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21 de novembro de 2024

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A cultura do congo em João Neiva

Apresentação da "Banda de Congo São Benedito de João Neiva", na festa Rota dos Queijos, em João Neiva. / Foto: Divulgação.

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Cultura/Música
Por: José Salucci – Jornalista

O congo é uma cultura genuína capixaba, e no município de João Neiva, essa tradição passa de geração em geração. A “Banda de Congo São Benedito de João Neiva”, que teve início no bairro Triângulo, na década de 50 do século XX, continua com desejo vivo de bater tambor, fincar o mastro e reverenciar o santo São Benedito.

As personalidades João Feu e Manuel do Congo (ambos em memória) são figuras pioneiras representantes da cultura do congo na pacata cidade, cada um criou uma banda de congo, conforme conta Maria Isabel Barreto do Santos, atual presidente da Associação da Banda de Congo São Benedito, do bairro Cruzeiro, em João Neiva. “Eles apresentavam do jeitinho deles, né! Com os componentes em dias de domingo, aí fazia aquela roda ali, convidavam as pessoas, e ali estavam fazendo a alegria com os tambores”, disse a presidente.

Puxada do mastro no bairro Cruzeiro. De camisa branca, Maria Izabel, ao seu lado Rosalina de Oliveira. O menino na foto é neto de Maria Izabel. / Foto: Divulgação.

Com memórias afetivas, Maria Isabel narra a história do começo do seu amor pelo congo. Seu pai, Cândito Barreto, tinha o hábito de levar Maria (sua filha), para os cortejos, festejos e derivadas apresentações da “Banda de Congo São Benedito de João Neiva”. À época, João Feu, seu Cipriano, sua esposa Dona Rosa, juntamente com o filho do casal, José Carlos, famoso Pé Sujo, exerciam o movimento de vanguarda do congado joãoneivense.

De acordo com os relatos da atual presidente, João Feu, à época, por estar com idade avançada resolveu colocar alguém de sua confiança em seu lugar. “Ele convidou meu pai para assumir a banda, doando a Banda de Congo São Benedito para a comunidade do bairro Cruzeiro. Então, meu pai, juntamente com seu Cipriano e Dona Rosa, pegaram os instrumentos e trouxeram para a comunidade Cruzeiro. Outra figura importante era o Clovis Corrêa, pai do Celso (atual mestre da banda), então trouxeram a banda para o bairro Cruzeiro, junto com os componentes”, narrou.

Em um momento importante dessa história, tempo que os instrumentos eram pesados, por serem de madeira maciça, as correias atravessavam o pescoço dos homens que batiam os tambores. Com a ajuda do poder público, novos instrumentos mais leves foram adquiridos. Mas o amor pela cultura do congo não fazia peso no coração de quem é estandarte no pleito à cultura. Fica registrado na história e para aprendizado à nova geração que, toda tradição tem seu valor, suor derramado e persistência no trabalho.

Seguindo o momento histórico do congo joãoneivense, seu Cândido Barreto convidou Dona Rosa para ser rainha da banda e Dona Pastora de Oliveira, a primeira rainha. Esta tem 93 anos de idade, atravessa um quadro de saúde debilitado, por isso não pôde gravar entrevista, porém com um suspiro apaixonante, cantou um trecho de uma música de congo de sua época, gravado por áudio pela sua filha, Rosalina de Oliveira, que enviou para a reportagem. Nesse momento, Dona Pastora, com a voz obstruída mostrando fraqueza na fala, mostrou força na memória quando cantou.

– “A caiana está madura, morena vamos moer. Eu não tenho coração de ver caiana perder”, cantou um trecho musical de congo, a rainha imortal da banda de congo de João Neiva.

No momento do canto, sua filha emocionou. “Minha mãe deixou um legado muito grande pra nós. É com muito orgulho que a gente carrega o estandarte de São Benedito nas festas. Minha mãe e Dona Benedita estiveram presentes na música de lançamento “Madalena”, de Martinho da Vila, lá na Barra do Jucu”, contou Rosalina.

Ponto de Cultura

A história do congo de João Neiva está sendo registrada nesse momento, o patrimônio imaterial, que é o congo, ganha vida historiográfica a partir dessa narrativa nessa reportagem. O ministério da Cultura reconhece a iniciativa da “Banda de Congo São Benedito de João Neiva” como Ponto de Cultura a partir dos critérios estabelecidos na Lei Cultura Viva (13.018/2014).

Foto: Divulgação.

