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Por Sueli Valiato – professora de Língua Portuguesa e Literatura.
Caríssimos (as) leitores (as), Wiliams Raymond, pesquisador, crítico e escritor galês, afirma que “na longa história das comunidades humanas, sempre esteve bem evidente a ligação entre a terra da qual todos nós, direta ou indiretamente, extraímos nossa subsistência e as realizações da sociedade humana”. Com essa afirmação tenho total concordância, já que estão no campo os recursos essenciais para a sobrevivência de todos que habitam esta grande casa comum: a Terra.
Mas será que o campo, principalmente a Educação do Campo, tem recebido o valor, o reconhecimento, o respeito e as políticas públicas compatíveis com o seu grau de importância no território nacional? Será que os direitos, garantidos em forma de lei, estão sendo implementados a contento ao público da Educação do Campo e aos seus respectivos territórios?
É certo que Educação do Campo, em sua trajetória, apresenta significativos avanços referentes à legalização, conquistados por meio de muita mobilização popular e política. Entretanto, ainda há muitos direitos sendo mal interpretados, negligenciados, boicotados, tratados com indiferença, desrespeitados. Por isso, a luta por uma educação de qualidade, própria e apropriada ao/no campo é contínua e intensa para que as leis se cumpram. Até porque, o campo brasileiro se configura num território de inúmeras disputas de interesses diversos e adversos.
Mesmo com uma legislação tão clara, com princípios e critérios evidentes, quando se trata da implementação da Educação do Campo, são comuns os equívocos na interpretação das normas/leis, nos diagnósticos das demandas dos territórios e consolidação das ações coerentes, organização curricular, componentes curriculares, formação docente, rotina e calendário escolar, métodos de ensino/aprendizagem, metodologias, referenciais filosóficos e pedagógicos, bem como nas finalidades dessa modalidade de ensino.
Para exemplificar o digo, citarei a Lei de Diretrizes de Base da Educação Brasileira (LDB) 9394/96, que preconiza na Educação do Campo uma natureza própria, em que realidade do campo se faz presente, considerando sua diversidade cultural. Dá destaque ao respeito às regionalidades e formas de trabalho presente no campo, garantindo o respeito às peculiaridades de trabalho e de vida do campo nas suas múltiplas dimensões. Aponta para um currículo, metodologia, organização e calendário escolar adequados a cada situação vivenciada pelos sujeitos em seus respectivos territórios.
Vejam também o que diz a Resolução CEB/CNE nº 1, de 03 de abril de 2002, Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo: “a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia”. Sendo assim, na Educação do Campo o trabalho e a escolarização devem fazer parte da vida cotidiana dos estudantes. E escola não é espaço apenas para escolarização.
E tem mais… Observem o que traz o DECRETO Nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA:
“I – populações do campo: são os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural;”
“II – escola do campo: é aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo.”
“§ 4º A educação do campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infraestrutura e transporte escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político-pedagógico e em conformidade com a realidade local e a diversidade das populações do campo.”
Diante do exposto, parece óbvio para quem se destina à Educação do Campo e como deve ser implementada, mas não tem sido, caro (a) leitor (a)…
Pois, para a implementação dessa modalidade de ensino, na maioria das vezes, não se adota uma proposta educativa compatível com seus princípios e finalidades. Mesmo tendo uma estratégia pedagógica própria e apropriada à Educação do Campo, criada na França, em 1935, na localidade de Sérignac-Péboudou, motivada pela vontade de famílias rurais, comprometidas com os movimentos sociais, de oferecer a seus filhos uma formação condizente com a realidade do campo.
Essa estratégia pedagógica denomina-se Pedagogia da Alternância (PA) e é desenvolvida no Brasil, precisamente no Espírito Santo, desde 1968, quando se construiu a primeira Escola Família Agrícola (EFA), no município de Anchieta.
Destaco nesse primeiro momento da Pedagogia da Alternância (PA), no Brasil, dentre inúmeros colaboradores, a atuação de Paolo Nosella, um dos pioneiros na prática da Pedagogia da Alternância em nosso país. O padre jesuíta italiano Humberto Pietro Grande viu nessa estratégia pedagógica possibilidades de desenvolver o meio rural capixaba e melhorar as condições de vida das pessoas desse território. O Movimento de Educação e Promoção Social do Espírito Santo (MEPES), que juntos apresentaram e plantaram as primeiras sementes da PA na educação de nosso país, são sementes que muito frutificaram, mas ainda não ocuparam todos os territórios férteis e compatíveis com a sua gênese.
Diante das questões aqui suscitadas, concluo o texto com uma frase de Paulo Freire, que ao ver traz a essência da Pedagogia da Alternância (PA) e, por conseguinte, da Educação do Campo: “Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva, e quem lucra com esse trabalho”…
*O texto é de livre pensamento da colunista*
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