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Educação
Por: José Salucci – Jornalista
Valorizar os saberes tradicionais, a identidade e territorialidade indígena. Essa é a proposta do projeto “Povos Indígenas do Espírito Santo: cultura, território e equidade”, da Escola Germano André Lube, em Jacaraípe, no município de Serra.
Na última quinta-feira (29), as aldeias indígenas Boa Esperança e Nova Esperança, do município de Aracruz-ES, participaram de uma imersão cultural, à tarde, na quadra da escola, em que ancestralidade e identidade cultural foram transmitidos aos alunos do 6º e 7º anos, que desde março de 2025 estão se submetendo à pesquisa e introdução teórica de assuntos indígenas capixabas.
“A gente cumpre os marcos legais, a lei 10.639 e a lei 11.645. E, para além de cumprir os marcos legais, a gente também abre espaço para esses diferentes saberes… Fazer uma opção por um currículo mais vivo, mais dinâmico, apresentar para esses alunos saberes que, por algum motivo, ao longo da história, foram menos valorizados, e isso é uma oportunidade de muita riqueza para eles, a gente cria nesses estudantes essa relação de pertencimento com esses saberes”, disse o diretor da escola Leonardo Tassara, 44 anos.

Idealizado pela professora de geografia, Beatriz Xavier, o projeto intensifica uma leitura de mundo: a cultura indígena não é passado, é presença, resistência e saber. Ancorado em um trabalho interdisciplinar, a escola envolve disciplinas como: História, Artes, Língua Portuguesa e Matemática. E, a professora conta o encanto que sente pelo momento e como nasceu o projeto.
“Eu queria trabalhar com eles fora do currículo escolar, na forma atual, comparativa, de valorizar, trazer essa realidade para os alunos, criar uma ponte com os alunos de uma forma prática e interdisciplinar. É um trabalho que começou muito pequenininho e foi crescendo com a ajuda de vários professores… O bonito é ver o brilho dos alunos com a apresentação, conhecendo nossos povos originários”, disse a professora.

Para intermediação do projeto, o professor de matemática Almir Dutra, 43 anos, que também ministra aula em tribo indígena, dede 2023, na Aldeia Três Palmeiras, em Aracruz, que atende outras tribos indígenas, inclusive as aldeias dos povos Guarani, fez a articulação para trazê-los pela primeira vez no município de Serra e, em uma escola estadual.
Visita marcante e memorial histórico, o professor conversou com a reportagem e comentou a identificação que possui nesse intercâmbio cultural. “Era uma vontade que eu possuía de levar uma mensagem de ensino para locais com maior dificuldade, infelizmente, na aldeia não tem um professor Guarani para ensinar matemática, então estou lá por essa falta de professor. Estamos lá pra exatamente isso: formar professores”, narrou.
O docente da Escola Germano André Lube também destaca o seu trabalho na aldeia e o momento da culminância do projeto. “Até o quarto ano do primário as aldeias não aprendem a matemática convencional, nem língua portuguesa, eles são alfabetizados na língua Guarani, depois do quinto ano é que eles começam a entender o sistema numérico indo-arábico, que é o nosso. E, quanto a apresentação, fiquei impressionado, porque como é uma escola de ensino fundamental, eu fiquei preocupado em relação ao comportamento dos alunos, mas me surpreendeu. Se comportaram bem. As perguntas foram boas, então destaco a atitude deles. Fiquei muito feliz por eles terem respeitado e prestigiado o grupo”, concluiu o Me. em Educação.
A liderança da juventude do povo Guarani, Josias Carvalho, pôde estar presente na escola, e em sua primeira aparição no município de Serra, comentou a oportunidade de disseminar e esclarecer sua cultura indígena. “Eu gostei, né, de tá aqui, de ver as crianças com muita pergunta, querendo saber da nossa cultura… E eles também, né, cada vez mais fica, né, sabendo realmente como é o povo originário do estado do Espírito Santo. Primeira vez, né, que que a gente tá vindo… A gente agradece o convite dos professores”, comentou.

Lei: saberes, cultura e valores indígenas
A lei 11.645/2008 estabelece a obrigatoriedade do Ensino da Cultura e da História dos povos indígenas. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo (Sedu), para ouvir o seu posicionamento no que diz respeito as orientações do repertório pedagógico para subsidiar as escolas estaduais no cumprimento qualificado das atividades que coloquem os indígenas como os principais sujeitos da sua história.
“A construção da narrativa histórica brasileira, durante muito tempo, priorizou a versão do colonizador, trazendo sempre uma visão eurocêntrica, de não compreensão da diversidade indígena e de não valorização dos seus conhecimentos e valores. Por isso, ações como essa devem estar cada vez mais presentes em nosso cotidiano escolar, e perpassando todo o currículo, afirmando o nosso compromisso com a Educação das Relações Étnico-raciais e com processos pedagógicos com Equidade Racial”, afirma Aline de Freitas Dias, gerente da Geaciq (Gerência de Educação Antirracista, do Campo, Indígena e Quilombola).
Fases do projeto
Com tratativa ao respeito à diversidade étnico-cultural, o projeto “Povos Indígenas do Espírito Santo: cultura, território e equidade” foi formado para acontecer em três etapas. A primeira, em março deste ano, passou pelo processo de planejamento e pesquisa. Outros docentes da escola G.A.L foram sendo inseridos na proposta educativa de valorizar, vivenciar, estimular e reconhecer a cultura indígena, primeva em solo brasileiro. Em abril, a primeira fase foi concluída com a palestra do professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Júlio Bentivoglio, que trouxe a temática “História dos povos indígenas no Espírito Santo”.
Encerrada a primeira fase, a segunda etapa contou com a culminância, onde discentes, docentes e povos originários mantiveram contato com música, dança, apresentações culturais, registros fotográficos, entrevistas e roda de conversa, refletindo uma imagem da origem da história de nosso país.
Em momento da roda de conversa, Géssica Gonçalves Martins, 38 anos, que trabalha com projetos relacionados à educação escolar indígena da Ufes, recebeu os alunos para tirar dúvidas de como funciona o acolhimento dos indígenas na universidade. Dentro da universidade, os cursos de Pedagogia Intercultural Indígena e Licenciatura Intercultural Indígena, promovem a formação de professores indígenas, para trabalharem nas aldeias.
O líder da juventude da Aldeia Boa Esperança deixou mais uma palavra falando da importância da participação de seu povo em uma escola. “A importância, né, de mostrar nossa cultura. Geralmente é difícil das escolas irem para aldeia ou a aldeia vir para as escolas, né? A gente traz o conhecimento para eles, e a gente leva o conhecimento deles também para nossa comunidade”, disse Josias.

