Reforma Tributária x Micro e Pequenas Empresas: desafios e oportunidades na nova ordem fiscal

(Imagem: Internet)
Coluna Criativos
Por: Samuel J. Messias – Consultor Empresarial

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, regulamentada por leis complementares subsequentes, inaugurou um dos mais profundos processos de transformação do sistema tributário brasileiro desde a Constituição de 1988. Com a promessa de simplificação, transparência e eficiência, a Reforma Tributária visa reconfigurar a complexa teia de impostos sobre o consumo, substituindo cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) por um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Nesse cenário de profundas mudanças, um segmento vital para a economia nacional demanda atenção especial: as micro e pequenas empresas (MPEs). Responsáveis por uma parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) e pela maior parte da geração de empregos no país, as MPEs encontram-se em uma encruzilhada, diante de um horizonte que mescla oportunidades de crescimento e desafios de adaptação.

Este artigo analisa os principais impactos da Reforma Tributária sobre as micro e pequenas empresas, com foco especial nas alterações concernentes ao Simples Nacional. Serão explorados o novo panorama fiscal, as oportunidades emergentes, como a maior integração às cadeias produtivas, e os desafios inerentes à transição, como a necessidade de planejamento estratégico e adaptação tecnológica. Por fim, discute-se o papel das políticas públicas como indutoras de um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento sustentável deste setor.

O novo cenário tributário e o Simples Nacional

A espinha dorsal da reforma é a unificação de tributos sobre o consumo em um sistema de IVA, que promete eliminar a cumulatividade e a guerra fiscal entre os estados. A transição para o novo modelo será gradual, estendendo-se de 2026 a 2033, período no qual os tributos atuais coexistirão com os novos, exigindo das empresas um acompanhamento rigoroso e um planejamento cuidadoso. Uma das maiores preocupações do setor produtivo foi a manutenção do Simples Nacional, regime que atualmente beneficia mais de 11 milhões de empresas no Brasil [6]. A boa notícia é que o regime foi preservado em sua essência, mantendo a unificação de tributos em uma única guia de recolhimento (DAS), o que representa a continuidade da simplificação burocrática para os pequenos negócios.

Contudo, a manutenção não significa imutabilidade. O Simples Nacional será adaptado para coexistir com o novo sistema. A principal inovação é a possibilidade de as MPEs optarem por um regime híbrido. Elas poderão escolher entre continuar recolhendo o IBS e a CBS de forma unificada dentro do Simples ou fazê-lo “por fora”, submetendo-se à sistemática regular de débito e crédito do IVA. Essa escolha estratégica será crucial, pois impactará diretamente a competitividade da empresa, especialmente nas relações comerciais com outras pessoas jurídicas (B2B). Empresas que vendem para outras empresas do regime normal de tributação poderão se beneficiar ao optar pelo recolhimento em separado, pois isso permitirá que seus clientes aproveitem integralmente os créditos de IBS e CBS, algo que não era possível no modelo anterior.

Essa evolução do Simples Nacional pode ser compreendida ao comparar o cenário anterior e o posterior à reforma. Antes, o regime, embora unificado na sua forma de pagamento via DAS, criava uma barreira de competitividade, pois os compradores de produtos ou serviços de optantes pelo Simples não podiam aproveitar créditos de ICMS ou ISS. Com a reforma, essa desvantagem é mitigada: os compradores passarão a ter direito a créditos de IBS e CBS, mesmo ao adquirirem de uma MPE. Além disso, o regime, que antes era uma estrutura única e fechada, ganha flexibilidade com a opção pelo sistema híbrido, permitindo que a MPE se posicione de forma mais estratégica no mercado e se integre de maneira mais eficiente à cadeia produtiva.

