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27 de julho de 2024

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Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39 Empreendedorismo/Networking Por: José Salucci – Jornalista e diretor do Merkato Conhecimento ou ambiente? Qual desses dois valores você

“Eu sou um diamante da lama”

Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39.


O Jornal Merkato continua a série “Capoeira Capixaba: relatos e vivências”. Aos sábados, durante o período de três meses, você poderá conferir uma entrevista sobre o universo da capoeira.

Nosso mestre da capoeira de hoje, é direto na ginga e no papo. Tem muita habilidade na prosa, nas opiniões e nas lutas da vida. Vítima de violência familiar, em sua infância, ex-morador de rua, catador de lixo e mais pancadas que a vida lhe deu, que não cabem nessa entrevista; o baiano, de Teixeira de Freitas, Nilson Pereira da Silva, 44, me emocionou e me aproximou mais do saber cultural extraordinário que há na capoeira.

Durante a entrevista, aprendi lições de vida, além de ter tomado, junto com ele, uma garrafa inteira de café. Se eu e o mestre já somos agitados, imagine com a cafeína? Uma entrevista eletrizante em todos os sentidos.

Nilson Pereira, conhecido como Me. Nikimba, nasceu em 1979, no mesmo ano em que a Revista Placar publicava em sua capa a manchete: SARAVÁ, MESTRE PASTINHA! O Mestre Pastinha é introdutor da capoeira de Angola, no Brasil, iniciou a prática da capoeiragem nas duas primeiras décadas do século XX, em um momento histórico em que ainda era considerada atividade marginal, proibida por lei.

Com o foco na data, a vida parece nos ensinar sobre os chamamentos, convocações, predestinações, que cada um tem, enfim… É só pra quem tem religiosidade pra acreditar que o 79 do Pastinha e do Nikimba é laço de capoeira.

Entra na roda dessa entrevista, leitor! Na roda de capoeira, o Me. Nikimba é ‘Kasca Grossa’, atual nome de sua academia. Capoeira! IÊA!

“Meu nome é Nikimba por causa de um mestre que parecia comigo, era bom de porrada, dentro da favela no Rio de Janeiro, e fui inspirado nesse mestre que era um guerreio também”, / Foto: Divulgação.

1 – Mestre Nikimba, estávamos conversando, antes de começar a gravação desta entrevista, sobre a sua dura infância. Fique à vontade de relatar o que deseja. Quer começar com esse assunto?

Eu sou o segundo, entre seis irmãos. Meus pais tinham muita dificuldade de sobrevivência, devido a quantidade de filhos.  Tive dificuldades de trabalho, de se alimentar e de escola. Meus pais, quando chegaram aqui no Espírito Santo, não tinham casa própria… Ficavam morando nos trallers na beira da praia de Jacaraípe… Eles tiveram a oportunidade de morar em uma casa que foi liberada por um senhor, que era caseiro de várias residências, o Camargo. Meu pai e minha mãe limparam a casa, abriram um caminho no meio do mato, porque a casa era coberta de mato…  E aí a gente começou a morar.

As grandes dificuldades da época eram as enchentes, porque a casa era dentro de um brejo e o número de cobras era muito grande, todas as cobras comuns na espécie brasileira existiam no quintal, esses eram os grandes perigos, também, tinha a escassez de alimentação e deu essa dificuldade da gente se estabilizar no local na época… de ter segurança pra morar no local… é o endereço que eu vivo há 41 anos.

2 – E a história de você ter ido morar na rua com apenas 8 anos de idade, por quê?

Com seis anos de idade meu pai já me dava cachaça. Aos oito, eu já tomava cachaça pura, quase todo dia, também por causa da escassez de alimentos. Então, dali eu me viciei. Um dia eu acordei e perguntei pra minha mãe se tinha café pra tomar. Ela disse que não tinha e mandou eu pedir dinheiro pro meu pai… Eu fui pedir dinheiro pro meu pai… Ele me disse pra eu levantar da cama e trabalhar… Que vagabundo não tem que ficar pedindo nada pros outros… Construí um carro de catar lixo e fui trabalhar… Fui pra rua arrumar emprego. Eu pedia de porta em porta oportunidade pra limpar o quintal por troca de um prato de comida. Nesse momento, eu saí da minha casa pra catar litro, lixo, lata, pra limpar quintal… Daí então desde 8 anos eu não voltei mais… Consegui sobreviver até a data de hoje… O álcool deixava meu pai violento, não chegava espancar os filhos, mas minha mãe tomou muita porrada na nossa frente.

3 – Narra, em síntese, as grandes dificuldades que você passou na vida e o que a rua te ensinou?

A rua é um local escuro e sombrio. A rua me ensinou muita maldade, a rua me ensinou coisas difíceis… Cara, é até difícil pra falar, porque viver todo esse momento de novo é complicado pra mim.

