Tempo de mestre: a noite em que o Beribazu consagrou Fábio Mongola

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Cultura
Por: José Salucci – Jornalista

A semana que antecedeu a primeira sexta-feira de outubro foi de um axé contagiante para o Grupo de Capoeira Beribazu. O ar vibrava ao som do berimbau, do atabaque e dos cânticos que ecoavam pelos corredores da escola América. Era o “Festival de Capoeira Beribazu ES”, um evento que, desde a segunda-feira, 29 de setembro, mobilizou a comunidade capoeirista com oficinas, rodas e celebrações. Mas era a noite de 3 de outubro que guardava o seu momento mais solene, o clímax de uma vida inteira dedicada à arte-luta: a formatura de Mestre de Capoeira do então Contramestre Fábio Conceição de Paula, o querido Fábio Mongola.

O Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), estava carregado de uma energia ancestral. Mestres e mestras de diversas localidades do Brasil, contramestres, alunos, familiares e amigos formavam um círculo vivo, pulsante, no centro do qual uma história estava prestes a ser reescrita. A formatura de um mestre não é um evento trivial; é um ritual de passagem, um reconhecimento público de que um capoeirista não apenas domina a técnica, mas carrega em si a filosofia, a história e a responsabilidade de perpetuar um legado da cultura popular brasileira.

Iniciando a celebração na noite de formatura, Mestre Mongola apresentou suas músicas autorais. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

Antes de receber a corda vermelha, o ainda Contramestre Mangola reuniu seu grupo de alunos e se apresentou com músicas autorais e deixou um depoimento. Logo após essa apresentação musical, entraram em cena alguns depoimentos em homenagem ao capoeirista. O ginásio foi tomado por uma emoção, em que a plateia de amigos, familiares e capoeiras aplaudiam, vibravam e se emocionavam junto a conquista de Mongola. Também houve a tradicional roda de capoeira entre os mestres, jogando e vadiando com o agora Mestre Mongola, corda vermelha.

A tríade da mestria

Antes que mais emoções tomassem conta do ambiente, a voz da experiência, na figura do Mestre Falcão, o mais antigo em atividade do Grupo Beribazu, trouxe a dimensão filosófica daquela noite. Com a serenidade de quem conhece profundamente os caminhos da capoeira, ele pontuou três palavras que, segundo ele, são os pilares na trajetória de um verdadeiro mestre:

Conhecimento: “O agora mestre Mongola foi adquirindo ao longo da sua formação através de livros, manuais, propostas, métodos”, explicou Falcão, destacando a base teórica que sustenta a prática.

Experiência: “Mas o conhecimento não basta. É fundamental que o mestre tenha também experiência, e o Mestre Mongola foi adquirindo essa experiência a partir de muitas ações em contato com a sua comunidade”.

Sabedoria: “É que sabedoria tem muito a ver com sabor, tem muito a ver com acúmulo, tem muito a ver com o discernimento”, finalizou, cravando que a sabedoria é o produto refinado do conhecimento e da experiência, forjado na vivência comunitária. Era o aval do conselho do Grupo Beribazu, que naquela noite formava o seu 36º mestre.

A cerimônia seguiu, e a Mestra Sabrina, em um discurso que transbordava poesia e respeito, traduziu o sentimento coletivo. Em sua primeira intervenção, ela abriu a roda simbólica da celebração: “Hoje, a roda se abre para festejar um momento muito especial. Estamos reunidos para honrar a trajetória de um homem que dedicou a sua vida à capoeira… A capoeira é canto, é jogo, é luta, é vida e se curva diante da trajetória de Fábio Mongola, que soube honrar cada passo, cada toque, cada ginga”.

No encerramento de seu discurso, a mestra pontuou. “A eternidade da capoeira vive na sua resistência, no seu corpo, no seu canto e na sua alma. Que essa nova etapa seja repleta de conquistas, de ensinamentos e de rodas cheias de axé. Parabéns, mestre Fábio Mongola. Que a capoeira continue sendo o seu chão”.

Das mãos da Mestra Sabrina, uma mulher respeitada na comunidade capoeirística, Fábio da Conceição de Paula é graduado a Mestre Mongola. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

O mestre que inspira

O respeito de um mestre é medido, em grande parte, pelo amor e admiração de seus alunos. E isso ficou claro quando, em nome de todos, Marcelo tomou a palavra. A voz embargada, ele lembrou da resiliência de Mongola, citando uma cantiga que parecia ter sido escrita para ele: “Existem rasteiras na vida que querem nos desanimar… Mas é de verdade, meu mano, para cada rasteira há uma esquiva e quando ela vier, levante a cabeça e dê a volta por cima.”

