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Coluna Letrados
Por: Sueli Valiato – Professora de Língua Portuguesa e Literatura.
Caro (a) leitor (a), este texto é um convite a darmos permissão ao amor em nossas vidas, para que busquemos nos capacitar para o amor, amando. Que nos permitamos cultivar o amor em nossas vivências, e junto com ele cresçamos, nos transformemos cada dia mais em seres melhores, capazes de sentir e viver amores que ultrapassem os planos terrenos e sobrevivam a qualquer tempo.
Hoje, enquanto tomava o meu café da manhã, e pela janela eu via as plantas que cultivo nos arredores da casa, percebi que cada uma tem sua história e memória. Lembrei-me fortemente de alguns versos de Cora Coralina, que desapercebidamente parafraseei…
O meu jardim de memórias é feito de plantas, que são retalhos de histórias de cada vida que já vivi. Memórias de encontros, de contatos, de despedidas, de risos e de prantos. Em cada planta: uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade, uma gratidão, que ao longo do tempo fizeram de mim, uma pessoa mais humana, mais completa e mais feliz.
E pela janela, fiquei olhando, olhando as plantas… Algumas me traziam lembranças do jardim de minha avó… E parei meu olhar sobre as rosas vermelhas e amarelas… Lembrei-me de meu avô e do imenso amor que ele tinha por minha avó.
O meu avô era um camponês com pouca escolaridade, mas era amante da escrita. Tinha o hábito de escrever num caderno de capa vermelha os fatos importantes da vida dele. Mas isso, eu descobri no dia em que ele passou mal, e eu fui apanhar os documentos necessários para levá-lo ao hospital. Nessa ocasião, ele já tinha 86 anos. Ao abrir a gaveta onde ficavam os documentos, tamanha foi a minha surpresa!
Na gaveta estavam as pastas com os documentos e exames médicos, um caderno de capa vermelha e um envelope lacrado com a seguinte frase: “Só abrir depois que eu morrer”. Peguei os documentos, fechei a gaveta e segui com ele para o hospital. E após algumas horas meu avô veio a óbito. Avisei os nossos familiares e tudo foi preparado. Fui à cidade vizinha comprar rosas vermelhas e amarelas, pois eram elas que apareciam na canção que meu avô cantava, sempre que irrigava o jardim. “Rosa vermelha, rosa amarela, compra seu moço e dá de presente a ela”.
Um dia depois do sepultamento, abri novamente a gaveta. Apanhei o envelope e auxiliada por um primo, fomos abrindo aquele envelope, que estava minuciosamente endereçado a todas as gerações da família. Era uma carta! Entreolhamo-nos… Nossas almas foram envolvidas por um misto de curiosidade e suspense…
Era uma carta de amor… E nela ele declarava o imenso amor que tinha por minha avó. Dizendo, dentre outras coisas, que ela fora a única mulher que ele amou na vida. A mais linda que conheceu. Que estava deixando recursos suficientes para que ela permanecesse bem cuidada. Ordenava que ninguém a não contrariasse. Pedia que a levasse para cuidar dos cabelos e das unhas, sempre.
E hoje, depois de 20 anos esse amor imenso atravessa décadas para me ilustrar o que o apóstolo Paulo escreveu: o amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. E a isso, acrescento: o amor ultrapassa os planos terrenos, as intempéries do tempo e a fragilidade de nossa sanidade.
Digo isso, porque dezesseis anos depois, minha avó faleceu. Nesse tempo ela sempre se lembrava dele. Falava constantemente da imensa saudade que sentia de meu avô. E mesmo, no mais severo estágio do Alzheimer, acamada, quase sem voz ela dizia: “Já está tudo preparado, do jeitinho que ele gosta, pra quando o Antônio chegar!”
E como disse Santo Agostinho: “o amor, até quando estamos mortos, nos esconde no quarto ao lado, nos mantendo do outro lado do caminho… Permite-nos que sejamos quem éramos antes um para o outro, e sermos o que ainda somos”.
Mas assim, como as plantas que me trouxeram essas lembranças, o amor precisa de cuidado, admiração, de tempo, de paciência, espaço, perdão, sonhos sonhados juntos, para se tornar fecundo, perene. Só assim, é que podemos experimentar os sabores e as cores desse Amor que ultrapassa os planos terrenos e sobrevive a qualquer tempo.
*O texto é de livre pensamento da colunista*
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