O currículo escolar é o referencial que norteia o processo educacional, determinando os trajetos que os estudantes e educadores percorrerão para construir os diferentes conhecimentos. Por meio dele, se organizam os conteúdos que serão estudados, as atividades, as competências e habilidades a serem desenvolvidas no ambiente escolar.
Por isso, currículo escolar ultrapassa uma visão teórica e/ou uma obrigação burocrática. Trata-se de um referencial de gestão do processo de construção do conhecimento no ambiente educacional. É um dispositivo importante no despertar do estudante acerca de sua realidade, bem como das possibilidades da própria transformação e da transformação do meio, em seus diversos aspectos: social, ambiental, político, econômico, cultural, intelectual e espiritual.
O desenvolvimento do currículo precisa romper com as barreiras da alienação e da robotização, requerendo do educador (a) visão crítica, dinâmica e orgânica para conjugar no processo de formação, vivência e ciência, colocando essa a serviço daquela.
Nesta perspectiva, citamos a experiência dos Centros Familiares de Formação em Alternância – CEFFAs, escolas que trabalham com a Pedagogia da Alternância – PA, que por meio de sua filosofia pedagógica e seus dispositivos metodológicos, visa uma formação que potencialize a capacidade da pessoa de refletir, de se comprometer consigo, com sua profissão e com o meio, na busca de um desenvolvimento individual e comunitário, sustentável e solidário.
A base curricular, nos CEFFAs, constitui-se de uma estrutura complexa, que visa orientar a formação da pessoa numa perspectiva integral e engajada na realidade. Para tal, organiza-se em dois planos, um estruturado a partir dos Temas Geradores, que se destina mais ao estudo dos fenômenos da realidade e às ciências sociais, econômicas, políticas e agroecológicas etc., denominado de Plano Curso, e outro, psicossocial, direcionado ao campo da autoformação, da auto-organização, do trabalho coletivo, da alteridade, do exercício democrático do poder, chamado de vida de grupo. Ambos se articulam dentro do Plano de Formação, que constitui o currículo escolar, possibilitando organicidade no processo de formação e articulando concomitantemente: o conteúdo das disciplinas, o estudante, o educador e a realidade.
Essa perspectiva curricular auxilia o estudante na construção de uma visão ampla e global dos fenômenos reais, a partir dos temas vivenciais, a fim de que possa abstrair o essencial das experiências vividas, possibilitando-o a formulação de generalizações; posicionamento crítico frente à vida cotidiana; a integração de experiências individuais à coletiva.
A estruturação do currículo escolar, nessa estratégia pedagógica se organiza a partir dos Temas Geradores, respeitando a evolução psicológica, cognitiva e social dos estudantes; bem como as competências e habilidades gerais e específicas de cada ano/série, além das especificidades da região onde o a escola se insere.
Essa possibilidade de estruturação curricular adotada nos CEFFAs permite uma penetração na realidade em vista de sua transformação, como firma Leandro Konder, estimulando o sujeito não se limitar à mera interpretação de fatos e situações, exigindo desse um esforço interpretativo, que o possibilite, corrigir-se autocriticamente, aperfeiçoar-se para alcançar seus objetivos e metas, a deslocar-se, dirigir-se, numa relação dialógica entre currículo e práxis, e mais: entre currículo, trabalho e práxis, fazendo multiplicar nesse sujeito potencialidades que o diferencie.
Quando pensamos o desenvolvimento do currículo escolar, devemos estar atentos para não cometermos este equívoco, que para Tereza Nildecoff, talvez seja “o erro mais sério que nós, docentes, cometemos… Nos deixamos invadir excessivamente pelas exigências externas de nosso trabalho, isto é: o cumprimento de normas de diferentes tipos, sem viver intensamente o papel de educadores das crianças que a sociedade nos confia a cada ano… Nosso papel junto às crianças é de ajudá-las a crescer até sua plenitude…” (pág. 5 e 6). Por ser assim, a prática curricular fundamenta a atuação do educador (a) numa visão do estudante como ser histórico que se constitui no tempo, num espaço, com capacidade de criar a recriar a realidade em parceria com os demais seres.
Nesse sentido, a escola por meio de seu currículo, tem a função de munir os estudantes e educadores (as) de competências e habilidades que lhes permitam, no processo de construção do conhecimento científico, analisar a realidade; experienciar a prática da reflexão e da ação coletiva, levando-os a se conhecerem e reconhecerem por meio do conhecimento, como afirma NIDELCOFF,1987: “estudar o meio inicialmente significa aproximar-se efetivamente do mesmo, vivendo-o, descobrindo coisas e exprimindo-as. Em seguida já se trata de observar o meio, aprendendo a vê-lo, aprendendo a descobri-lo… E finalmente, o mais importante: explicar as características do meio ou certos fenômenos ou fatos que nele se passam, compará-los a outros meios iguais ou diferentes; analisar causas e consequências” ( Pág. 10 e 11).
Portanto, o desenvolver do currículo deve partir da problematização de fatos e fenômenos da realidade, a fim de desmistificá-los à luz da ciência, fazendo uso dos conhecimentos já instituídos, e, agregando a esses, novas inferências, novas constatações advindas do posicionamento do estudante frente a realidade estudada, numa perspectiva de formação integral. Transformando o estudo, o processo de construção do conhecimento, numa viagem de descoberta, sem ter que necessariamente buscar elementos genuinamente novos. Tendo a cada dia um olhar novo sobre esses elementos que compõe a vivência do estudante e os instrumentos metodológicos da prática pedagógica da escola, por meio da ação, da reflexão da ação, em prol de uma ação, que compõe a práxis do currículo desenvolvido.
Essa perspectiva problematizadora da construção do conhecimento imprime inevitavelmente ao currículo um caráter inter, multi, poli e transdisciplinar. Por isso, desenvolver um currículo com esse perfil demanda ação coordenada e colaborativa de todos os envolvidos no processo de formação, educacional como corrobora NILDELCOFF, 1987: “É uma tarefa que se presta para ser assumida por toda a escola” e “num trabalho desse tipo a importância das matérias (cadeiras) desaparece.” Porém, não se ensina formação integral, tampouco se aprende… Vive-se, exerce-se e por isso exige uma nova pedagogia, a da comunicação, do diálogo”.
Percebe-se a necessidade de diálogos frequentes e contínuos com todos os sujeitos e todos os territórios para o aprimoramento do currículo escolar.
*O texto é de livre pensamento do colunista*
Por Samuel J. Messias (Mestre em Educação ( Florida University- USA) e Sueli Valiato (Professora de Língua Portuguesa. Licenciada Plena em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa – UFES).