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Entrevista/Capoeira ES
Por: José Salucci – Jornalista e diretor do Merkato
O Merkato finaliza a lista de entrevistados feita na cobertura do “3º Encontro Estadual de Salvaguarda da Roda de Capoeira e Ofício das Mestras e dos Mestres de Capoeira no Espírito Santo”.
Realizado em 31 de janeiro a 02 de fevereiro, deste ano, em Cachoeiro de Itapemirim, no Hotel Caiçara, o evento reuniu detentores da capoeira, além de agentes culturais, com o intuito de formular o Plano de Salvaguarda do bem cultural no estado do Espírito Santo.
Apresentamos a você, leitor, um capoeirista extraordinário! Resiliente, resistente, persistente, proeminente, pragmático, dedicado, disciplinado, apaixonado pela capoeira.
Sua história é de predestinação na capoeira. Ela o salvou de um mundo sem perspectiva, onde ele apenas sobrevivia. A capoeira o redimiu! O educou, sendo seu pai e sua mãe, como narrou durante a entrevista. E, depois o abençoou para entrar, não só na “roda da vadiagem”, mas na ‘roda da vida’. Esta que o amassou, por ser rejeitado pelo próprio pai por praticar capoeira. A vida que despreza, é a mesma que acolhe. Foi acarinhado e forjado pelo trabalho do Grupo de Capoeira Beribazu, através dele recebeu a benção de ser mestre. Em dias atuais, seus múltiplos alunos são as evidências dos frutos de uma árvore que tem raiz.
Conheça um pouco da história de Jorlan Madeira Coelho, 41 anos de idade, tempo de prática na capoeira quase 30 anos. Mestre formado em julho de 2024, ainda está absorvendo a responsabilidade e realidade de ensinar, de orientar e, também está tateando o aprendizado de ser guardião da memória dos detentores do saber da capoeira.
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No 3º Encontro Estadual da Salvaguarda da Capoeira ES ficou de olhos e ouvidos bem atentos nos Grupos de Trabalho (GTs). Homem de pouca fala, mas de muita observação, disse à reportagem o sentimento de ter participado do grande evento do Plano de Salvaguarda, que contou com a presença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
A entrevista foi uma catarse para Jorlan, que rasgou o coração e falou do preconceito que sofreu de seu pai desde a adolescência por ser capoeirista. Choveu lágrimas de seus olhos ao falar do sentimento pela mãe (em memória); da esposa Ana Paula; de seu filho Guilherme, que em muitos casos Jorlan o carregou no bebê conforto para poder ministrar aulas de capoeira, deixando o menino no canto da sala. Também se emocionou a falar de um amigo que o ajudou a custear a faculdade de educação física e, claro, do amor que senti pela capoeira.
Leia a entrevista e se emocione!
1 – Mestre Jorlan, me conte sua primeira experiência com a capoeira?
Meu primeiro contato com a capoeira foi em 1997, com uma visita que o meu irmão fez, aqui, no Espírito Santo. Ele já era capoeirista, havia mais de 8 anos que eu estava sem vê-lo. Ele morava em Brasília, pertencia ao Grupo Beribazu. Quando ele veio passar férias aqui, veio para um evento de capoeira do Beribazu, então me ensinou os primeiros passos da ginga nessa época.
Ele foi meu primeiro professor de capoeira… Eu era um adolescente periférico, do bairro Mucuri, em Cariacica… um bairro com muitos conflitos… não tinha muita perspectiva, né! Morava eu, meu pai e minha mãe. Meu irmão voltou para Brasília e eu resolvi entrar na capoeira lá do bairro, que acontecia na escola.
2 – E o desenrolar de sua história na capoeira?
Bom, a minha convivência com meu pai tinha alguns conflitos e pouco tempo depois, coisa de um ano, eu fui embora de casa. Devido a esses conflitos, fui embora para morar em Brasília com meu irmão. E aí fiquei dois anos lá com ele no Grupo Beribazu… Meu irmão vivia de capoeira… dava aula de manhã, de tarde e de noite, e eu o acompanhava em todos os lugares que ele ia. E aí foi o início verdadeiramente da minha trajetória na capoeira.
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3 – E na volta ao Espírito Santo? Me fala do seu sentimento pela capoeira, um pouco mais de sua trajetória.
Quando eu voltei de Brasília, um lugar assustador no movimento da capoeira, eu voltei pilhado pra fazer capoeira. Meu irmão me indicou o professor Carlinhos, era um dos professores do Grupo Beribazu, ele tinha uma notoriedade no cenário da capoeira, mas depois abandonou a capoeira. Então, eu busquei o Mestre Fábio, no ano de 2005, para passar a ser o meu orientador, porque na capoeira existe a questão de hierarquia, né! Você só pode ter ascensão se tiver sob a orientação de alguém.
Desde então, a capoeira foi me guiando. É aquele norte que eu não tinha na adolescência e juventude… Eu estava respirando muito capoeira… treinando muito… vislumbrado com o mundo da capoeira.
Quando eu saía do trabalho, ia direto para aula de capoeira… As crianças estavam me esperando… foi quando começou o meu processo de docência. Eu sentia a necessidade de estudar porque os meus alunos já eram alunos adolescentes que já estavam no ensino médio, e eu tinha sétima… oitava série, já com 20 anos. Então fui incentivado pelos meus alunos a voltar a estudar.
