(Imagem capa: Brasil Escola – UOL).
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Por Samuel J. Messias – Prof. Convidado na Florida University – USA.
Diversas pautas identitárias têm sido discutidas pela sociedade, em grande parte, catalisadas pelos movimentos sociais. Reforma agrária, debates étnico-raciais, luta por moradia digna nas cidades, combate à violência doméstica contra mulheres, identidade de gênero e sexualidade, debates sobre educação cidadã, entre outros.
Nesse cenário, abordo questões relacionadas à educação e aos movimentos sociais, entendidos como espaços promotores de reflexões sobre cidadania e propositores de novos formatos na prática educacional.
A história dos movimentos sociais remonta de muitos séculos e é pautada por lutas que têm dado voz a tantos silenciados. Ao longo da história, os indivíduos se agregam em busca de objetivos comuns e mais do que isso, se organizam para reivindicar direitos que lhes são negados por um sistema político, econômico e social, regido por um padrão ético e moral sectário, que não reconhece a existência de diversos sujeitos e suas demandas específicas.
Há várias teorias que demonstram seus aspectos intrínsecos ou formativos, composição, organização e/ou objetivos e que os reconhece enquanto força coletiva que busca redistribuir ou mesmo modificar as condições de subalternidade em que diversos sujeitos são encerrados, sem benefícios mínimos que, em regimes democráticos justos, deveriam ser garantidos a todos e não ser privilégio de alguns grupos.
Na dimensão política desses regimes são criados órgãos administrativos para legislar ou implementar ações de interesse geral sobre direitos individuais ou coletivos de natureza civil ou penal, moradia e propriedade, e tantos outros aspectos que compõe o corpo normativo legal. A educação é um desses temas e possui bases curriculares definidas, diretrizes, objetivos e ações, além de metas de resultado aferidas por meio de avaliações periódicas.
Quando se fala em educação, não se pode ignorar que ela é multifacetada e não está restrita ao aprendizado formal dos conteúdos curriculares de cada disciplina, ela rompe barreiras e possui íntima relação com o campo da ética, da cidadania e da humanização.
Diante desse contexto, não se pode ignorar que a política educacional institucionalizada no país ainda permanece integralmente voltada ao padrão de aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes para atender demandadas instrucionais do mercado de trabalho, por meio de comandos gerais desconectados com as realidades dos sujeitos.
O valor maior dos movimentos sociais é restabelecer a autoestima de indivíduos que já haviam desistido de lutar por dignidade e que, sozinhos, não conseguiriam mudar essa situação, uma vez que o capitalismo precisa dessa base oprimida pra manutenção daqueles que estão no topo da pirâmide. A educação é um dos mais poderosos instrumentos de luta por transformação, ainda que as mudanças ocorram de maneira lenta, ainda que contínua.
Educação formal e informal: reflexões sobre o exercício da cidadania
A educação enquanto base instrumental para aquisição de conhecimentos formais é amplamente aceita e difundida, porém, cabe reflexão sobre as implicações que causa sobre o indivíduo quando ele retorna ao seu ambiente de vivências, uma vez que, em grande parte, essas vivências não dialogam com o que é expresso no currículo oficial de base comum. Além disso, a educação formal não reflexiva sobre direitos, base para o exercício da cidadania, contribui para manutenção de privilégios de uma pequena elite.
Buffa, Arroyo, Nosella (2003) apresentam uma discussão extremamente necessária a respeito da “tese da imaturidade das camadas populares”, utilizada ao longo do tempo, por diversos governos, inclusive liberais do império e grande parte dos ditos progressistas atuais, como justificativa para que seja negada, àquelas camadas, o exercício da cidadania, ressaltando que lhes é negado, em última análise, a própria humanidade. Segundo os autores, a “falta de educação” é utilizada pelas elites como uma maneira de manter a subalternidade desse imenso contingente populacional.
A tese da imaturidade e do despreparo das camadas populares para a participação e para a cidadania é uma constante na história do pensamento e da prática política. Os longos períodos de negação da participação são justificados porque o povo brasileiro não está ainda educado para a cidadania responsável. (BUFFA; ARROYO; NOSELLA, 2003).
Arroyo (2003) afirma que “essa ênfase no peso político da educação está vinculada a opções políticas e a sistemas de pensamento mais globais que, ao longo de décadas, vêm orientando intelectuais, governantes e educadores em sua prática” e questiona a ênfase do educativo como mecanismo real de inclusão:
Tentar refletir sobre essas ideias e ideais é uma tarefa necessária, em primeiro lugar, para entender em que medida a forma como vem sendo colocada a relação entre educação e cidadania está contribuindo para garantir a cidadania dos trabalhadores, ou, ao contrário, está contribuindo para justificar e racionalizar sua exclusão. (ARROYO, 2003).
Freire (1987) também aponta a manipulação das elites para impedir que as massas se organizem e comecem a pensar. Ele nos diz que apenas com o entendimento do oprimido, de que precisa viver para si, a tomada da consciência se dá, com o entendimento de que ele também pode ser sujeito.
Se as massas populares dominadas, por todas as considerações já feitas, se acham incapazes, num certo momento histórico, de atendar a sua vocação de ser sujeito, será, pela problematização de sua própria opressão, que implica sempre numa forma qualquer de ação, que ela poderá fazê-lo. (FREIRE, 1987).
Se por um lado houve esse descortinar da lógica elitista em manter essas camadas longe das tomadas de decisão, também é possível perceber um movimento de organização em torno de pautas já tradicionais, como reforma agrária e racismo, e o surgimento de novas e heterogêneas lutas, em grande parte, fomentadas pelos movimentos sociais.
Os movimentos sociais, à revelia dessa falsa imagem que lhes é imputada, das perseguições e do desaparecimento de seus líderes, se renovam e continuam revolvendo velhas estruturas arcaicas, para dinamizar e trazer à tona demandas que, por muitos anos, não fizeram parte das agendas sociais e, principalmente, políticas. Daí a importância em pesquisar e compreender a relação que pode se estabelecer na discussão entre educação e movimentos sociais, a partir das experiências educativas concretas.
De acordo com Buffa, Arroyo e Nosella (2003) destacam a importância pedagógica dos movimentos sociais ao trazerem temas que não são integrados aos currículos formais das instituições de ensino, explicitando que “não é temerário supor, que essas mobilizações agiram como pedagogas nos aprendizados dos direitos sociais, especificamente do direito à educação”.
Por fim, essa nova forma de pensar permite às camadas populares não acreditarem na “boa vontade” do governo e a passar a entender o fruto de suas lutas não como favor, mas como direitos.
*O texto é de livre pensamento do colunista*
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