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Coluna Letrados
Por: Sueli Valiato – Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Caro (a) leitor (a), dias atrás encontrei resposta para uma indagação que trazia comigo há anos. Indagação esta, que se aguçou ainda mais, com a leitura do livro “O Futuro da Humanidade”, de autoria do médico psiquiatra, professor e escritor brasileiro, famoso pelos seus livros na área de psicologia, Augusto Cury.
Uma vez que, esse livro relata a história de Marco Polo, um jovem estudante de medicina, que se depara com um grande conflito ético e moral dentro da universidade, ao ver-se diante dos cadáveres utilizados nas aulas de anatomia e a forma fria como aqueles cadáveres eram tratados por todos. A ele incomodava profundamente, o fato de ninguém se importar com a identidade e histórias daqueles corpos ali estudados.
Os desdobramentos dessa história, suscitou em mim, profundas reflexões sobre o respeito, diálogo, compaixão, as injustiças sociais, principalmente sobre os preconceitos que nutrimos sobre a existência humana e sobre os padrões organizativos da sociedade.
Desde então, sempre que me deparo com um morador de rua, me lembro da atitude de Marco Polo, o protagonista da história de Augusto Cury e da necessidade de ressignificar a forma que olhamos, agimos e pensamos as pessoas em situação de rua, os “indigentes”. Devido a essa postura, numa ocasião, uma amiga me convidou para participar da Ceia de Natal, que ela organizara, na praça, para as pessoas em situação de rua de nossa cidade. Eu fui…
Foi uma experiência que corroborou a reflexão levantada por Augusto Cury, no livro supramencionado. No local, estava uma grande mesa com saborosos pratos típicos de natal, araras com peças de vestuário, calçados, em que os convidados poderiam se servir, pegar quantas peças e itens quisessem. Meu Deus!! Fiquei muito intrigada ao ver que eles pegaram somente um item de cada arara. Alguns nem pegaram… Era farta a mesa, que mais chamou a atenção, que lhes encheu os olhos, que fez transbordar de suas bocas palavras de agradecimento e atitudes de gratidão.
São pessoas em situação de rua… Não têm posse alguma… Por que eles não pegaram para si o máximo de itens de vestuário e calçados possíveis? Por que se preocuparam, quase que exclusivamente, em se alimentar? Fiquei relutando com essas questões, sem resposta durante muito tempo. Até que na semana passada, eu vi no olhar de Vanderlei, uma pista para uma possível resposta.
Quem é Vanderlei?! Vanderlei é uma pessoa em situação de rua, que encontrei na entrada do estacionamento do supermercado. Ele me pediu “uns trocados” para completar o dinheiro, pois, segundo ele, queria jantar. Lembrei-me de Marco Polo, da atitude das pessoas em situação de rua, da referida Ceia de Natal e das histórias de vida que nos contaram, enquanto ceávamos.
Então, perguntei o nome dele e chamando-o pelo nome, o convidei para lanchar na praça de alimentação do supermercado. Mas ele me disse que não poderia me acompanhar, porque lhe fora proibida a entrada, pois alguns clientes se incomodavam com a presença de “mendigos”. Olhando nos olhos de Vanderlei, disse: “Vanderlei, hoje você é meu convidado”!
Vi no olhar de Vanderlei a ausência de tudo… Eu insisti: “Vamos Vanderlei”! Ele me seguiu de cabeça baixa, visivelmente, desconcertado, sem olhar para os lados. Olhava-me com um olhar vazio, confuso. Parecia não entender… Orientei-o para escolher o que quisesse para comer e tomar. Mas… Ele continuava a me olhar com um semblante pensativo…
Na tentativa de deixá-lo mais à vontade, perguntei de onde viera, se tinha filhos, se tinha esposa, se tinha pais. Neste momento, ele olhou fixamente em meus olhos e com uma voz carregada de dor, me respondeu:
– “Dona, Deus não me deu a graça de ter filhos… Minha esposa morreu, já tem um tempo… Meu pai… Não conheci… Minha mãe, Deus levou também. Eu vim trabalhar na colheita do café. A colheita acabou… Eu não consegui mais voltar. O meu lugar é ali” (Apontando para a marquise de uma loja que fica em frente ao supermercado).
Vanderlei abaixou a cabeça, respirou fundo… Ergueu a cabeça e com o olhar cheio de gratidão, esboçando um belo sorriso, disse: “A senhora tem o coração muito bom! Que Deus te abençoe.” Após escolher os itens do lanche, me falou que gostaria de comê-lo mais tarde. E Vanderlei me olhou mais uma vez, expressando uma alegria completa. Como se ele me dissesse: agora já tenho tudo que necessitava.
Vi no olhar de Vanderlei o mesmo motivo que levou o respeitado professor de medicina, um dos fundadores da universidade de Marco Polo, abandonar sua carreira após perder toda a família em um acidente… Pois quando nada se tem, nada se perde… Já que a dor de ter e perder, é mais devastadora que a dor de não ter…
E valendo-me do que escreveu Augusto Cury, no capítulo 11 desse romance, assim encerro: Qualquer ser humano, intelectual ou iletrado, rico ou pobre, médico ou paciente, ativista ou alienado é afetado pelo comportamento da sociedade e isso interfere nas conquistas e perdas da própria sociedade, por meio dos comportamentos das pessoas. Portanto, todos nós somos responsáveis pelo futuro dos humanos, da humanidade e do planeta como um todo. Nossos comportamentos alteram o nosso tempo; alteram a nossa memória; alteram a qualidade e frequência de nossas ações e reações, modificando o nosso presente, o nosso futuro, a nossa história.
*O texto é de livre pensamento da colunista*
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