Mas ela também me ensinou atos de resistência: acreditar em mim o tempo todo, tá preparado pras bandas que a vida te dá… O processo político, espiritual, intelectual, a rua me ensinou todo esse procedimento. Já morei dentro de um carro, durante 1 ano e 9 meses, fui criado na ripa, na porrada… Já peguei 36 enchentes na minha casa, onde hoje é a minha academia… Eu sou um diamante da lama.

4 – E na adolescência, houve mudanças, repetições, como foi?

Na fase de adolescente morei na rua, mexi com drogas… Trabalhei de catador de lixo até os 16 anos, até eu me encontrar com meu serviço de copeiro, na Cabana do Luiz e depois de garçom, aos 18 anos. Aí pela primeira vez eu fui ser ajudante em uma empresa. Hoje sou soldador, caldeireiro, professor de artes marciais, incluindo a capoeira, e educador social. Viajo ministrando palestras com temas comportamentais (dependência química).

No centro da foto, o Mestre Nikimba ministrando palestra. À esquerda, a Angoleira, discípula do mestre. / Foto: Divulgação.

5 – Agora, me tira uma dúvida. Tudo isso acontecendo em sua vida, mesmo já ingresso na capoeira, certo?

Comecei na capoeira com seis anos de idade. Me tornei Contramestre na capoeira de cordel, entre 1985, até no comecinho dos anos 2001. No meu grupo, o meu primeiro cordel foi verde. Quem me tornou mestre em capoeira foi o Me. Marzinho, do grupo Brasil das Gerais, sede em Belo Horizonte.

Eu comecei a dar aula desde a época de Contramestre, 1999. Em 2000, eu já dava aula na rua, dentro de um projeto Bambas de Rua, como eu não tinha lugar para dar aula, por isso o nome Bambas de Rua. Acontecia nos campos da comunidade que tem lama, barro cru, em Feu Rosa. Era o Me. Bicudo, veio da Bahia… pegava as crianças da comunidade e colocava na capoeira… por isso a capoeira se torna uma explosão mundial, ela cabe em qualquer lugar.

 6 – E sua vida como mestre, quais são seus feitos?

Montei o Centro Cultural Esportivo Kasca Grossa, aqui dou aulas de diversas artes marciais, inclusive a capoeira. Também atuo com um projeto social na Escola Leonel Brizola, no bairro das Laranjeiras, Jacaraípe, e supervisiono o trabalho que a Angoleira (minha aluna) realiza em dois lugares.

7 – Você gosta muito da musicalidade na capoeira; o que a música indica numa roda entre os capoeiristas?

Dentro da capoeira existe algumas influências musicais muito importantes. Quando você chega na roda de capoeira, que têm capoeiristas experientes, na própria forma do mestre cantar, ele já está dizendo se a roda vai ser de paz ou de guerra. Às vezes dois capoeiristas se chocam na roda, aí o mestre, com o berimbau, manda uma letra pra jogar água na fogueira com a musicalidade. A música tem uma influência muito grande na roda com que ela quer que aconteça. O mestre não quer uma luta, aí ele pode cantar: “Oh, dona Alice, não me pegue não. Não me pegue, não me amole, não me ponha a mão!” O mestre tá dizendo, claramente, que não quer ninguém se encostando.

Mas se um desrespeitou o outro, ele canta: “Olha quebra gereba, quero ver o pau quebrar”. Isso é uma música que diz que pode ter a luta de confronto.

A música influencia a roda de capoeira. Antigamente, um cara que chegava de fora e quisesse chegar batendo, aí cantava a música: “Voa baixo pardal, aqui não é o seu quintal. Oh, voa baixo pardal…” Pro cara se ligar! Tem outra: “Bate no peito direito que ele não levanta mais, bate no peito direito que ele não levanta mais, quando é dada com jeito, vê se derruba o sujeito que perturba nossa paz. Olha o quebra gerebra”. Ou seja, alguém chegou na roda pra brigar, cantam essa música pra tirar ele na pancada. Então as músicas têm essas influências. Como hoje, na explosão da musicalidade, existem uma série de músicas maravilhosas que incentivam a prosperidade, o amor próprio e a amizade.

8 – A capoeira é um instrumento de resistência diante dos opressores, isso faz parte de sua origem. Sua visão?

A capoeira quando foi criada, com o sentido de resistência, de autodefesa, ela criou para dar para o negro, no nível mais profundo, o grito de liberdade. Então, se a capoeira é luta, eu me exercitando me torno um cara forte fisicamente, me torno um cara resistente mentalmente. Meu espírito fica preparado, meu corpo fica preparado, minha alma fica preparada.

Nesse sentido, a capoeira, diante de toda a fragilidade da época da escravidão, ela vem como uma válvula de escape. Ela veio pra que o negro viesse ter oportunidade de defesa, de força, de liberdade, de crescimento. E é claro, que ela acabou se tornando uma potência onde o mundo inteiro ama e se inspira. Ela tá em mais 170 países e é a única cultura real do Brasil no mundo todo. Se você treinar karatê, vai ter que aprender a falar japonês; o Muay Thai, em tailandes, isso tô falando aqui no Brasil… E a capoeira é a única modalidade no planeta, que qualquer pessoa que vai praticar, tem que aprender tudo em português.

