28.51°C Brasília

3 de dezembro de 2024

PUBLICIDADE

MAIS RECENTES

Cachorro de papelão

Eu hoje vi aquele mendigo novamente… Aquele lembra, puxando uma caixa de papelão pelas ruas? Desta vez eu não me contive, fiquei a observá-lo, quase a segui-lo, pelas ruas do centro de Belo Horizonte. Ele andava ziguezagueando, puxando por uma corda tão ensebada quanto a sua barba e seus cabelos meio grisalhos, ou, talvez de uma cor indefinida que a sujeira cobria com abundância, uma caixa de papelão que trazia escrita na lateral rasgada uma meia palavra: Cley… Parecia ser o nome de uma marca antiga de margarina, cortado ao meio, mas poderia ser também o nome de um cachorro, se alguém quisesse adotá-lo, soaria bem! Cley, Cley, pega, pega! (Voltando para o bom português).

De vez em quando parava, sentava ao lado da caixa de papelão e a acariciava, conversava com ela assim, disfarçadamente, como se não quisesse que as pessoas o ouvissem. Depois prosseguia puxando a cordinha imunda, sendo seguido pela caixa de papelão, que, coitada, impossibilitada de fazer o contrário, nunca parava para descansar, exceto quando o andarilho o fazia.

Eu, que o observava com a minha curiosidade peculiar já tinha certeza que ele puxava um cachorro e não uma caixa, tal o cuidado que ele tinha ao atravessar a rua, sempre preocupado com a coisa ou animal – na sua consciência – que ele puxava. Parava, voltava a andar, apressava-se, andava mais devagar, tudo para que o seu “amigo” não perdesse o compasso ou fosse atropelado por um veículo preocupado em reduzir o tempo, como se fosse possível, afinal o tempo tem sempre o mesmo tamanho, só é mais curto por causa do stress nosso de todo dia.

O mendigo com suas roupas encardidas, um sobretudo preto – seria preto mesmo se não estivesse tão sujo – uma calça jeans rasgada nas pernas, com um pedaço solto que era puxado pelo seu andar, tal como sua caixa, que parecia de estimação. Sentou mais uma vez no paralelepípedo e agora sorria escancaradamente para sua caixa de papelão e o seu sorriso era diferente de suas vestes, era limpo, gostoso, esplêndido!

Depois de observá-lo tanto e de tanto andar, já que minhas pernas me pediam auxílio, resolvi parar junto ao andarilho e conversar com ele para saber o que pensava do objeto que puxava, sentei-me ao seu lado, assim, desavisadamente e disparei:

– Bom dia, Seu Moço, o que o Senhor está puxando, ai? Ele disse, com ar severo:

– Não tá vendo não, sô? É uma caixa de papelão, sim senhor!

Para falar a verdade fiquei com ares de idiota e decepcionado, aquele mendigo apesar de sujo era bastante lúcido e me respondeu com tanta veemência que me senti constrangido em imaginar que ele pudesse achar que estivesse puxando um cachorro! Levantei, me preparando para ir embora e já batia nos calcanhares quando ele me chamou de volta:

– Moço, ô moço!

Olhou para mim, colocou a mão direita próxima dos olhos e acenou para que eu chegasse mais perto, como se fosse me contar um segredo:

– Na verdade, o que estou puxando é um cachorro, só que eu não posso contar para qualquer pessoa, tenho medo que me chamem de louco! E sorriu para mim um sorriso cúmplice. Eu virei as costas e fui embora, agradecido pela sua confiança.


Jefferson Tiradentes – Escritor e poeta. / Conheça o livro do autor: “Vestígios”. 

 

Compartilhe essa matéria nas redes sociais

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Telegram

Tags

Talvez queira ler esses Artigos

PUBLICIDADE

MAIS RECENTES

Shopping Basket