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Coluna Letrados
Por: Sueli Valiato – Professora de Língua Portuguesa, no CEFFA de Japira/Jaguaré-ES
Caríssimo (a) leitor (a), por meio deste artigo, convido-te a conhecer uma história que marcou a Educação do Campo no município de Jaguaré-ES e alavancou a expansão da Pedagogia da Alternância no Estado do Espírito Santo. Essa História começa assim:
Em 1985, no município de Jaguaré-ES, agricultores e agricultoras, lideranças católicas, evangélicas e políticas organizaram-se em grupos por região, criando o Movimento de Ação Política-MAP, que promovia uma dinâmica de estudo, discussão e proposições para dar novos rumos às políticas públicas nesse município. Com essa articulação, tiveram como resultado a eleição do prefeito e 04 vereadores, do Partido dos Trabalhadores (PT), no ano de 1988. Essa gestão foi marcada por várias ações que colocou o município em destaque e até hoje são referenciadas.
Movidos pelo desejo de verem seus filhos e filhas estudando nos territórios onde habitavam, numa escola “que fosse igual às Escolas Famílias do MEPES”, se mobilizaram e começaram um processo de organização e discussão, na certeza que o modelo de escola, por eles pensado, contribuiria no processo de mudanças “sonhado” para o município.
A criação das Escolas Comunitárias Rurais Municipais foi uma dessas ações e se concretizou em 1990, a partir das lutas empreendidas por esses grupos organizados. Nesse ano as Escolas Comunitárias Rurais Municipais-ECORMs, de São João Bosco e Giral, começaram a funcionar nas instalações da igreja católica dessas comunidades, tendo participação direta das famílias e lideranças comunitárias e políticas na gestão, manutenção e construção do prédio escolar, num regime de grande mutirão.
Até essa data, o curso oferecido pela Escola Família Agrícola-EFA de Jaguaré e do Km 41, era na modalidade de supletivo, portanto, só admitia matrículas a partir dos catorze anos de idade e para estudar nessas instituições pagava-se, além disso, ainda não se tinha nenhuma política de transporte escolar. Esses fatores contribuíam para que muitos adolescentes e jovens, que terminavam a quarta série do Ensino Fundamental I, interrompessem os estudos por alguns anos, até completar essa idade ou simplesmente, paravam de estudar.
Os fundadores, agricultores e agricultoras, das ECORMs sonhavam com uma escola em que fossem transmitidos para as novas gerações valores como: vivência em comunidade, o cultivo da religiosidade, da cultura local, defesa da fauna e da flora existente na região, a luta pela preservação e conservação das águas, da terra e de outros bens da natureza, a relação de solidariedade e coletividade, dentre outros. Esses ideais marcaram a trajetória das discussões desde o início do movimento.
O contexto social e político do município estava propício para a promoção de avanços em diversos aspectos nos territórios do campo: tinha-se na gestão do município pessoas comprometidas com as causas sociais, os movimentos sociais se organizavam na luta por direitos, pela conquista da terra que culminou na formação do Assentamento XIII de Setembro, o primeiro do Estado, e o Assentamento da Comunidade de São Roque, impulsionando a criação de mais duas escolas com currículo e metodologia própria e apropriada à realidade do campo, uma no Assentamento XIII de Setembro e outra na comunidade de Japira.
Na construção e permanência desse projeto de educação inovador, muitas pessoas dedicaram tempo, trabalho, participação e militância. É importante destacar que muitos desses articuladores nunca tinham se sentado num banco escolar enquanto estudantes, outros eram ex-estudantes e/ou professores das EFAs de Jaguaré e de Km 41. Na região de São João Bosco, cito: Morosini Bartolomeu, que nessa ocasião já era um idoso. Ele cuidava da escola com um carinho e prestatividade inigualável, José Fidêncio, José Rosa, José Antônio Valiato, Isael Cândido, Nilson Stofel, Antônio Betim, Antônio Monteiro, Bosco Dondoni, Magides e Glorinha, dentre outros e assim, também foi na ECORM de Giral e de Japira. Os dois últimos eram professores da EFA de Jaguaré e deram suporte na estruturação da proposta pedagógica desse projeto educacional.
