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A quem serve a educação brasileira?

(Imagem: Profissão Atitude)

Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39.


Coluna Letrados
Por Sueli Valiato
professora de Língua Portuguesa e Literatura.

Caríssimo (a) leitor (a), nos últimos tempos,  tenho pensado muito e dialogado com os meus pares,  sobre  as contradições existentes entre os objetivos legais pré-estabelecidos para a educação e as práticas implementadas pelo sistema educacional brasileiro nas esferas nacional, estadual e municipal.

A Constituição Federal, em seus artigos 205 e 206, diz respectivamente que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.  E que o ensino será ministrado com base em princípios, que a meu ver são de altíssima relevância para alavancar o progresso da educação de nosso país, mas, que por ora destacarei apenas este: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, para dialogarmos sobre a dicotomia, cada vez mais evidente, entre os preceitos e as práticas, as políticas educacionais em todos os territórios de nossa nação.

Se temos esse princípio legal e legítimo, por que de acordo com o Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente de 12% da população brasileira vive no campo e 94,5% das matrículas do Ensino Médio estão localizadas em escolas urbanas?

Por que o quantitativo de jovens matriculados no ensino médio tem decrescido? Em 2023, foram registradas 7,7 milhões de matrículas, revelando uma queda de 2,4% em relação a 2022. E o maior índice de evasão e repetência da educação básica está no público masculino?

Esses dados mostram claramente que as políticas públicas de educação no Brasil destoam de seus princípios básicos. Isso decorre de ações que desrespeitam e/ou negligenciam o direito à educação, como a de inserir   um jovem de baixa renda e/ou um jovem do meio rural numa jornada escolar de tempo estendido, ou numa escola distante de sua residência,  ou com turno incompatível com o horário comercial, sem a adoção de  um programa de ajuda de custo (Bolsa), já que muitos desses contribuem  diretamente na manutenção de suas famílias.

Se esses são elementares na educação brasileira, por que entre 2020 e 2021, as maiores taxas de repetência e evasão no ensino médio atingiram, em sua maioria, as populações mais vulneráveis? Por que a  modalidade de educação escolar quilombola registrou o maior número de reprovações, com 11,9%,  seguida  da educação indígena (10,7%), a educação rural (5,2%) e a educação especial  (3,7%), conforme se verifica em publicação de um portal nacional de notícias, em 22 de fevereiro deste ano?

E mais… Como ficam esse índices perante o que está previsto nas alíneas “a” e “e”, do  inciso V, do artigo 24  da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN?  “A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos”.

E perante o que estabelecem os seguintes incisos do artigo 3º? II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a diversidade étnico-racial; XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida, XIV – respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva.

Ao contrário, o que se vê são instrumentos de controle e regulação padronizados sendo aplicados de forma cada vez mais intensa, focando exclusivamente o “aprender a conhecer”, culminando em processos de construção do conhecimento engessados, que não reconhecem as pedagogias que contemplam a formação/desenvolvimento integral dos educandos, comprometendo a liberdade e a boniteza do ato de ensinar e aprender a partir das vivências.

Como ficam as escolas que trabalham perspectivas pedagógicas não regulares, que contemplam o desenvolvimento integral dos educandos, que além do aprender conhecer, priorizam também aprender fazer, aprender a ser e aprender a conviver? Que organizam seus currículo a partir de temas geradores, com avaliações formativas, processuais, cumulativas?

Como fica a Educação do Campo, a Pedagogia da Alternância nesse contexto de simplificação, enquadramento, regularidade que se encontra a educação brasileira? Nessa perspectiva, onde está o espaço da pluralidade, da realidade, da singularidade dos territórios e da individualidade?

Pelos princípios regulamentos em leis, decretos, resoluções e pareceres, a educação brasileira com seus conteúdos, metodologias e avaliações, precisa considerar todas as potencialidades de cada educando: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para se comunicar­, dentre tantos elementos que compõe a integralidade do processo formativo do ser humano.

As escolas brasileiras não poderiam nem deveriam privilegiar o acesso ao conhecimento/informação, em detrimento das outras formas de aprendizagem, e, mais do que nunca, neste período pós-pandêmico, se tem a necessidade de conceber a educação como um todo.

Nesse sentido, faço uma citação extraída do livro “Educação: um tesouro a descobrir”, relatório da comissão internacional sobre educação para século XXI, enviado à UNESCO, em 1996, quando se instituíram os quatro pilares da educação: “Três atores principais contribuem para o sucesso das reformas educa­cionais: em primeiro lugar, a comunidade local, principalmente os pais, a diretoria das escolas e os professores; em segundo lugar, as autoridades constituídas; e, em terceiro lugar, a comunidade internacional”.

Com base nisso, encerro dizendo que na esfera nacional, desde de 1937, no Governo Vargas,  criou-se o INEP, com o objetivo de orientar políticas públicas em educação.  Em 1990 o SAEB,  iniciativa brasileira, em escala nacional, para se conhecer o sistema educacional brasileiro em profundidade. Em 2007 o IDEB, um índice que sintetiza, em uma escala de zero a dez, dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação.

Na esfera estadual, foi criado o Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes), no ano 2000, entretanto, foi  em 2009 que ganhou o formato e periodicidade atual e neste ano, se implantou o SAEV, que consiste em uma prova (objetiva e de fluência) realizada na rede educacional de cada município, a fim de  fornecer informações objetivas que auxiliarão na tomada de decisões sobre orçamento, políticas públicas e investimentos.

Ao longo desses anos, mediante a essas estratégias de verificação de resultados, o que se conquistou de fato em relação à qualidade da educação brasileira?  Não constrói  qualidade em educação somente com adoção de ações de controle  e regulação,  destoando, criando tensão entre os princípios da Educação Nacional e a prática educativa das escolas públicas brasileiras.

Sendo assim… Afinal, a quem serve a educação brasileira?

*O texto é de livre pensamento da colunista*


Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39.

Sueli ValiatoGraduada em Letras – Licenciatura Plena em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa, pela UFES; pós-graduada em Educação do Campo pela FANORTE; professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II, no CEFFA de Japira, em Jaguaré-ES, integrante da Coordenação Geral e da Coordenação de Plano de Curso da RACEFFAES. / Foto: Divulgação.

 

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