Educação escolar indígena na Ufes
Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) já se formaram desde 2003, até dias atuais, 254 autodeclarados indígenas. Atualmente, há a presença de 97 estudantes na Ufes, sendo 28 ligados ao curso de Licenciatura Intercultural, que é específico para indígenas, e 39 ligados ao curso de Pedagogia Intercultural, que também é específico para indígenas. Os demais estudantes estão inseridos em cursos regulares, como medicina, engenharia, artes, entre outros.
“Nesse trabalho, eu tenho uma experiência de cinco anos, e a presença dos povos indígenas na universidade tem transformado os nossos espaços e as nossas vivências. Apresentando para gente uma outra forma de organização, que tem uma relação muito forte com respeito à ancestralidade, o respeito à terra. Então, isso tem modificado profundamente as nossas vivências”, narrou a Ma. em Educação, Géssica Gonçalves.
Terceira fase do projeto
Diante dessa história de transversalidade cultural, o projeto terá sua terceira fase em agosto de 2025. Na ocasião, as turmas do 8º e 9º anos farão uma visita na Aldeia Temática, chamada Tekoá Mirim – localizado perto do rio Piraquê-Açu, em Aracruz – único município do ES que abriga aldeias indígenas. A aldeia foi construída para receber o cenário do filme “Como a Noite Apareceu” – fato inédito no Brasil e no mundo, por ter o elenco com maioria indígena e ter sido gravado na língua tupi-guarani.
No decorrer de toda essa imersão cultural, os alunos do projeto construirão um mapa 3D, que registrará toda a ancestralidade dos povos indígenas capixabas, de Norte a Sul do estado do Espírito Santo. O mapa terá tamanho de 2m x 1m (2 metros por 1 metro).
Imprensa da Escola Germano André Lube
Todo esse projeto que estimula o reconhecimento e valorização dos povos indígenas originários do Espírito Santo, conta com uma cobertura especial na parte da comunicação: o jornal “GAL em Foco”. Uma outra turminha antenada estreou um projeto, criado pela professora Emanuella Del Piero, da disciplina de Língua Portuguesa, antes mesmo do projeto dos povos originários dar início: o Pod Gal, programa de podcast. Então os ‘jornalistas mirins’ do 7º ano estrearam em um evento multicultural.
Imprensa GAL: Rafaela Souza (7ºv4), Elisa Correa (7ºv4), Júlia Cordeiro (7ºv4), Bernardo Moraes (7ºv6), Ana Luiza (7ºv6), Ryan Pimenta (7ºv6) Yarkley Garcia (7ºv6), Tessalya (7ºv6).

Coletividade
Outro momento interessante que ocorreu durante a visita dos povos Guarani foi a comunicação visual do grafismo. Com o título de Coletividade, o artista Chacal fez um painel com o contorno do mapa do ES, em torno do desenho as marcas das mãos dos alunos e indígenas foram registradas no painel, após serem pintadas, o intuito foi mesclar as culturas no mapa.

Tembetá: curiosidade dos costumes dos povos Guarani
Na cultura do povo Guarani, segundo informou o líder Josias, em rito de passagem, o rapaz quando entra na puberdade, entre seus 12 a 13 anos de idade, quando começa a engrossar a voz, é momento de furar o beiço inferior, com espinho de laranja, significa que o menino se torna homem e já deve aprender as responsabilidades de ética e moral da aldeia. Mas, o curioso, que também existe um outro lado para se furar o tembetá – beiço.
“Quando o menino é muito levado, né, não escuta os mais velhos, o pai, a mãe, e é muito desobediente, aí a gente leva, né, a partir de 12, 13 anos, né, para furar o beiço, porque ele fica de 1 a 2 meses no começo inchado, então, ele escuta mais e fala menos, né. Então, ele aprende a ouvir os conselhos, né”, explicou o líder indígena.

Ficha técnica do corpo docente e colaboradores
- Leonardo Tassara (diretor da escola)
- Mylene Blanc (coordenadora)
- Beatriz Xavier (professora de geografia)
- Louriene Gonçalves (professora de geografia)
- Ronyelle Oliveira (professora de geografia)
- Bruno César (professor de história)
- Miqueline Ferreira (professor de história)
- Bruno Moraes (professor de artes)
- Leticia Oliveira (professora português)
- Emanuella Del Piero (professora português)
- Leidiane Resende (professora português)
- Pedro Júnior (professora português)
- Almir Dutra (professor matemática)
- Mauricelli Santana Silva (professor educação física)
- Larissa Scopel (professora Português)
- Elina Mara (professora Ciências)
- Rafael Jordão (professor Ciências)
- Suporte na decoração/atividades: professores e alunos do AEE – Atendimento Educacional Especializado.
- Grafismo: Chacal Mattias
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