A memória e o clique

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Coluna Letrados
Por: Magda Simone – Professora de Língua Portuguesa

A fotografia surgiu no século XIX e se popularizou no século XX. Nessa época, tirar um retrato exigia longos minutos de imobilidade e a revelação era um processo químico trabalhoso e caro. A imagem era rara, solene, quase sagrada. Não à toa, muitos acreditavam que a câmera roubava a alma — e alguns povos resistiam a se deixar fotografar. Outros, ao contrário, confiavam à fotografia seu último gesto: houve um tempo em que o retrato póstumo, costume que hoje nos parece mórbido, era a única maneira de conservar o rosto de quem partia.

Na minha infância, essa aura de solenidade ainda existia, embora em escala mais modesta. Câmeras eram raridade. Cada foto era um pequeno acontecimento. De vez em quando, um retratista aparecia em nossa casa oferecendo seus serviços. Fazia a foto, recebia parte do pagamento e voltava dias depois com ela revelada. O álbum da família ia se compondo assim: poucas páginas, ângulos ruins, fotos amareladas pelo tempo.

Tive sorte de ter tios retratistas de rua, que trabalhavam em parque. Graças a eles, eu e meus irmãos ganhamos alguns registros gratuitos da infância. São poucos, mas preciosos: cada fotografia carrega uma história inteira condensada em papel.

Hoje, ao contrário, o clique se banalizou. Fotografa-se o prato de comida, o café da tarde, a estrada pela janela. Mas o excesso esvazia o olhar. A comida esfria, a paisagem escorre sem que se perceba.

Parei para pensar nisso tudo após uma caminhada num parque, outro dia. Cercada de árvores, pássaros e borboletas, ouvi um grupo perguntar: “tirou a foto?”. Pensei: para que tanta foto? Quantas dessas imagens revisitamos de fato? Quantas ficam esquecidas na nuvem, empilhadas entre milhares de outras?

Naquele dia, fotografei e me deixei fotografar também. Mas sobretudo gravei dentro de mim a cena, o instante, a emoção. E me lembrei de que a melhor câmera ainda é a memória — delicada, imperfeita, mas insubstituível.

*O texto é de livre pensamento da colunista*


Magda Simone – *Mestra em Letras pelo Mestrado Profissional em Letras (IFES). Experiência na docência de Língua Portuguesa (Ensino fundamental II), atua na Secretaria de Educação da Serra, com a Formação Continuada de Professores de Língua Portuguesa. (Imagem: Divulgação) @magdamentoria

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