“E foi exatamente isso que sempre vimos em sua caminhada. A capacidade de se reinventar, de se superar, de amadurecer. Isso nos inspira a continuar ao seu lado”, disseram os alunos em sua homenagem. “Obrigado por ser referência nas nossas vidas”

No centro da roda, visivelmente emocionado, Mongola ouvia tudo. Em seu breve discurso de agradecimento, ele foi objetivo, mas profundo: “Minha mãe é o meu mestre. Eu gosto é de viver a capoeira”. E, com uma certeza que só a maturidade traz, afirmou: “Hoje é o tempo certo, é o dia certo, é o ano certo”.

“O Tempo é o senhor de todas as coisas”

Ao final do evento, com a adrenalina ainda pulsando e a nova corda repousando em sua cintura, Mestre Mongola cedeu uma entrevista ao Jornal Merkato. Foi um momento de despir a figura do mestre recém-formado para revelar o homem, Fábio, com suas lutas, dores e alegrias.

Questionado sobre o “virar da chave”, ele foi humilde. “Tô tentando entender isso, absorver… ser mestre, a gente vai construir isso no dia a dia. É um processo”. Ele reconheceu o peso da responsabilidade de carregar o nome Beribazu, um dos grupos mais fortes do Brasil, e com trabalho extensivo na América do Sul e Europa. Mas ele revelou que a corda não veio com o peso que poderia ter vindo anos atrás. E então, ele compartilhou a frase que definiu sua jornada: “O Tempo é o senhor de todas as coisas.”

Mongola contou que a graduação lhe foi oferecida antes, mas ele a rejeitou. “Eu falei que não era a hora. E tá aí o resultado desse tempo, dessa espera. Veio na hora certa, no tempo certo, sem peso”.

A força para esperar o tempo certo veio de uma “casca mais forte”, forjada em dores recentes e profundas. “A perda dos meus pais”, revelou ele. “A diferença foi de seis meses. Primeiro minha mãe, depois meu pai. Eu esperava chegar nesse momento com eles… Infelizmente não foi da forma como eu imaginei, mas foi um dia muito feliz, porque pela primeira vez eu tive toda minha família reunida para ver a minha graduação”.

Pai e filha, gerações que se unem pela capoeira. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

O círculo da vida na roda de capoeira

À noite, no entanto, não era apenas sobre o fim de um ciclo, mas sobre o começo de outro. O círculo da vida, tão presente na roda de capoeira, se manifestou de forma poética. No mesmo dia em que se tornou mestre, Mongola “batizou” sua filha, Betina, entregando-lhe a primeira graduação. “Um sentimento muito grande, porque eu a iniciei na capoeira na mesma idade que eu comecei: aos 5 anos de idade. Foi proposital”, contou, com os olhos brilhando.

Até a superstição deu o ar da graça. “Hoje era o dia certo. Hoje é dia 3, eu sou do mês 3 (março), nasci no dia 25/03 e o ano é 25”, disse, rindo da feliz coincidência numérica que parecia selar seu destino.

O discurso de homenagem, de reconhecimento, de familiarização da mestria. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

Para Mestra Sabrina, a caminhada de Mongola é marcada por “resistência, resiliência, força, coragem, vontade, amor, esforço, disciplina e respeito às tradições”. Ela destacou que ser mestre vai além do título. “É assumir uma responsabilidade social e cultural, é ser farol, é ser guia, ser guardião da cultura… é ser ponte entre passado e futuro e ser exemplo dentro e fora da roda de capoeira”, afirmou em outro trecho marcante de seu discurso.

A noite se encerrava. O filme da vida de Mongola, que começou na “capoeira de rua, sem grupo nem nome”, passava em sua cabeça. Uma jornada que o levou a usar a arte para ajudar jovens em vulnerabilidade social e que, agora, o coroava com a maior honraria.

Quando pedimos para ele resumir a noite em uma palavra, ele não hesitou, e o sorriso largo finalmente rompeu a casca da emoção contida: “Felicidade.”

E com essa felicidade, o círculo se abriu ainda mais, como previu Mestra Sabrina, permitindo que a voz, o toque e o jogo do novo mestre alcancem e inspirem cada vez mais pessoas. A eternidade da capoeira, naquela noite de outubro, ganhou um novo guardião. Parabéns, Mestre Fábio Mongola. Que o seu chão continue sendo a capoeira, e que seu axé se espalhe pelo mundo.

Mestre Mongola, seja bem-vindo a mestria na comunidade capoeirística do ES, do Brasil e do mundo. / Foto: Jornal Merkato. Clique na imagem!

 

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