Coluna Letrados
Por: Samuel J. Messias – Mestre em Educação
A busca por um propósito tem sido uma jornada inerente à condição humana ao longo da história. Filósofos, pensadores e, mais recentemente, cientistas têm explorado o significado e a relevância de uma vida com propósito. Em uma sociedade cada vez mais acelerada e focada em conquistas materiais, a reflexão sobre o que realmente nos move e nos dá uma sensação de direção torna-se ainda mais crucial. Este artigo explora a importância de uma vida com propósito, não apenas como um conceito filosófico abstrato, mas como um pilar fundamental para o bem-estar psicológico, a saúde física e a realização pessoal.
A fundamentação psicológica do propósito: a logoterapia de Viktor Frankl
Um dos mais influentes pensadores sobre o tema foi o psiquiatra austríaco Viktor Frankl. Sobrevivente de quatro campos de concentração nazistas, Frankl desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem psicoterapêutica centrada na busca de um sentido para a vida. Em sua obra seminal, “O Homem em Busca de um Sentido”, ele argumenta que a principal força motivadora do ser humano não é o prazer, como defendia Freud, nem o poder, como propunha Adler, mas sim a vontade de encontrar um sentido para a sua existência.
Frankl observou que, mesmo nas condições mais desumanas dos campos de concentração, os prisioneiros que conseguiam sobreviver eram frequentemente aqueles que mantinham um propósito – a esperança de reencontrar um ente querido, a determinação de concluir um trabalho inacabado ou a fé em um futuro melhor. Para Frankl, o propósito não é algo a ser descoberto, mas sim algo a ser criado. Ele pode ser encontrado no trabalho, no amor, na coragem diante do sofrimento e na atitude que tomamos perante as adversidades. A célebre frase de Nietzsche, frequentemente citada por Frankl, resume essa ideia: “Quem tem um ‘porquê’ para viver, pode suportar quase qualquer ‘como’”.
O impacto do propósito na saúde mental
A psicologia moderna tem corroborado e expandido as ideias de Frankl. Inúmeros estudos demonstram uma forte correlação entre ter um propósito de vida e uma melhor saúde mental. Uma pesquisa publicada no Journal of Counseling Psychology por Steger, Frazier, Oishi e Kaler (2006) revelou que indivíduos com um forte senso de propósito apresentam níveis mais baixos de ansiedade e depressão. O propósito funciona como uma “âncora” psicológica, proporcionando estabilidade emocional e uma direção clara para a vida, o que aumenta a resiliência diante de desafios e situações estressantes.
Por outro lado, a ausência de um propósito pode levar ao que Frankl denominou de “vazio existencial”. Este estado é caracterizado por sentimentos de apatia, tédio, e uma sensação de que a vida não tem sentido. O psicoterapeuta existencial Irvin Yalom também explorou este conceito, associando-o a comportamentos de risco, como o abuso de substâncias, e a um maior risco de ideação suicida. Portanto, a busca e a construção de um propósito são componentes essenciais na prevenção e no tratamento de diversas condições de saúde mental.
A conexão entre propósito e saúde física
Os benefícios de uma vida com propósito não se limitam à saúde mental. Pesquisas recentes têm revelado uma surpreendente conexão entre ter um propósito e uma melhor saúde física e maior longevidade. Um estudo de Hill e Turiano (2014), publicado na Psychological Science, acompanhou milhares de adultos e descobriu que aqueles com um maior senso de propósito tinham um menor risco de mortalidade por todas as causas, incluindo doenças cardiovasculares.
O projeto Rush Memory and Aging, um estudo longitudinal iniciado em 1997, também encontrou resultados impressionantes. Os participantes que relatavam ter um forte senso de propósito tinham uma probabilidade 2,5 vezes menor de desenvolver a doença de Alzheimer, 22% menos probabilidade de apresentar fatores de risco para AVC e 52% menos probabilidade de ter sofrido um derrame. Os pesquisadores acreditam que o propósito pode influenciar a saúde física através de diversos mecanismos, como a redução dos níveis de estresse, a promoção de comportamentos mais saudáveis (como a prática de exercícios e uma alimentação equilibrada) e o fortalecimento do sistema imunológico.
Cultivando uma vida com propósito
Se ter um propósito é tão benéfico, como podemos cultivá-lo em nossas vidas? Não existe uma fórmula única, mas algumas estratégias podem auxiliar nesse processo:
- Autoconhecimento: Dedicar tempo para a reflexão, seja através da meditação, da psicoterapia ou de um diário, pode ajudar a identificar valores, paixões e o que realmente importa para cada um.
- Altruísmo e contribuição: Envolver-se em atividades que beneficiem outras pessoas ou uma causa maior pode proporcionar um profundo senso de significado e conexão.
- Relações significativas: Construir e nutrir relacionamentos saudáveis e de apoio é uma fonte fundamental de propósito para a maioria das pessoas.
- Definição de metas: Estabelecer e trabalhar em direção a objetivos que estejam alinhados com os próprios valores pode criar um senso de direção e realização.
- Gratidão: A prática da gratidão pode ajudar a focar nos aspectos positivos da vida e a reconhecer o valor das experiências e das pessoas ao nosso redor.
Conclusão
A importância de uma vida com propósito transcende a mera busca pela felicidade. Trata-se de uma necessidade humana fundamental que impacta profundamente nossa saúde mental e física, nossa resiliência e nossa longevidade. Como Viktor Frankl demonstrou de forma tão contundente, ter um “porquê” nos capacita a enfrentar os “como” da vida, por mais difíceis que sejam. Em um mundo que muitas vezes nos puxa em direções superficiais, a busca consciente por um propósito é, talvez, o investimento mais valioso que podemos fazer em nosso bem-estar e em nossa jornada para uma vida plena e significativa, onde o servir transforma primeiro o meu “eu” e depois o próximo.
*O texto é de livre pensamento do colunista*
