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22 de novembro de 2024

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O conselheiro da capoeira

Mestre Beiçola ensinando capoeira em Cariacica, em Nova Rosa da Penha. / Foto: Divulgação.

Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39.


A série “Capoeira Capixaba: relatos e vivências” apresenta um mestre sonhador, disciplinado, comprometido com a capoeira e simples de coração.

Aldecir Nunes de Alvarenga, 62, nasceu em 1960, no município de São Gonçalo (RJ). Viveu sua infância e adolescência no bairro de Nova Cidade, lá, a capoeira o escolheu para ser mais do que um mestre, o escolheu para ser o rei do caxixi.

Na roda de hoje, vamos conhecer a história e vivências do Me. Beiçola, o carioca radicado em Vitória há mais de 40 anos. Homem de palavras diretas, mas muito educado; habilidoso com o artesanato e maestria no toque do berimbau, Beiçola é um dos conselheiros da Federação de Capixaba de Capoeira (Fecaes).

O papo foi muito bom! Até me ensinou um toque no berimbau e disse que a capoeira me escolheu para ser um divulgador dessa arte por meio do meu jornalismo. Que responsabilidade, hein?

Entra na roda, leitor! Conheça a sabedoria do conselheiro da capoeiragem.

Mestre Beiçola ministrando working shop de caxixi. / Foto: Divulgação.

1 – Mestre Beiçola, me fala um pouco do seus pais, também da sua infância e primeiras profissões?

Fui criado pelo meu pai. Minha mãe foi embora quando eu tinha 11 anos de idade… fui criado no mundo… Meu pai dava uma assistência de 15 dias trabalhando, ele era mestre de obras. Depois ficava sumido. Minha mãe trabalhava numa fábrica de sardinha. Hoje eu sou artesão e Mestre de Capoeira, mas minha primeira profissão foi como ajudante de pintor, de pedreiro, ajudante de mecânico, carregando carrinho na feira, mas minha atividade sempre foi o artesanato. No artesanato eu sou autodidata. Eu via os rip (artista de rua) fazendo… e… eles não gostavam de ensinar, porque não queriam concorrente… quando eles olhavam eu já tava fazendo. Eu olhava o alicate que ele tinha, procurava na cidade, comprava e fazia… Eu tinha 14 ou 15 anos… Faço caxixi desde os 15 anos, por isso eu sou o rei do caxixi… Faço cerca de 800 caxixis por mês.

2 – E seu início na capoeira, como aconteceu?

Aos 7 anos de idade, lá em São Gonçalo, com meu irmão. Tinha roda na pracinha… a gente sempre ia lá na roda da pracinha… aí despertou… eu ia lá com 6 pra 7 anos de idade. Eu achei a capoeira bonita. O cara dá um ‘peão de cabeça’, um ‘s dobrado’… A capoeira daquele tempo não era como a capoeira de hoje… era uma capoeira show. Porque a capoeira na pracinha era aquela capoeira pra inglês dar dinheiro, né? Pra inglês vê. Então, era aquela capoeira que você tinha que fazer show… tinha que voltar na ‘ponte’, tinha que dar ‘salto mortal’, tinha que dar ‘peão de cabeça’, tinha que fazer ‘s dobrado’, essas coisas que você não vê hoje.

3 – Mestre, quando você começou na capoeira, mesmo bem criança, já ouvia falar das histórias de resistência?

A capoeira era uma coisa meio proibida, era só negro que fazia. Eu vim de lá do Rio de Janeiro com 19 anos, quando cheguei aqui no Espírito Santo trabalhei como músico… naquela época a gente não ouvia falar muito nisso não de resistência… a capoeira era uma resistência calada. Ninguém comentava nada. Era ditadura, meu filho. Comentar… tá preso. A gente agia. Pensar para assertar, calar para resistir e agir para vencer. A gente agia, só isso. Ninguém comentava essas coisas. É comentar… três dias depois: finado. Aí você vai ficar falando sobre ditadura? Vai ficar comentando pro cara ouvir? O governo é que mandava naquela época, não era o povo.

4 – Agora falando da capoeiragem, você começou na capoeira de Angola, na Regional ou Primitiva?

Pernada carioca. Não era Angola e nem a Regional. Era capoeira luta. Palma e chute. Tinha berimbau? Não. Tinha pandeiro? Não. Era o que na roda? Palma e chute. Tinha a roda… todo mundo batendo palma… dois capoeiristas jogando… depois apareceu um baiano lá chamado Malandro, com um berimbau… aí começou aparecer essa roda com o berimbau… aí do nada apareceu um pagodeiro lá com pandeiro… aí começaram a tocar, mas não como hoje (nesse momento o Me. Beiçola começou a tocar berimbau durante a entrevista/grifo meu). E palma e chute… O bicho pegava! Quem podia mais chorava menos. E na praça, todo mundo vendo. E a polícia olhando e batendo palma. Quando alguém apagava lá, levava pro pronto socorro. Polícia passava e quando o pau tava quebrando muito deles mandavam parar a roda… às vezes deixavam… eles gostavam…

5 – Qual o grupo de capoeira que você frequentou aqui?