Para constituir, consolidar e manter a identidade dessas escolas do campo, no município de Jaguaré-ES, foi necessário o envolvimento constante e combativo das comunidades e suas lideranças católicas, em grande maioria; dos Conselhos Escolares, dos funcionários, das famílias que tinham filhos matriculados nessas unidades de ensino. Essa participação se dava na pesquisa da realidade; assembleias; composição do conselho escolar; campanhas de capitação de recurso financeiro; na defesa dos princípios da escola diante do poder público; regime de contratação dos educadores; Comissão Municipal; nas manifestações e atos de protesto reivindicatório, dentre outros aspectos que foram e ainda são fundamentais ao bom funcionamento desse projeto de educação.
Nesse sentido, merece ser mencionado para exemplificar, que em 1991, um grupo de agricultores (as) e lideranças das comunidades das regiões em que se localizam as ECORMs de Giral e São João Bosco, ocuparam o prédio da Prefeitura Municipal de Jaguaré-ES, com o objetivo de cobrar do Poder Público o início das obras das respectivas escolas.
À época, em que as ECORMs foram fundadas, ainda não tinha sido constituída a política pública direcionada à Educação do Campo. É importante ressaltar que as ECORMs de Jaguaré-ES, foi a primeira experiência de Centro Familiar de Formação em Alternância-CEFFA, mantido pelo poder público, no mundo. Até então, a Pedagogia da Alternância era adotada por unidades de ensino filantrópicas.
Esses agricultores (as), apesar de não terem formação técnica nem acadêmica na área de educação, sabiam e defendiam que uma boa formação escolar não se faz com um processo desconectado das realidades de seus envolvidos, que a escola não é o único espaço que promove educação. Por isso, as ECORMs foram pensadas para desenvolver uma educação própria e apropriada ao território em que estão inseridas, em que a realidade seja o ponto de partida para construção dos diversos conhecimentos; que a família tenha papel importante na formação escolar nos momentos de estadia; que desenvolva o sentimento de pertença pelas coisas públicas, coletivas e o respeito ao patrimônio individual; em que os educandos possam se auto-organizar individual e coletivamente; em que todas as diferenças cognitivas, raciais, religiosas, culturais, de gêneros, sociais dentre outros aspectos da formação integral sejam respeitadas.
As Escolas Comunitárias Rurais municipais-ECORMs pertencem ao Sistema Municipal de Educação de Jaguaré-ES, atendem estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), na modalidade de ensino: Educação do Campo/ Pedagogia da Alternância, e continua produzindo bons frutos. Entretanto, de tempos em tempos é preciso analisar tudo que está sendo implementado pelos setores pedagógico, administrativo e agropecuário, a realidade socioeconômica e ambiental dos territórios, o perfil da clientela, os desafios e as possibilidades, a fim de direcionar as ações da escola, para cumprir sua missão de promover educação libertária.
Não tenho dúvida de que este momento em que estamos, é hora de fazermos essa análise, refletindo como se vai reorganizar as ações das ECORMs, para dar continuidade à missão pela e para qual foram criadas: oferecer educação própria e apropriada de qualidade, formação integral, para formar pessoas autônomas e conscientes, capazes de se desenvolver e promover evolução no território em que estão inseridos.
Pois, tem se tornado impossível desenvolver o plano de formação dos estudantes, das famílias, do conselho escolar, dos educadores e demais funcionários, a dinâmica espaço/tempo da alternância, com o tempo de docência/discência que por ora vigora nas ECORMs. Para promover educação integral ou formação integral, com Pedagogia da Alternância, é preciso retomar como referência a base de cálculo docência/discência, na qual as ECORMs foram fundadas, reorganizando os novos arranjos, que são necessários a cada tempo, já que a Pedagogia da Alternância se fundamenta nas necessidades da vida, por isso, quando a vida muda, as ECORMs também precisam repensar sua práxis, para garantir a sua missão enquanto projeto de educação.
É fundante dizer, que as ECORMs não mudaram ao longo desse tempo, e não devem mudar para se fazer caber em modelos de educação, que não respeitam a diversidade, a coletividade, a individualidade do processo de construção do conhecimento dos educandos, a realidade desses, de suas famílias e de seus territórios.
Que essa iniciativa dos agricultores, agricultoras e alguns educadores tiveram, na segunda metade da década de 1980, nos incentive a nos articularmos, a nos unirmos em defesa desse projeto de educação, que tem em sua gênese o método e mediações pedagógicas que respondem com efetividade as demandas apresentadas à educação na contemporaneidade. O nosso desafio, hoje, é reestruturar as nossas escolas que são públicas de Pedagogia da Alternância, numa dinâmica de tempo integral, para darmos continuidade a esse projeto de educação que nasceu no coração e foi construído pelas mãos calejadas dos agricultores e agricultoras.
*O texto é de livre pensamento da colunista*
