(Imagem: Internet)
Coluna Polítikus
Por: Samuel J. Messias – Especialista em Políticas Públicas
Neste artigo analiso a complexa e bidirecional relação entre o aumento da violência, a persistente vulnerabilidade social e suas consequências para o desenvolvimento econômico do Brasil. A partir da análise de dados de instituições como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), argumenta-se que a violência não é apenas uma consequência de problemas sociais, mas um entrave direto e significativo ao crescimento econômico sustentável. Os altos custos associados à criminalidade, que chegam a consumir uma fatia expressiva do Produto Interno Bruto (PIB), somados à perda de capital humano e à deterioração do ambiente de negócios, criam um ciclo vicioso que perpetua a desigualdade e limita o potencial econômico do país.
Brasil
O Brasil, uma das maiores economias do mundo, enfrenta desafios estruturais que historicamente limitam seu pleno desenvolvimento. Dentre os mais proeminentes estão os elevados níveis de violência e a profunda vulnerabilidade social que afeta milhões de cidadãos. Longe de serem questões puramente de segurança ou assistência social, esses fenômenos têm implicações macroeconômicas diretas, moldando decisões de investimento, alocação de recursos e a produtividade geral da economia. Este artigo busca dissecar esses impactos, demonstrando como a violência e a vulnerabilidade social não apenas resultam de um desenvolvimento desigual, mas também atuam como freios potentes ao avanço econômico.
O objetivo é analisar os mecanismos pelos quais a criminalidade e a exclusão social corroem as bases do crescimento, quantificando os custos diretos e indiretos e explorando como a desigualdade alimenta um ambiente propício à violência. Ao final, discute-se a necessidade de políticas públicas integradas que abordem simultaneamente as causas e as consequências desse complexo problema social e econômico.
A dimensão econômica da violência
O custo da violência no Brasil atinge cifras alarmantes, representando um pesado fardo para a economia. Estudos recentes revelam a magnitude desse impacto, que vai muito além dos gastos com segurança pública. De acordo com o Global Peace Index 2024, os custos relacionados à contenção, prevenção e consequências da violência no Brasil corresponderam a 11,08% do PIB em 2023, um montante que supera R$ 1 trilhão . Esse percentual coloca o Brasil entre as 30 nações com o maior impacto econômico da violência em relação ao tamanho de sua economia.
Esses custos podem ser divididos em diversas categorias, que evidenciam a capilaridade do problema:
- Custos diretos: Incluem os gastos governamentais com o sistema de segurança pública (polícia, sistema judicial e prisional) e as despesas do setor privado com segurança (vigilância, seguros, blindagem de veículos).
- Custos indiretos: Abrangem as perdas de produtividade decorrentes de mortes prematuras, incapacitação de vítimas e encarceramento da população economicamente ativa.
- Custos intangíveis: Referem-se à perda de qualidade de vida, ao medo e ao trauma psicológico que afetam a população, com consequências para a saúde mental e a coesão social.
Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estima que, na América Latina, o crime e a violência custam, em média, 3,4% do PIB anualmente. Esse valor é equivalente a 80% de todo o orçamento público da região destinado à educação e o dobro dos gastos com assistência social, ilustrando o dramático trade-off na alocação de recursos públicos . O Fundo Monetário Internacional (FMI) demonstra ainda que um aumento de apenas 1% nas taxas de homicídios reduz o crescimento do PIB em 0,3 ponto percentual . Esse impacto é particularmente preocupante quando se considera que a taxa de homicídios no Brasil, segundo o Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC), é de 21,26 por 100 mil habitantes, quase dez vezes superior à média mundial .
O Fundo Monetário Internacional (FMI) vai além, ao estimar que o PIB brasileiro poderia crescer 0,6 ponto percentual a mais por ano se os índices de criminalidade do país recuassem para a média mundial . Esse dado revela que a violência não é apenas um custo, mas uma barreira ativa ao crescimento.

Vulnerabilidade social: o caldo de cultura da violência
A violência no Brasil não pode ser compreendida sem uma análise da profunda desigualdade e vulnerabilidade social que marcam a estrutura do país. Embora a relação entre pobreza e criminalidade não seja linear ou determinística, a exclusão social, a falta de oportunidades e a fragilidade das instituições criam um ambiente fértil para a proliferação da violência.