Eu trouxe um grupo chamado Angonal, do Me. Boca. E aqui eu criei a Metodo Arte. Lá no Rio de Janeiro eu participava do Grupo Angonal, desde que eu tinha 17 anos de idade. É uma capoeira Pernada Carioca… agora que eles tão seguindo um pouco a Angola e a Regional…

Vim pra cá e criei a Metodo Arte, onde mais de 10 mil alunos passaram na minha mão… Hoje que eu faço um trabalho singelo com a capoeira, atendo quase mil alunos em duas creches, em Cariacica, fora o projeto em que dou aula, o Cajun.

Coloquei a Metodo Arte em prática na década de 90. Eu me formei em 1991 em Mestre de Capoeira. A formatura foi no Centro Comunitário de Bairro República com a presença da nata da capoeira que tinha aqui na época. O saudoso Luiz Paulo, saudoso Mestre Cabral, essa galera toda tava presente na minha formatura.

6 – Quando o senhor criou o grupo Metodo Arte quais foram as intenções?

Formar cidadãos. Não quero nem formar mestre de capoeira, não.

O Me. Beiçola ministrando aula de capoeira para crianças. / Foto: Divulgação.

7 – E na sua experiência, como se forma um mestre na capoeira?

Formar um Me. de capoeira sem um grau de escolaridade, sem um curso superior, o mestre de capoeira vai ficar a ver navios, porque a capoeira deu uma evoluída tão grande que se você não acompanhar… eu tento acompanhar…

Eu sou muito disciplinado. Acordo 4 da manhã, tom muito água, faço minha ginástica, treino minha capoeira, como muita fruta… treino capoeira todo dia… Capoeira não é só o físico, é mentalizar, entendeu? Tem que ter uma disciplina… na capoeira eu tenho a minha disciplina… se o cara não for disciplinado… dormir sedo, ter compromisso com a capoeira e com você mesmo… A vida é como um sopro… ou você é disciplinado ou você morre mais cedo… aí apanha da própria vida.

8 – Mestre Beiçola, a gente tem o poder de escolher a capoeira ou é ela que nos escolhe?

Você pode ter uma escolinha com mil jogadores de futebol. Vai surgir um Pelé, um Ronaldinho, um Neymar da vida…. desses mil, vai ter um… Mestre de capoeira, nasce mestre de capoeira.

Eu tenho um aluno que tudo que passo ele aprende. Se ele quiser vai ser mestre de capoeira. É o querer dele, mas ele já nasceu com a capacidade da aprendizagem de tudo, de pegar tudo rápido. Ele nasceu com a competência de ser aquilo que ele quiser. A capoeira o escolheu, mas ele pode não escolher a capoeira. A capoeira me escolheu e eu obedeci. Pra ser mestre, primeiro, tem que ser obediente.

A capoeira é um grande tesouro. Eu vivo de capoeira. A mãe capoeira é um tesouro inesgotável.

9 – Deixa uma crítica para os mestres de capoeira que estão deixando a desejar no ensino da capoeiragem em todos os sentidos.

Ser mestre de capoeira é ter uma grande responsabilidade, que eu preferia ser só o artista, o rei do caxixi, o capoeirista, o músico, mas esse nome ‘mestre de capoeira’, mesmo eu tendo muita bagagem, é uma responsabilidade muito grande.

Corda de mestre de capoeira… olha pra trás e olha pra frente, porque você vai pegar uma responsabilidade muito grande para não fazer algo errado e manchar o nome da capoeira e de mestre. E cada coisa que o cara faz de errado não quer dizer nada pra ele, mas quem fica com a mancha… respinga na gente… o cara tem que ter muito cuidado, a respeitar quem veio antes, quem está e quem virá. Tem que respeitar o cara que veio primeiro, que fez o caminho pra ele passar.

10 – O que você acha que o capoeirista precisa de aprender como fundamento da capoeira e seguir em evolução?

O capoeira tem que estudar, só isso. Estudar é a resposta. É o remédio pra tudo. Treinar, respeitar seu mestre, parar de ser pula pula de grupo. Um mestre de capoeira com 50 anos de capoeiragem é um livro inesgotável de tanto conhecimento….

E pra evolução… primeiro você tem que aprender Angola e Regional, que são os dois estilos respeitados pela confederação, pela federação. Aprender a tocar berimbau… fundamento é aprender toques de berimbau.

11 – Mestre Beiçola, obrigado por ceder essa entrevista. Deixe uma palavra final para os capoeiristas.

Cara, pra começar o capoeira tem que estudar. Segundo, tem que respeitar os pratas da casa. Porque a velha guarda fez o caminho… Sem nós eles não chegavam… Tem que respeitar os grandes mestres. O mestre, às vezes nem precisa jogar mais, ter muitos alunos, mas ele participa da capoeira de alguma forma… toca um berimbau, conta uma história, fala de uma vivência que você não vivenciou, esse cara é capoeira. Ele merece ser respeitado. Vamos respeitar o que eles fizeram pela capoeira do Espírito Santo. Vai esperar morrer pra fazer homenagem?


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