Terceiro Setor
Por: José Salucci – Jornalista
Nos corredores do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), uma revolução silenciosa, porém de profundo impacto, está redefinindo a relação entre o saber acadêmico e a prática social.
A iniciativa, que floresce a partir da disciplina optativa “Contabilidade das entidades sem fins lucrativos”, transcende os muros da sala de aula para se tornar um farol de capacitação e esperança para organizações que são a espinha dorsal do ativismo social capixaba. Sob a coordenação do professor Dr. Gabriel Moreira Campos, um projeto de extensão inovador está demonstrando que a contabilidade, muitas vezes vista como uma ciência de números frios, pode ser uma poderosa ferramenta de transformação humana e organizacional, ao mesmo tempo, oportuniza os alunos a imergirem na cognição da prática.
O ápice dessa integração se materializou durante o “V Seminário UFES de Contabilidade Aplicada”, na última quinta-feira (25), um evento que consolidou a parceria entre a universidade e três notáveis entidades do Terceiro Setor: o Instituto Mulheres em Ação pela Cidadania (IMAC), a Associação Reciclarte.com e a Associação dos Ostomizados do Espírito Santo (AOES). Através da primeira edição da Feira Social “Contabilizando Arte”, a comunidade acadêmica pôde tocar, ver e sentir o resultado de uma aliança forjada no conhecimento e no propósito.

O criador: a visão do professor Gabriel
Para compreender a magnitude do projeto, é imperativo conhecer seu idealizador. Gabriel Moreira Campos não é apenas um professor; é um entusiasta e um pesquisador devotado ao Terceiro Setor. Com uma trajetória acadêmica inteiramente dedicada às Ciências Contábeis – da graduação ao pós-doutorado – e 30 anos de docência na UFES, ele personifica a excelência e o compromisso. “A minha área de pesquisa é contabilidade das entidades sem fins lucrativos. Contabilidade das organizações do terceiro setor”, afirma com a autoridade de quem publicou inúmeros artigos científicos sobre o tema.
A união entre a disciplina e o projeto de extensão “Casos de Estudos Contábeis no Terceiro Setor” não foi um acaso, mas uma estratégia pedagógica deliberada. “Foi uma forma de os alunos terem uma vivência, colocando em prática o conteúdo da disciplina, vendo como é a prática no dia a dia das atividades dessas entidades”, explica o professor. Durante o primeiro semestre de 2025, que transcorreu de abril a agosto, as aulas se tornaram um vibrante laboratório de troca: de um lado, estudantes ávidos por conhecimento aplicado; do outro, representantes das entidades, compartilhando a realidade, os desafios e as vitórias de suas missões.
A engrenagem do conhecimento: teoria a serviço da prática
A primeira etapa do projeto, denominada “Elaboração dos Casos de Estudo”, foi eminentemente prática. Os alunos foram desafiados a criar ferramentas essenciais para a saúde financeira e a transparência de qualquer organização. O professor Gabriel detalha a atividade avaliativa: “Foram três casos de estudo práticos nos quais os alunos elaboraram uma proposta de plano de contas contábil, uma proposta de orçamento anual e uma proposta de uma ferramenta gerencial, como um relatório financeiro”, explica.
Cada uma dessas ferramentas possui um valor estratégico inestimável. O plano de contas, como explica o coordenador, “é uma relação das contas que fazem parte da contabilidade de uma organização”. O orçamento anual permite uma “previsão de quanto a entidade vai arrecadar e também o total de despesas, possibilitando uma projeção de superávit ou déficit”. Por fim, os relatórios financeiros oferecem um “acompanhamento mensal de receitas e despesas realizadas”, um instrumento vital para a tomada de decisões. Agora, o projeto se prepara para sua segunda e mais crucial fase: a implementação. “Ela é certa a implementação. Vai acontecer nas atividades das entidades. Haverá uma interação de estudantes não só aqui dentro da universidade, mas especialmente nas sedes das entidades”, garante o professor.

