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Coluna Letrados/
Por: Sueli Valiato – professora de Língua Portuguesa e Literatura
Açucena desde criança observava tudo… Tudo ela queria saber. Perdia-se entre o que via e o que sonhava. Tinha o hábito de se deitar na grama verde do quintal de sua casa e esquecia-se do tempo, assistindo ao espetáculo das nuvens no distante céu azul.
Além das borboletas do jardim de sua avó, Açucena adorava olhar o rio que cortava o vale próximo a sua casa. Encantava-se ouvindo o suave barulho de suas águas, nos remansos, que formavam redemoinhos. Ela pegava uma folha de mangueira e sentava-se junto à barranca. Jogava a folha no centro do redemoinho e ficava assistindo a folha rodando, rodando, rodando, rodando, rodando…
De repente, com um impulso mais forte das águas, a folha se desprendia do redemoinho e descia levada pela correnteza. E Açucena seguia olhando, apreciando o movimento da folha sendo levada sem direção, pelas águas do rio. E sempre que Açucena via aquela folha descendo sozinha, levada pela correnteza, imaginava que aquela folha estava sentindo o que ela sentia, sempre que se percebia diferente das outras crianças que convivia. Muitas vezes, Açucena se sentia como aquela folha rodando, rodando no redemoinho de um rio…
Jogou outra folha de mangueira no redemoinho do rio e junto com a folha ficou rodando no redemoinho de seus pensamentos. Rodou tanto que foi parar numa noite muito escura, às margens de um grande rio de águas profundas e turvas. Foi quando apareceu um ser de luz, entregou a ela uma pequena caixa dizendo que aquele era um valioso tesouro e que não deveria abandoná-lo por nada. Não importava o quanto fosse difícil a travessia.
Açucena não era muito habilidosa em travessias de pontes estreitas. Mal sabia por onde seguiria. Temia desequilibrar-se e perder o seu tesouro nas águas turvas do rio. Mesmo assim, iniciou a arriscada travessia, quando uma estrela cadente riscou o céu. Neste instante, sentiu que o passo que deu se desfez no ar… A queda foi inevitável…
Sem saber nadar e, em meio a tanta água e na escuridão, desesperou-se, mas não soltou o seu tesouro. Debatia-se, ia ao fundo e voltava… Quando vencida pelo cansaço decidiu entregar-se as águas do rio e como uma folha que se desprende do redemoinho, foi levada para muito longe. Numa viagem solitária, silenciosa…
Açucena demorou muito para abrir os olhos, pois temia a terrível sensação de estar perdida na escuridão, de se ver sendo vencida pela correnteza, sem saber nela nadar. De repente, ela sentiu um toque leve que aqueceu seu rosto. Ela foi abrindo seus olhos len-ta-men-te… Primeiro um, depois o outro. O coração dela estremeceu ao ver que o rio a levara a uma praia lindíssima, de areia fina e branca, coloridas com algas de diferentes tons de verdes e conchas de variados tamanhos.
As ondas do mar formaram bancos de areia na foz do rio e Açucena começou aos poucos ter a sensação de encontrar terra embaixo de seus pés. Deixou as águas do rio e ficou assistindo ele se desfazer, à medida que se misturava ao imenso mar. Ficou extasiada com o que via. Era o lugar mais lindo que já tinha estado. Sentou-se na areia branca da praia e ficou olhando os siris que corriam em todas as direções, os pássaros que voavam contra e a favor do vento.
Lembrou-se de seu tesouro! Abriu a caixa e dentro dela tinha um pequeno pedaço de tecido com um nome bordado com fio de ouro. Tomou um enorme susto ao ler: Açucena!? E, vencida pelo cansaço, adormeceu olhando o balé das nuvens no céu e sentindo a brisa fresca que suavizava o calor dos raios do sol e lhe acalmava a alma.
Foi quando ouviu uma voz… Abriu os olhos subitamente e viu uma silhueta humana próximo a ela dizendo:
– Você está precisando de alguma coisa?
Ela só perguntou:
– Como soube que eu estava aqui?
– Eu vi quando você também caiu nas correntezas do rio em meio à escuridão!
Açucena sentiu sua alma encher-se de alegria. Já não estava mais sozinha! Acabara de encontrar alguém que assim como ela, havia vencido as águas turvas e profundas de um rio em noite escura.
O que aconteceu depois disso, eu não sei. Mas, me disseram que muitos veem, até hoje, as quatro pegadas deles, lado a lado, caminhando sempre na mesma direção.
*O texto é de livre pensamento da colunista*
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