Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39
Cultura/Capoeira
Por: José Salucci – Jornalista.
A cultura da capoeira possui um discurso libertário. Houve tempos que a luta era contra a escravidão dos negros. Em dia atuais, a luta tem sido contra o assédio moral e sexual, que acontece nas rodas de capoeira, uma mazela que atinge não só a capoeiragem, mas diversas estruturas de relações de poder na sociedade.
Pensando em refletir sobre essa pauta, o Mestre Fábio Luiz e a Mestra Sabrina Abade, ambos educadores de capoeira no Grupo Beribazu, organizaram o seminário “O ofício da Mestra e do Mestre no enfrentamento ao assédio e condutas abusivas nas aulas, eventos e rodas de capoeira”. O encontro aconteceu no último sábado (07), na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e contou com mais de 30 grupos de capoeira do Norte e Sul do estado do Espírito Santo, além de capoeiristas da Grande Vitória. *O encontro fez parte da Valorização das Culturas Tradicionais – Edital da Secult 05/2023 – Prêmio Mestre Dona Astrogilda Ribeiro dos Santos.
O seminário teve abertura oficial às 9 horas, e possibilitou a construção da convivência mútua. Capacitou, informou e esclareceu os mestres, mestras, contramestres, contramestras, instrutores e professores, os quais estiveram presentes no auditório do Centro de Educação Física, na Ufes.
O Me. Fábio, 57 anos, professor de educação física, da cadeira de Lutas, trouxe reflexões em sua fala, onde orientou os educadores da capoeira que praticassem o diálogo das temáticas do seminário em seus grupos e destacou os seguintes assuntos: conflito x assédio; aceitação dos gêneros na capoeira e suas práticas nas atividades que envolve a roda de capoeira; punição que estimule justiça e não vingança, em relação ao ato de assédio contra à vítima; a missão, que refletiu ‘tolerar as diferenças e considerar o desconforto ou respeitar as diferenças e tolerar o desconforto’?. “O meu mestre fez assim, eu vou fazer assim. Uma aula mal dada eu posso aleijar a consciência dos meus alunos”, destacou o Mestre Fábio Luiz.
O capoeirista conversou com a reportagem e fez uma análise do seminário, e comentou a esperança que esse trabalho trouxe ao seu coração.
“Foi um despertar para a temática. Porque é uma temática atual, mas adormecida no meio da capoeira. É uma temática que já vem sendo discutida, uma situação social degradante que já existe em relação a mulher, mas só que estava adormecida, então acho que foi um despertar pra que isso passe a ser enfrentado pelos mestres, mestras e professores que aqui estiveram”, observou.
O mestre ainda explanou sobre a parte técnica do seminário. “A metodologia que foi utilizada, foi de continuidade e permanência, então eles receberam o material, que os orienta a continuarem. Então esse despertar, eu acredito que eles possam continuar e permanecer com esse enfrentamento dentro dos seus grupos”, pontuou.
Uma pauta que vai além da capoeira, o assédio moral e sexual está entranhado na estrutura social. A reportagem entrevistou a Mestra Sabrina, e perguntou o que ela pôde vislumbrar desse encontro.
“O fato de termos representatividades de mais de 30 grupos de Norte a Sul do estado já valeu o edital. Homens se disponibilizaram a vir até aqui pra gente poder refletir sobre o enfrentamento ao assédio, a gente já percebe à vontade, a necessidade dessas pessoas de mudar esse ambiente da capoeira. Então a quantidade de grupos diz muito sobre os valores que nós queremos daqui pra frente embutir no ambiente da capoeira”, narrou.
O seminário foi marcado com momentos de discussão, relatos de mulheres que foram assediadas moralmente e sexualmente no ambiente da capoeira, além de uma roda de capoeira no final do encontro, onde homens e mulheres se uniram em um mesmo espaço de cunho histórico e cultural, para fazer valer a pena a magia da capoeira: vadiação e brincadeira.
Todo esse cenário engrandeceu e fortaleceu o encontro teórico prático para os capoeiristas. Mesmo com a dificuldade da fala de quem já sofreu na pele um abuso moral ou sexual, a voz foi libertária, e mais uma vez o processo da cura constatou a importância da prática de seminários como esse, que geram instrução e aprimoramento no ofício dos mestres e mestras.
Realizar um enfrentamento é complexo, árduo e doloroso. Para mitigar o assédio moral e sexual contra a mulher no ambiente da capoeira, segundo a Ma. Sabrina, uma boa prática é naturalizar a capoeira. “A gente precisa inserir a mulher na instrumentação da capoeira, porque as pessoas que estão assistindo, elas poderão ter aquela referência. Eu não posso ser o que eu não posso ver. A representatividade é importante”, completou.
Participante
Daniel Júnior da Silva, 43 anos, conhecido na capoeira como Me. Museu, da Associação IÊ Capoeira, São Mateus, refletiu o momento e pontuou o seu papel nesse cenário de enfrentamento às práticas de assédio e condutas abusivas na capoeira.
“Primeira coisa é compreender com relação ao assunto em si, e trazer para a realidade do contexto do qual eu vivo de capoeira, enquanto educador, enquanto mestre de capoeira. Essa compreensão me ajuda a formular estratégias para que as minhas práticas possam ser qualificadas e desconstruir algumas questões, colocar em pauta algumas reflexões e fomentar junto aos meus alunos e alunas questões que não são discutidas”, disse.
Depoimentos
Maritaca
Bombinha
IPHAN
Um convidado especial e de força institucional, que esteve presente no encontro foi Filipe Oliveira da Silva – historiador do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -. Em entrevista a reportagem, o doutor em História Social disse a relevância desse projeto.
“Fico feliz em participar para apoiar determinados projetos como esse, que trabalham temas extremamente sensíveis para nossa sociedade. Temas que acabam transbordando o universo da capoeira. Então questões como essa que, envolve o debate ou o enfrentamento ao assédio moral, sexual e todas as suas vertentes, é fundamental para ser transbordado para além da capoeira, então é muito importante que a gente venha e valorize ações como essa”, disse.
O historiador destacou o quão pertinente é o projeto “O ofício da Mestra e do Mestre no enfrentamento ao assédio e condutas abusivas nas aulas, eventos e rodas de capoeira” organizado pelo Me. Fábio e Ma. Sabrina. Ele informou a reportagem que o projeto é uma ação que participou do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, que acontece anualmente. A premiação existe no IPHAN desde 1987 e reconhece as ações exemplares, em termos de patrimônio cultural do Brasil.
De acordo com Filipe, essa ação foi aprovada na fase da comissão estadual, indo até Brasília para competir, no caso, concorrer com outras ações. “É uma ação exemplar em seus mais diferentes aspectos: ela transborda o sentido apenas capoeira, mas acaba se espraiando pra própria sociedade”, comentou o historiador.
De acordo com Filipe, esse trabalho ficou entre as 100 maiores ações do Brasil. “Apesar de não terem sido premiados na fase final, esse projeto tem um grande valor para a história desse país”, concluiu o historiador do IPHAN.
Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39