Desafios e oportunidades para as MPEs

A Reforma Tributária apresenta um cenário dual para as micro e pequenas empresas. Por um lado, surgem oportunidades significativas. A simplificação do sistema, a transparência na formação de preços e, principalmente, a possibilidade de gerar créditos para seus clientes, tendem a integrar as MPEs de forma mais competitiva nas cadeias de valor. A criação da figura do “nanoempreendedor”, que isenta da CBS e do IBS pessoas físicas com faturamento anual de até R$ 40.500, é outra medida que visa incentivar a formalização e proteger atividades de subsistência [2].

Por outro lado, os desafios são igualmente relevantes. A transição exigirá um esforço de adaptação considerável. A necessidade de atualização de sistemas de emissão de notas fiscais e a gestão de um ambiente tributário que, por quase uma década, será híbrido, demandarão investimentos e capacitação. O risco de o microempreendedor arcar com um custo administrativo e informacional desproporcional é real, o que pode reduzir sua competitividade se não houver o devido suporte [1]. A decisão entre permanecer no recolhimento unificado ou optar pelo regime híbrido exigirá um planejamento tributário estratégico, com o apoio indispensável de profissionais da contabilidade, para analisar qual modelo de negócio se beneficia de cada opção.

As empresas precisarão reavaliar suas estratégias de precificação, considerando as novas alíquotas e a dinâmica de créditos. A alíquota combinada da CBS e do IBS, estimada em torno de 26,5%, embora neutra na cadeia produtiva devido ao sistema de crédito, pode gerar percepções distintas no consumidor final e exigir uma comunicação clara por parte das empresas.

O papel estratégico das políticas públicas

Diante da magnitude das mudanças, o papel do poder público torna-se fundamental para garantir que as MPEs não apenas sobrevivam à transição, mas prosperem no novo ambiente. A perda de parte da autonomia fiscal dos municípios, com a substituição do ISS por uma cota-parte do IBS, exige que os gestores locais repensem suas estratégias de desenvolvimento. Nesse contexto, o poder de compra do Estado, por meio das licitações públicas, assume um papel ainda mais estratégico.

A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e a própria Lei Complementar nº 123/2006 já preveem mecanismos de tratamento diferenciado para as MPEs em contratações públicas. A utilização de licitações com preferência para empresas locais e regionais pode se tornar um poderoso instrumento para compensar a perda de autonomia na gestão tributária, fomentando a economia local, gerando empregos e fortalecendo as cadeias produtivas territoriais.

Além disso, programas de capacitação, linhas de crédito para adaptação tecnológica e um canal de comunicação claro e acessível por parte das autoridades fiscais serão essenciais para guiar os empreendedores durante o período de transição. As MPEs não devem ser vistas como beneficiárias passivas da reforma, mas como parceiras estratégicas na construção de um ambiente de negócios mais dinâmico e justo.

Conclusão

Penso que a Reforma Tributária brasileira é um marco histórico que redesenha as bases da tributação sobre o consumo no país. Para as micro e pequenas empresas, o caminho à frente é complexo, mas promissor. A manutenção do Simples Nacional, agora mais flexível e integrado, representa uma vitória importante, abrindo portas para uma maior competitividade. No entanto, a transição exigirá resiliência, planejamento e investimento em conhecimento e tecnologia.

O sucesso das MPEs neste novo cenário dependerá de uma combinação de fatores: a capacidade dos próprios empreendedores de se adaptarem e inovarem; o suporte qualificado de profissionais da contabilidade; e, crucialmente, a implementação de políticas públicas de fomento que reconheçam a importância estratégica deste setor para a economia brasileira. Se bem conduzida, a reforma tem o potencial de posicionar as micro e pequenas empresas em um novo patamar de desenvolvimento, contribuindo para um crescimento econômico mais robusto e sustentável para todo o Brasil.

*O texto é de livre pensamento do colunista*
Samuel J. Messias – *Reside em Vitória/ES *Consultor Empresarial *MBA em Estratégia Empresarial *Bacharel em Ciências Contábeis *Me. em Educação ( Florida University- USA). (Foto: Divulgação)
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