Rainhas

É comum no folclore a presença de reis e rainhas, no caso do congo, a rainha é o símbolo de majestade, que no sentido da cultura popular organiza as pessoas em torno de si, representa a oralidade da banda, a força das palavras, puxa os cantos, ou seja, a rainha se torna uma identidade local.  Entre as rainhas que ganharam espaço na “Banda de Congo de São Benedito de João Neiva” está Dona Aurora (em memória), do Bairro de Fátima, mãe do Naná. “Ela foi uma figura muito importante na nossa banda de congo”, conta a presidente.

O congo de João Neiva também contou com a majestade de Dona Benedita (em memória), uma senhora que faleceu com 104 anos de idade, representou a força da mulher na banda de congo. Outra rainha, a Dona Felizbela (em memória), a segunda rainha da banda de congo do bairro Cruzeiro, também deixou seu legado.

Em sequência dos relatos de Maria Izabel, ela comenta sobre as rainhas Dona Rosa e Dona Pastora. “E ali, essas duas, que eram as rainhas, animavam as mulheres e faziam a dança do congo, e os homens batiam os instrumentos. E a banda ficou aqui com a gente, como está até hoje fazendo a animação. Com o tempo veio participando de festas, não só aqui em nosso município, mas também fora dele, como em São Mateus, Colatina, Linhares, Fundão, Serra, Vitória e tantos outros lugares”, concluiu a presidente.

Rosalina, a testemunha ocular

Rosalina, dançarina na banda de congo e que, também faz parte da diretoria da Associação, é uma figura viva e testemunha ocular do som da casaca e tambor nas festas de João Neiva e onde mais a Banda de Congo São Benedito passou com sua caravana. Filha da Dona Pastora, recebeu da mãe a bandeira do congo como um estilo de vida.

A tradição do congo é patrimônio histórico imaterial. Essa cultura se firmou com os pais (primeira geração) levando seus filhos no congo. A segunda geração, que é a de Rosalina de Oliveria, Maria Izabel, Celso Corrêa e Clemar Corrêa, receberam de seus pais a educação de bater tambor, tocar casaca, levar a cultura adiante.

“Desde pequena minha mãe me levava, ali no bairro Triângulo, que era o seu João Feu que tinha uma bandinha de congo mirim, e o seu Manuel do Congo, também tinha. Depois, a partir dali eles juntaram esses instrumentos e passaram aos cuidados de seu Cândito Barreto”, conta Rosalina.

Ao certo, Rosalina não soube dizer o tempo exato do ano que tudo isso aconteceu, mas ela conta que o início da banda de congo se reunia num lugar coberto de palha, onde ficavam os animais. Nesse mesmo lugar acontecia a catequese. Tempos depois, construíram uma pequena igreja, doação de madeiras feita por uma famosa empresa. Após o término da construção, os padres vinham de fora celebrar a missa. Havia festa, teatro, muita animação, como relata Rosalina. Todas essas famílias e pessoas citadas na reportagem foram confirmadas por ela, uma em especial.

“O Celso sempre foi atuante no congo. Antigamente não tinha essa coisa de diretoria, os mais antigos se reuniam e levavam os filhos. Também participávamos nas escolas, nas festas da comunidade. A primeira rainha que conheci foi a Dona Benedita”, contou.

O trabalho das personalidades atuantes na banda de congo para dar sequência a tudo aquilo que a velha guarda construiu e criou, se consolidou na formação de uma diretoria, figuras como: Tarcísio, irmão de Rosalina; Joãozinho, esposo de Maria Izabel e Celso Corrêa, ex-presidente e atual mestre levam até o dias atuais a missão de fazer do congo m lugar de herança familiar e cultura capixaba; Rosalina disse. “Celso sempre foi pau pra toda obra, uma pessoa de confiança pra nós. De correr atrás das coisas, pra organizar som, ser o locutor; é Celso nas barracas, nas músicas… A gente pode contar com ele. E a gente tá aqui pra não deixar morrer a nossa tradição”, expressou.

Cortejo no bairro Cruzeiro com os componentes da “Banda de Congo São Benedito de João Neiva”. Na ocasião, foi realizado a fincada do mastro no pátio da igrejinha. / Foto: Divulgação.

O ritmo do congo não pode acabar

Nessa história cultural, o tempo passa. Ele que caminha para frente, deixa marcas e lembranças, a memória caminha para trás. E, é nesses dois termos: tempo e memória que, Maria Isabel expressou seu último recado para manter viva a chama do congo.

