Em 1500, os portugueses chegaram ao Brasil trazendo sua cultura e sua língua. Em terras do Pau-brasil, depararam-se com o tupi, o macro-jê, aruak, arawá, karib, maku, tukano e yanomami, entre outras línguas faladas pelos nativos.
Depois, vieram os africanos, trazendo a alegria de seus “moleques”, a gostosura do “cafuné” e o ritmo gostoso do “samba”. Mais tarde, os italianos, franceses, árabes, também contribuíram com o enriquecimento de nossa língua e cultura. Trouxeram palavras novas, novos hábitos, novos jeitos e misturaram-se graciosamente ao povo que já havia aqui. Atualmente, o “selfie”, o “cofee break”, o “deletar”, colocam-nos em contato diário com o inglês, língua universal. Esse é o retrato dessa deliciosa miscelânea cultural chamada Brasil.
Sabe-se que nossa língua portuguesa se originou do latim e que a língua falada no Brasil é diferente da falada em Portugal. Numa língua que evoluiu a partir de outra e que, nesse meio tempo, sofreu influência de várias outras línguas, a variação é natural.
A língua é dinâmica e se adapta ao uso. Ela acontece num contexto de diversidade. E como ela é a manifestação de nossos discursos, conceitos e crenças, ela não deixaria também de ser diversa.
A língua portuguesa é dividida em português padrão e não-padrão. Padrão, também chamado de norma culta, é a mais valorizada porque é nela que a língua se apresenta pura, sem desvios ortográficos e gramaticais, portanto a língua dos escritores. A outra, a não-padrão, é aquela falada pelo povo. Ora, se padrão remete a modelo, significaria que o padrão é o modelo a ser seguido e o não-padrão é inferior?
Em tempos de globalização e grande valorização da informação e dos conhecimentos científicos, não há como negar a necessidade de os sujeitos se expressarem correta e objetivamente. Porém, isso não significa que a língua padrão seja a única variante possível e as demais devam ser desconsideradas. Língua é identidade e o povo se identifica com seu modo de falar, com suas gírias, seus dialetos. Desconsiderar esses falares significa perpetuar o preconceito linguístico. Marcos Bagno (1999) afirma que:
Por mais que isso nos entristeça ou irrite, é preciso reconhecer que o preconceito linguístico está aí, firme e forte. Não podemos ter a ilusão de querer acabar com ele de uma hora para outra, porque isso só será possível quando houver uma transformação radical do tipo de sociedade em que estamos inseridos (…)
Olavo Bilac, dizia amar a “última flor do Lácio”, mas reconhecia ser ela “desconhecida e obscura”. Drummond, atropelado por figuras de gramática, esquecido da língua do namoro com a prima, percebia que “o português são dois; o outro, mistério.” E Clarice Lispector, grande escritora, uma das melhores, declarou seu amor à língua portuguesa admitindo ser ela “um verdadeiro desafio para quem escreve”.
Desconhecida, obscura, misteriosa, desafiadora, essa é a língua portuguesa das gramáticas. A outra é a “Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”, segundo Manuel Bandeira.
Pensar na imposição de um modelo de língua em tempos de grandes transformações é inviável. A língua não é estática, nem é igual para todos os falantes. A língua é viva e dinâmica. Seu uso pode se dar de diferentes maneiras, em diferentes situações, por uma mesma pessoa, dependendo de seu objetivo ao usá-la.
**O texto é de livre pensamento da colunista**
Magda Simone Tiradentes – *Mestre em Letras pelo Mestrado Profissional em Letras (IFES). Experiência na docência de Língua Portuguesa (Ensino fundamental II), atua na Secretaria de Educação da Serra, com a Formação Continuada de Professores de Língua Portuguesa.