Nessa época, a gente tinha um trabalho informal de capoeira no bairro, porque eu ainda não tinha a graduação de professor. Como eu tinha essa necessidade insaciável… Onde eu morava tinha um pequeno galpão que a gente limpou e começou ali com essas crianças na rua. Só que o espaço foi ficando pequeno, as crianças foram gostando, foram chegando e daqui a pouco tinha 20 crianças numa sala de 5 por 5. Os alunos pediram pra gente ir pra outro lugar, eu tinha muito medo porque eu não tinha graduação, mas fui. É uma coisa da capoeira, né? Enfrentar os problemas. Ser subversivo, vamos dizer assim. E fomos. E aí o trabalho se ampliou.
Nessa do trabalho ampliar, os meus alunos já entrando na faculdade, o Eleandro e outros, com apoio dos meus amigos mais velhos da capoeira, como o Mestre Fábio, eles me incentivaram muito a fazer um curso superior. Inclusive, um desses amigos pagou minha faculdade por uns dois anos. (disse chorando)
4 – Mestre, você disse que sofreu preconceito da parte do seu pai por praticar capoeira, conte essa história.
Eu continuei com o conflito com meu pai. Então, quem era meu apoio de casa era minha mãe. E para o meu pai, a capoeira era coisa de vagabundo.
Nisso, os amigos, o Mestre Fábio, me apoiaram e disseram que as portas iriam se vai abrir… Foi bem divisor de águas… Eu não tinha perspectiva nenhuma. E esse amigo me ajudou a pagar a faculdade por dois anos… Eu fui morar sozinho… Só tinha a cama na casa. (disse chorando).
5 – Uma pausa para respirar… Com tanta dificuldade, como era sua vida financeira?
Eu trabalhei em supermercado, trabalhei em depósito, trabalhei na Ceasa… A capoeira foi muito forte pra mim. (ainda chorando)
Comecei a fazer educação física e logo arrumei um estágio. Dei aula em uma escola e lá eu pude ministrar a capoeira.
6 – O que é a capoeira pra você?
Eu digo que a capoeira foi muito forte para mim, né! Porque tem esse peso. Pagou minha faculdade, me instruiu no mundo. Eu segui… formei… as portas de trabalho se abriram. Me formei em bacharel em educação física, em 2017.
Depois dei continuidade aos trabalhos. E a gente alimenta essa paixão. Às vezes eu digo que não sei nem o porquê que eu estou na capoeira. Mas parece que não precisa nem de motivo, ela por si só já me guia e me direciona… O que eu tenho de valor é a capoeira, assim… A gratidão por ter conhecido, por ter ingressado nesse caminho com boas pessoas que me orientaram no caminho. Um caminho que não foi fácil. Precisava de estudar, de viajar, de treinar, de ministrar aula, evoluir enquanto ser humano, né! Então, “a capoeira é meu pai e minha mãe”.
7 – Diante dessa história sentimental, gostaria de expressar algo mais sobre sua família?
Quando eu fui morar sozinho, no primeiro dia, quando eu abri a porta, logo cedo, pra sair pra trabalhar, minha mãe já estava me esperando com uma marmitinha. Isso se repetia todos os dias. (disse em prantos)
Eu tenho uma gratidão imensa pela minha mãe, porque ela acreditou em mim.
Eu tinha um cargo de recepcionista em uma empresa terceirizada dentro do Ministério da Fazenda. E aí, eu muito aventureiro, ia de bicicleta para ganhar um preparo para capoeira, saía de Mucuri para ir ao Centro de Vitória. E minha mãe era a primeira pessoa que eu vi pela manhã, sabe? Eu saía 06 horas para ir de bicicleta, minha mãe estava lá com uma marmitinha, sacou? (riso e choro)
E eu ouvi várias vezes a crítica do meu pai de que eu era vagabundo, né! E a força da minha mãe, que já era uma idosa, aquilo era impagável. E aquilo me dava energia para continuar. (disse chorando copiosamente)
Minha mãe já tinha 70 anos… E a gente permaneceu, cara! Insistiu. Continuei trabalhando e aí a minha vida passou a ser de capoeirista e com o curso de educação física algumas portas na área também se abriram nesse tempo.
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8 – Bom, depois de tantas lágrimas. Vamos falar do evento. Qual a sua opinião desse Plano de Salvaguarda da Capoeira do ES, onde foi discutido as atribuições da mestria?
Eu não tive uma boa base educacional na adolescência. Sempre gostei mais da prática do que teoria (sic). Agora, eu tenho uma outra responsabilidade, a qual ainda estou me acostumando: ser mestre. Então, eu me preocupava muito em dar uma boa aula, em ser um bom de capoeira.
Eu entendi que eu preciso de fazer parte de um dos movimentos que se preocupam com os mestres, seja os mestres antigos, até mesmo para você, e para os que virão depois de você. Então, assim, são movimentos necessários para que a gente consiga melhorar a qualidade final, principalmente, da vida dos mestres.
A gente tem vários relatos sobre mestres que morreram à míngua, sem ter condição nenhuma de ter nenhum caixão. E, não é isso que eu quero, nem para mim, nem para os mestres que virão depois de mim.
Então, são encontros como esse, que nós, enquanto mestres, como capoeiristas, precisamos de participar, contribuir, ouvir e aprender para que a gente deixe algo melhor para o presente e o futuro.
9 – E para àqueles capoeiristas que ainda continuam com o preconceito de participarem de ações teóricas, debater a ciência da capoeira; o tem a dizer?
Infelizmente, essas pessoas vão ficar para trás… Porque é um moinho. Ele acontece, ele tá girando e se você não está na engrenagem, você vai ser amassado. Você vai perder oportunidades, vai perder entendimentos necessários… o conhecimento. Então quem está fora, vai ter maiores dificuldades de entender o porquê que as coisas estão acontecendo, o porquê que a capoeira tem que ter certas ações.
Então, é importante os capoeiristas se conscientizarem de que é algo que precisa da contribuição de todos.
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