O Terceiro Setor em perspectiva: a urgência da profissionalização
A iniciativa da UFES dialoga diretamente com um cenário nacional de crescente relevância do Terceiro Setor. Segundo os dados mais recentes do levantamento “As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil (FASFIL)”, realizado pelo IBGE em parceria com o IPEA, o país conta com mais de 815 mil organizações da sociedade civil. Essas entidades são responsáveis por uma parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) e empregam milhões de brasileiros, atuando em áreas cruciais onde o Estado muitas vezes não alcança com a mesma capilaridade.
Neste contexto, a contabilidade transcende a mera obrigação legal. Ela se torna um pilar de sustentabilidade, transparência e governança. Para organizações que dependem de doações, editais e parcerias, uma “prestação de contas” clara e profissional não é apenas um diferencial, mas uma condição para a sobrevivência e captação de recursos. O projeto do professor Gabriel ataca exatamente essa necessidade, oferecendo um arcabouço técnico que fortalece as entidades de dentro para fora, preparando-as para um ambiente cada vez mais exigente.

Vozes da transformação: o olhar das entidades
O verdadeiro termômetro do sucesso do projeto, contudo, reside nas histórias e percepções das mulheres que lideram as associações parceiras. Suas vozes, repletas de experiência e resiliência, ecoam a importância da iniciativa.
Representando o Instituto Mulheres em Ação pela Cidadania (IMAC), a presidente Bella de Andorinhas, uma referência no empreendedorismo feminino, viu no convite um reconhecimento de seu trabalho. “Eu me sinto muito orgulhosa por ter sido reconhecida. O convite surgiu na Rede Pocante, onde indicaram nosso Instituto IMAC”, relata. A generosidade de sua liderança se manifestou ao indicar outra associação para o projeto. “Me pediram que eu indicasse uma outra instituição que eu reconhecesse que há necessidade. E aí nós indicamos a Reciclarte”. Para Bella, o conhecimento adquirido é a semente de um futuro mais sólido. “Gerou assim uma expectativa melhor, de gerir o nosso negócio, nossa instituição. Porque o conhecimento é tudo, né? Saber nunca é demais. Então, quanto mais a gente aprende, melhor a gente desenvolve o nosso potencial”, conclui, com a esperança renovada de que sua tesoureira, agora capacitada, possa otimizar a gestão financeira da entidade.
Outra entidade que participou do projeto de extensão foi a Reciclarte.com, sendo representada pela diretora presidente Maria da Penha Motta. “Nós já trabalhávamos antes na informalidade em cinco mulheres, todas voluntarias, depois resolvemos criar o CNPJ. Nosso principal objetivo é economizar custos, então para nós foi ótimo participar das aulas, ministradas pelo professor Gabriel, que foi ímpar com a gente”, disse.
No dia Feira Social “Contabilizando Arte”, Eva Toledo Marques, uma das fundadoras da OSC, com seus 73 anos de sabedoria, e com uma dupla formação em Direito e Contabilidade, encontrou no curso uma oportunidade de renovação. “Eu também sou contadora, mas as coisas mudam, né? A gente vive aprendendo. Para mim, que sou a tesoureira da associação, foi um ensinamento assim muito bom. O professor Gabriel é muito competente, ele tira todas as dúvidas”, elogia. Sua associação, um “bebê”, como ela carinhosamente descreve, obteve seu CNPJ em junho de 2025, e já realiza um trabalho itinerante de grande impacto, oferecendo oficinas de reciclagem de alimentos, vestuário e objetos para mulheres em vulnerabilidade. “Nós somos um bebezinho. Mas tem muito trabalho a ser feito e muita experiência”, diz com um sorriso que mescla humildade e orgulho.
Fechando a participação, a Associação dos Ostomizados do Espírito Santo (AOES), representada por Márcia Patrício de Araújo, tem uma história pessoal de superação que se entrelaça com sua dedicação de 25 anos ao voluntariado. Após vencer um câncer de intestino e passar a usar uma bolsa coletora, encontrou na associação um novo propósito. Convidada pelo IMAC, onde também já fez cursos de empreendedorismo, ela viu no projeto de extensão uma chance única. “Foi assim, importantíssimo. Foi um divisor de águas. Sou muito grata ao IMAC pelo convite e também ao professor e aos alunos”, expressa. Márcia destaca a profundidade da experiência: “Eu pude recordar muitas coisas que aprendi, mas com o passar do tempo a gente precisa reciclar. E muitas coisas foram mesmo de descoberta e aprendizado. Foi muito edificante”.
O seminário e a feira: uma janela para a alma do projeto
O “V Seminário UFES de Contabilidade Aplicada” e a “I Feira Social Contabilizando Arte” não foram a culminância do projeto, mas sim, como define o professor Gabriel, “uma das atividades, com a mesma magnitude em termos de importância”. O evento foi concebido como uma oportunidade de interação da comunidade universitária com as entidades. “A razão de ser dessa feira social foi para que os participantes pudessem ter um contato próximo com uma parte das atividades que são desenvolvidas pelas três entidades parceiras”, pontua.

