Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39
Coluna Letrados
Por: Sueli Valiato – Professora de Língua Portuguesa e Literatura.
O ano novo se aproxima. É tempo de virada… Virada de ano, virada de convicções, de hábitos, de páginas da vida. É tempo de reflexão… Tempo de rever metas e redirecionar as ações para alcançarmos os objetivos relevantes de nossas vidas. É tempo de nos apartarmos de desejos obcecados, de convicções que nos alienam, de nos permitir sair das gaiolas que nos prendem, que nos impedem de voar, de ficarmos atentos aos sinais de alerta, para não colocarmos em risco nossa paz, alegria, sanidade, a nossa vida.
Caríssimo (a) leitor (a), esse prólogo se refere a um fato trágico que aconteceu na casa do campo, de minha amiga Lu, que desde quando ela me contou essa história, eu fico extraindo dela inúmeras lições para a vida, a partir o que ocorreu.
Contou-me Lu, que o esposo dela gosta muito de ouvir o canto de sabiás e, devido a isso, ele tinha um sabiá preso numa bela gaiola, na varanda da casa onde residem. Tempos atrás, ela foi acordada pelo barulho incessante e desesperando do sabiá. Acordou o esposo e esse se dirigiu até a varanda onde a gaiola ficava pendurada. Ao se aproximar do local, tamanho foi o susto dele… Era uma cobra! Uma cobra que enrolada ao caibro do telhado tentava abocanhar o lindo sabiá de peito laranja e de belíssimo canto. Desesperado, o marido de Lu apanhou uma haste de madeira e deflagrou várias pauladas na cobra, que caiu no chão, desfalecida.
Ele sentia seu corpo tremer e o seu coração desesperado, só de pensar que por pouco a cobra teria devorado o lindo sabiá que tanto estimava. Não querendo nem pensar como seria o amanhecer sem o canto daquele sabiá. Com muita revolta contra a cobra, na tentativa de manter o sabiá protegido, matou-a.
Ajeitou a gaiola e voltou para a cama, mas a cena da cobra quase alcançando o sabiá não deixava dormir. Tão longo, para o alívio de seu coração, junto com o despontar do sol, o sabiá deu início a regular serenata matinal.
Publicidade
Os dias passavam, embalados pelo cantar lindo do sabiá, que atravessava a grade da gaiola e ecoava livremente pelo ar. Era um belo sabiá de laranjeira, o canto mais lindo entre os sabiás… O lindo canto que Gonçalves Dias mencionou nos versos de sua poesia: “Canção do Exílio”. Tudo ia muito bem, até que num certo final de semana, já às vésperas do verão, minha amiga e o esposo foram para a casa de praia e pernoitaram por lá.
Quando adentrou a casa, o esposo de minha amiga se dirigiu, como de costume, à varanda para ver o sabiá. Vocês não imaginam o que aconteceu! Ele ficou mudo, estático diante do que via. Estranhando o silêncio do marido, Lu dirigiu-se até a varanda e se deparou com algo inacreditável. Dentro da gaiola estava uma cobra, com a cabeça para fora. Ela estava presa lá. Somente ela e nada do sabiá…
Os dois ficaram por algum tempo, olhando para aquela cena bizarra: uma cobra na gaiola? Mas, amenizado o estarrecimento, eles foram analisar as circunstâncias da situação. Verificaram que a cobra desejosa de mais por degustar o sabiá indefeso, que já estava preso, atravessou as frestas da gaiola e abocanhou-o, engolindo-o inteirinho.
Ocorre que a cobra obcecada por saciar seu desejo, não pensou… Entrar na gaiola. Entretanto, ela não se deu conta de que ao engolir o sabiá, alteraria sua forma física. Ficaria mais grossa e não conseguiria sair da gaiola da mesma forma que entrara. Ela estava de “barriga cheia”, presa na gaiola, a mercê do humor do esposo de Lu. A cobra olhava para ele, buscando uma forma de sair daquela maldita gaiola.
Ele olhava para cobra procurando um meio de retirá-la da gaiola. E Lu olhava para ele… Olhava para a cobra… Olhava para a gaiola… E pensava: “A cobra comeu o sabiá dele. Ela Ficou presa no lugar do sabiá… O que ele vai fazer com essa cobra na gaiola?” Muito revoltado e tomado por uma profunda tristeza, pois nunca mais ouviria o belo canto do sabiá, que agora estava dentro da barriga da cobra, o marido da minha amiga pegou uma estaca de madeira, deu fim à cobra e à gaiola.
Como disse anteriormente, desde que ouvi essa história, inúmeras reflexões pude fundamentar a partir dela, mas uma gostaria de socializar com você: é preciso que cuidemos de nossos desejos, planejando-os com racionalidade, para não ficarmos presos com eles em gaiolas após saciá-los, como fez a cobra. Pois como já disse o apóstolo Paulo, na primeira epístola aos Coríntios, embora tudo nos seja permitido, nem tudo convém. Não devemos deixar que nada nos domine.
E para encerrar, quem sabe se esse versículo em 1 Coríntios 6:12 (confira) fosse mais praticado em nossas relações, o marido de minha amiga não precisaria prender o sabiá na gaiola. O sabiá estaria vivo, cantando e voando livre nas laranjeiras. A cobra viva também estaria cumprindo a sua função na cadeia alimentar. E o marido de minha amiga, acordaria todos os dias ouvindo o lindo canto dos sabiás que habitariam no seu pomar.
*O texto é de livre pensamento da colunista*
Publicidade
Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39