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Entrevista/40 ANOS ACARBO
Por: José Salucci – Jornalista
Primeira mulher a conquistar o título de mestra dentro da Associação de Capoeira Arte e Recreação Berimbau de Ouro (ACARBO), Maria Cristina dos Anjos Ramos — a Mestra Nzinga — é um nome de peso na cultura popular baiana. Nascida em Mundo Novo (BA) e criada em Conceição da Feira, ela soma quatro décadas de dedicação à capoeira, uma trajetória que se entrelaça com a história da ACARBO desde sua fundação.
Formada em Pedagogia, Educação Física e História, com diversas pós-graduações, Nzinga atua como coordenadora pedagógica, agente cultural e representante no Plano de Salvaguarda da Capoeira da Bahia, do qual foi uma das construtoras. Participa de vários conselhos municipais, como o CMDCA, o Conselho de Igualdade Racial e o de Assistência Social, e é reconhecida como uma voz ativa da cultura popular e da luta das mulheres na capoeira.
Na entrevista abaixo, ela fala sobre sua trajetória, desafios, conquistas e sobre as Bodas de Esmeralda da ACARBO, que celebram 40 anos de resistência cultural.
Acompanhe a série especial “40 Anos ACARBO”, cobertura exclusiva do Jornal Merkato diretamente de Santo Amaro da Purificação (BA), berço da capoeira.
“Vim ao mundo para viabilizar vidas e disseminar a cultura popular. Sou feliz por isso.” — Mestra Nzinga
1 – Por que o nome “Nzinga”?
Esse apelido nasceu quando eu fazia especialização no IFBA, em História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Meu professor percebeu minha postura de articulação e integração entre os colegas e me apresentou a história da rainha africana Nzinga, uma mulher guerreira que comandou exércitos e resistiu quase cem anos contra os colonizadores. Ele disse: “Você é um ponto de encontro, como ela”. Desde então, carrego esse nome com orgulho.
2 – Como foi o início da sua caminhada na capoeira?
Há 40 anos, ver uma mulher jogando capoeira era um escândalo. Sofri resistência da família e da sociedade, que dizia que capoeira era coisa de homem. Eu mentia para treinar escondida, dizendo para a minha mãe que eu ia estudar na casa das amigas. Jogávamos embaixo de um pé de manga, na terra batida. Era puro amor, e foi, ali, que entendi que a capoeira era o meu caminho.
3 – A capoeira influenciou sua formação profissional?
Totalmente. Através dela, eu me encontrei como educadora. Sou professora formada em magistério, pedagogia, pós-graduada em coordenação pedagógica e coordenadora de ensino no meu município. Tenho três graduações e várias pós, tudo movido pelo desejo de oferecer um trabalho de qualidade aos meus alunos. A capoeira me fez estudar, me fez crescer como mulher e como cidadã.

4 – Você também é uma das construtoras do Plano de Salvaguarda da Capoeira da Bahia. Como foi essa experiência?
Foi um marco. Fui uma das fundadoras do movimento de salvaguarda, representando minha região e o grupo ACARBO. Trabalhamos para garantir políticas públicas de valorização da capoeira como patrimônio cultural, dando voz aos mestres e mestras que mantêm viva essa tradição. Tenho orgulho de ocupar essa cadeira e de representar as mulheres nesse espaço.
5 – Como é o seu trabalho hoje com a comunidade?
Dou aulas de capoeira gratuitamente em Conceição da Feira. Consigo uniformes para os alunos com apoio da Prefeitura e desenvolvo projetos sociais com crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Meu objetivo é formar cidadãos conscientes, fortes e conectados com suas raízes. A capoeira é mais que movimento: é ferramenta de transformação.
6 – Você já levou essa cultura para outros países, não é?
Sim. Já estive em países como Suíça e França como preparadora física da seleção de street futebol e capoeira. Também viajei por vários estados brasileiros levando o nome da ACARBO e da cultura popular. Recentemente, fui escolhida como delegada da Bahia para representar os capoeiristas na Conferência Nacional de Igualdade Racial, em Brasília.
7 – Como é ser mulher e mestra em um espaço ainda tão masculino?
É desafiador. Ainda existe muito machismo, e muitas vezes a cobrança vem de outras mulheres também. Para ser mestra, é preciso ter a resistência de Nzinga, a coragem de Dandara e a força de Maria Felipa. As mulheres conquistaram espaço na roda, mas ainda há muito a avançar. Eu trago comigo a energia de todas essas guerreiras quando entro em uma roda de capoeira.

8 – O que representa para você a ACARBO nesses 40 anos?
Representa resistência, companheirismo e amor pela cultura. Eu vi o Mestre Macaco crescer, vi nascer o grupo e participei de cada etapa dessa história. Hoje, a ACARBO é um dos grupos mais respeitados da Bahia, disseminando a cultura popular pelo mundo. Nossa força está na união e no respeito.
9 – Você tem uma forte atuação política e cultural. Já pensou em entrar na política institucional?
Já me perguntaram isso, mas meu lugar é no chão da cultura. Prefiro continuar atuando nos conselhos, pressionando o poder público a cumprir seu papel. Já fui conselheira tutelar, trabalho com crianças e adolescentes há muitos anos, e acredito que posso contribuir formando novas lideranças femininas na capoeira.
10 – Como é celebrar as Bodas de Esmeralda da ACARBO?
É uma emoção imensa. Ver novos mestres se formando, como o Mestre Pescador e o Mestre Pitbull, que começaram pequenos, é recompensador. É uma história de irmandade, respeito e resistência. Quando olho para trás, vejo que tudo valeu a pena. E digo com orgulho: sou feliz por ter caminhado esses 40 anos com a ACARBO.