A maior informação cultural do Brasil é a capoeira. Não se aprendi capoeira em outra língua, a não ser em português. Pra vir na nossa casa, aprender da nossa cultura, falar a nossa língua, pra cantar nossas músicas, pra entender o que se fala, pra desenvolver na casa deles. Por isso ela se torna uma potência.

9 – A capoeira como pedagogia social e desenvolvimento humano, aqui no Espírito Santo, o que você tem a dizer?

A capoeira é uma grande ferramenta pro crescimento mental, cultural e técnico das pessoas. Porque a capoeira é uma entidade que não tem preconceito. O branco, o negro, o homem, a mulher, a criança, o cadeirante, o mestre, o gay, o religioso, o ateu. Todo mundo pode praticar capoeira. Manter essa cultura dentro do Estado é uma ferramenta importante pra além de inclusão social, principalmente, de educação, disciplina, amor incondicional, amor próprio.

Eu tenho a capoeira como uma ferramenta nítida, além de autodefesa, também como resistência. Porque foi a capoeira que me fez tornar faixa preta, foi a capoeira que me inspirou a ter um projeto na rua, foi a capoeira que me inspirou a treinar até virar mestre, foi a capoeira que me ensinou a quebrar a minha casa e construir minha academia, ser o cara que sou hoje na arte marcial.

Posso dizer que a capoeira capixaba está entre as melhores do mundo e mistura com os mestres da Bahia. Um é da capoeira de Angola, o outro, da Regional, mas quando o berimbau toca, todo mundo se une. Eu uso a capoeira como a maior ferramenta que eu tive para evolução humana. Eu passo isso pra frente, formando capoeiristas, que passam a cultura e para engajamento no mercado de trabalho.

Cerimônia de batismo do Mestre Nikimba. / Foto: Divulgação.

10 – Observei que sua academia é construída com cinco colunas, em que cada uma delas tem uma frase. Me conta essas frases, por que e como fazem parte da sua vida?

O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza e o meu libertador: é porque espiritualmente eu sou movido por alguma coisa, um Deus que me amou, que me salvou. Quem leva a religião pra capoeira, é o capoeirista. Capoeira não é coisa de macumbeiro, de evangélico; é patrimônio da humanidade. A capoeira é uma roda de crença.

Não ame de palavras, ame de atitudes e de verdade: é porque tem muita gente falsa. A capoeira tem um processo de falsidade, porque foi criada dentro das maltas no processo de malícia. Eu vivi isso na capoeira, as pessoas baterem nas minhas costas e não serem meus amigos.

Ora, a fé é e a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos: é pisar em uma coisa que ainda não vi. Eu vou porque Deus vai colocar algo na minha vida pra eu crescer.

É melhor ser verdadeiro e solitário do que viver em falsidade e estar sempre acompanhado: um mestre que cria discípulo ele nunca tá sozinho.

O fraco reclama e fica inerte, o guerreiro faz e transforma: ela fala, claramente, na minha vida. Se eu fosse um cara fraco eu tinha morrido nas drogas aos 8 anos de idade.

Tudo que eu tenho… minha moto, minha academia, meus alunos, meus cursos, nunca ninguém me deu nada, tudo eu conquistei com base em muito trabalho, esforço e muita luta. O mestre tem que ter a capacidade de tomar porrada e ficar em silêncio sem destruir ninguém. Esse silêncio é duro. Viver essa guerra é difícil.

11 – Mestre, de tantas coisas que conversamos, gostaria que encerrasse com sua opinião quando fala dos impostores na capoeira.

Tem uma turma que usa a capoeira apenas pra ganhar dinheiro. São os caras que se aproveitam de editais, verbas, de alguém que só que ir lá conhecer, mas não querem passar a oralidade da capoeira, a verdade da capoeira. Aqui, na minha academia, tem o incentivo a oralidade. Vou montar uma biblioteca com 2 mil livros com histórias sobre a capoeira, histórias de lutas, de guerreiros, já tenho vários livros.

Também vai ter uma videoteca; aqui já funciona o Cine Capoeira… já passei a história do Mestre Bimba, como começou a história da capoeira Regional.

Então, dentro da capoeira tem os impostores. Te enganam. Falam que a capoeira é só um jogo… Aí você vai lá em São Paulo e quer entrar na roda e a galera te ‘come no pau’, porque ninguém te avisou como é que funciona. Capoeira é luta e tem a parte real. Se for lá no treino do Mestre Camisa, no Rio de Janeiro, lá existe um treino da emboscada. O treino é feito na madrugada, às 3 horas da manhã, os capoeiristas entram pra mata e rola um treino de emboscada. Você aprende a lidar com a situação de risco. Então é isso… a capoeira é um mundo.

“A academia do Mestre Nikimba, “Kasca Grossa”, é localizada em Jardim Atlântico, Jacaraípe. / Foto: Divulgação.


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