar o outro confortável, que automaticamente quando nós brilhamos, a gente desperta no próximo, também, a vontade de brilhar. Então, eu tenho isso comigo: ser inspiração para as pessoas. Não permito que as pessoas se encolham perto de mim. Quando eu brilho, quero que meu companheiro brilhe também.

Minha missão é ser luz, porque acredito que o propósito da vida é o amadurecimento da alma.

Apoio, solado, trilha, destino. O pé de um mestre, longo é o caminho. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem.

 

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