Dados da Síntese de Indicadores Sociais de 2024, do IBGE, mostram que, apesar de uma recente melhora, a vulnerabilidade ainda é uma realidade para uma parcela significativa da população. Em 2023, 27,4% dos brasileiros (59 milhões de pessoas) viviam abaixo da linha da pobreza, e 4,4% estavam em situação de extrema pobreza [5].
A desigualdade de renda, medida pelo Índice de Gini, permaneceu em um patamar elevado de 0,518 em 2023. O IBGE aponta que, sem os benefícios de programas sociais, esse índice teria sido ainda maior (0,555), o que demonstra a importância das redes de proteção social, mas também a fragilidade da estrutura de renda do país . Essa disparidade é um fator central, como aponta o FMI, que correlaciona o aumento da desigualdade e períodos de recessão a picos de violência.
A instabilidade macroeconômica frequentemente alimenta picos de violência: uma recessão na região está associada a um aumento de 6% nos homicídios, enquanto picos de inflação acima de 10% estão ligados a um aumento de 10% nos homicídios no ano seguinte. O aumento da desigualdade agrava ainda mais o vínculo entre a estagnação econômica e o crime. (FMI, 2024) [3]
A vulnerabilidade se manifesta de forma mais aguda entre a população desocupada. Segundo o IBGE, a incidência de pobreza entre os desocupados (54,9%) é quase quatro vezes maior do que entre os ocupados (14,2%) [5]. Esse cenário de falta de acesso ao mercado de trabalho formal e a uma renda digna torna jovens, em particular, mais suscetíveis ao recrutamento por parte do crime organizado, que oferece uma alternativa de pertencimento e ascensão econômica, ainda que ilícita e precária.
Mecanismos de transmissão para a economia
O impacto da violência e da vulnerabilidade no desenvolvimento econômico se dá por meio de múltiplos canais que se reforçam mutuamente:
- Redução do investimento e da acumulação de capital: Um ambiente de alta criminalidade eleva a percepção de risco e a incerteza, desestimulando investimentos produtivos. Empresas hesitam em expandir suas operações em áreas conflagradas, e recursos que poderiam ser alocados em inovação e crescimento são desviados para gastos com segurança. O FMI destaca que a criminalidade “dificulta a acumulação de capital, possivelmente por dissuadir os investidores, que temem roubos e violência”.
- Perda de capital humano: A violência letal, que atinge desproporcionalmente jovens negros e periféricos, representa uma perda irreparável de capital humano. Além das vidas ceifadas, há os custos com saúde para tratar os feridos e o impacto do encarceramento em massa, que retira indivíduos do mercado de trabalho e dificulta sua reintegração futura.
- Distorção de mercados: A atuação do crime organizado, como apontado por especialistas da FGV, vai além do tráfico de drogas e se infiltra em setores da economia formal, como distribuição de gás, construção civil e transportes . Essa presença impõe uma “taxa de proteção” informal, elimina a concorrência e cria mercados paralelos que não geram impostos e operam à margem da regulação estatal.
- Impacto no turismo e na imagem do país: A reputação de um país violento afeta diretamente setores como o turismo, uma importante fonte de receita e empregos. A percepção de insegurança pode afastar visitantes internacionais e limitar o desenvolvimento de novos polos turísticos.
Violência e vulnerabilidade
O cenário apresentado demonstra que a violência e a vulnerabilidade social são mais do que meros sintomas de um desenvolvimento incompleto; são, na verdade, forças ativas que restringem o potencial econômico do Brasil. O custo de mais de 11% do PIB, a perda de capital humano, a distorção de mercados e a fuga de investimentos formam um ciclo vicioso que aprisiona o país em uma armadilha de baixo crescimento e alta desigualdade.
Superar esse desafio exige uma abordagem multifacetada. Por um lado, são necessárias políticas de segurança pública mais eficientes e baseadas em evidências, que foquem na desarticulação do crime organizado e na redução dos homicídios. Por outro, e de forma indissociável, são cruciais investimentos maciços para reduzir a vulnerabilidade social, por meio da educação de qualidade, da geração de empregos formais e do fortalecimento de redes de proteção social.
O potencial de crescimento econômico que seria destravado com a redução da violência — estimado em 0,6 ponto percentual do PIB pelo FMI — justifica a urgência de tratar a segurança e a inclusão social não como despesas, mas como investimentos estratégicos no futuro do Brasil. Somente ao romper o ciclo que conecta a exclusão à violência será possível construir um caminho para o desenvolvimento econômico verdadeiramente sustentável e inclusivo.
*O texto é de livre pensamento do colunista*