No hall do auditório Manuel Vereza, entre uma oficina sobre inteligência artificial aplicada à contabilidade e outra sobre formação de preço de venda, os participantes puderam admirar e adquirir os produtos artesanais que contam histórias de resiliência e criatividade. Era a materialização do propósito social, um elo visível entre a academia e a vida real. “A gente vai, a partir da avaliação dessa experiência que está sendo um experimento, dar outros passos para otimizarmos e aprimorarmos essa integração da universidade com o Terceiro Setor”, projeta o professor Gabriel.


Um legado em construção
O projeto “Casos de Estudos Contábeis no Terceiro Setor” está programado para continuar até o final de 2025, com forte tendência de ser estendido para 2026. Mais do que planilhas e relatórios, o que está sendo construído é um repositório de conhecimento, uma cultura de colaboração e uma nova geração de contadores com uma visão mais humana e social de sua profissão. A iniciativa prova que, quando a universidade abre suas portas e se dispõe a ouvir e a servir, o conhecimento se multiplica e se transforma em um poderoso catalisador para um mundo mais justo, transparente e solidário. A contabilidade, nas mãos do professor Gabriel e seus alunos, deixou de ser apenas sobre números para se tornar uma linguagem de empoderamento e cidadania.

Expediente: V Seminário UFES de Contabilidade Aplicada – V SUCAPLI
A organização do projeto de extensão “Casos de Estudos Contábeis no Terceiro Setor” tem a iniciativa do Departamento de Ciências Contábeis (UFES), através da coordenação do professor Dr. Gabriel Moreira Campos, com a participação de entidades parceiras: IMAC, Reciclart.com e AOES.
O evento “V Seminário UFES de Contabilidade Aplicada”, integrado a iniciativa acima, contou com a organização e apoio do Centro Acadêmico Livre de Ciências Contábeis (CALCIC), Pró – Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Consultores Juniores Associados (CJA/UFES), Academia Capixaba de Ciências Contábeis (ACACICON), Conselho Regional de Contabilidade do Espírito Santo (CRC-ES), em especial agradecimento ao contador Klaus Xavier de Oliveira, pela doação dos livros sorteados para os participantes do evento.
Oficinas Práticas:
- “IRPF na prática: Exemplos e especificidades para MEI (Microempreendedor Individual)”
Ministrantes: Profª. Dra. Marilia Nascimento, Profª. Maria Mariete Pereira e Daiani Castro (Bolsista);
- “De Calouro a Contador do Futuro – Descobrindo o Poder da Inteligência Artificial com ChatGPT”
Ministrante: Josinei Lombardi (Engenheiro);
- “Desmistificando o Preço de Venda nas Microempresas”
Ministrante: Prof. Dr. Carlos Vallim (Professor da UFES).
Palestras:
- “Códigos que contam: automatizando a contabilidade com Python”
Palestrante: Fred Chevitarese (Programador);
- “Profissão do Contador (CRC Jovem)”
Palestrantes: Thaísa Even (Contadora) e Marcus Bolsoni (Contador);
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