“A “Banda de Congo São Benedito de João Neiva” continua viva, porém com poucos componentes não é mais como era, teve uma época que, a juventude participava mais, hoje a gente vê que dispersou; muitos casaram; outros faleceram, como o Zé Carlos, que foi o capitão da banda de congo, um ícone da banda foi o Pé Sujo, ele foi uma figura que muito marcou a banda de congo, junto com o meu pai”, lembrou a presidente.

Com entusiasmo, fé e entendimento, Maria Isabel compreende bem a verdade do que é o congo, não só para João Neiva, mas também no cenário nacional. “O congo é uma cultura que a gente não pode deixar morrer. É uma cultura tão importante aqui no nosso município, é uma coisa antiga lá do passado, do tempo dos escravos, então por isso, a gente tem que festejar. Congo é raiz. Vamos continuar regando essa raiz”, completou.

Tradição Familiar

Componente da Banda de Congo São Benedito desde a infância, Clemar Corrêa carrega no sangue essa cultura. Seu pai, Clovis Corrêa (em memória), fundou a banda de congo mirim em João Neiva, então só podia crescer um capitão para guiar uma geração.

“Cheguei a ser mestre. Antes, a nossa comunidade Cruzeiro e Triângulo era muita animação, a nossa banda de congo sempre no auge, convidada para vários lugares, dentro do nosso município, como para fora, pena que, com o falecimento de vários componentes, que davam a vida pelo congo, e a mudança do povo da nossa comunidade para o bairro Crubixá, tivemos uma dificuldade para estarmos nos reunindo com aquela animação. Tenho muito orgulho, muito carinho pela nossa banda. Devido os meus problemas de saúde deixo o congo para meu irmão Celso Feu Corrêa e os demais participantes”, concluiu.

Levando o bastão nessa corrida cultural, o mestre Celso Corrêa, 55 anos, nascido e criado em João Neiva, atua há mais de 30 anos como funcionário público, além de ser músico e mestre na banda de congo e, também compositor de cantigas, é uma figura de base no quadro político-social do município na área da cultura, educação e agropecuária.

“Desde criança faço parte da banda de congo mirim, meu pai era mentor, o Clovis Corrêa. É uma satisfação muito grande está participando da banda como mestre. A banda de congo é uma tradição, a gente vem se mantendo, conseguimos recursos através de editais estadual e federal, com o apoio da Secretaria de Cultura de João Neiva e a gente se mantém como pode, trabalhando pra não deixar essa grande importância para o município e região”, disse Celso.

A “Banda de Congo São Benedito de João Neiva” já se apresentou na Festa da Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha; a Festa do Caboclo Bernardo, tradição em Regência; em Linhares participaram de desfile cívico, assim como em João Neiva. Também em Povoação de Linhares, Ibiraçu, Serra e em outras grandes festas.

Nova Geração

No meio de tanta tradição, a nova geração não poderia ficar de fora. Sophia Mazega de Freitas, sobrinha de Celso, testifica o quanto forte é o congo na família e na cultura joão-neivense. “Eu faço parte do congo de João Neiva. Tudo começou com meu pai e meu tio Celso, eles me passaram essa cultura maravilhosa e me ensinaram a importância de promover e persistir com a nossa cultura; eu sou apaixonada pelo congo”, disse a menina de 12 anos.

Tio (Celso Corrêa) e sobrinha. Júlia Mazega, irmã de Sophia Mazega.

A origem do congo
Por: José Salucci e Marina Filetti

A diversidade de raças e etnias que formam o Brasil, nos torna, também, o país de maior diversidade cultural do globo terrestre, e o estado do Espírito Santo recebe em seu solo essa simbiose cultural por meio dos italianos, alemães, pomeranos, indígenas e africanos. É nesse cenário plural de identidades culturais que resplandece o congo, um ritmo musical genuinamente capixaba, é uma representação autêntica dessa diversidade.

Ele reúne elementos da cultura negra e indígena nos instrumentos como tambores, cuícas e casacas, nos ritmos e na dança. A influência da religiosidade europeia aparece em seus jongos, músicas cantadas nas rodas e cortejos, muitos em homenagem a santos católicos.

Este patrimônio imaterial da cultura do Espírito Santo, tombado pela Secretaria Estadual de Cultura em 2014, é preservado por bandas formadas principalmente em comunidades do litoral e que se apresentam em festas religiosas como as de São Benedito, São Pedro, Nossa Senhora da Penha e São Sebastião. Os cortejos nas fincadas e retiradas de mastro, que acontecem no final e início de cada ano, costumam atrair multidões.


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