Vereadora Elcimar Loureiro, 50, futura parlamentar do Partido dos Trabalhadores (PT). (Foto capa: Alexandre Loureiro).
A entrevista foi de revelações, falas diretas e decisivas. Elcimara Loureiro, uma mulher, heterossexual, pastora e figura pública, disse abertamente para o Jornal Merkato, que está de divórcio com o conservadorismo religioso, mas ela explicou durante a entrevista, de forma categórica, de qual conservadorismo ela se opõe.
A pastora, que realiza as funções sacerdotais em sua comunidade cristã, aos domingos, agora tem um púlpito novo para fazer suas ‘pregações’ políticas sociais: o púlpito do Partido dos Trabalhadores (PT).
A aliança entre Elcimara e PT já está com dias contados. A vereadora recebeu a reportagem em seu gabinete, ontem (03) à tarde, junto de sua equipe. Por mais de três horas de entrevista, a vereadora Elcimara foi categórica em algumas questões pessoais, de mandato, de cristianismo e, principalmente, externou o desejo de ser ela a representante à prefeitura de Serra, em 2024, pela legenda do PT.
Elcimara disse também ser grata pelo Partido Progressista (PP) pelo tempo de trânsito de mandato, e confirmou que o clima de mudança está respeitoso. Confira agora uma entrevista com ingredientes políticos, sociais, teológicos e arranjos emocionais. Não teve choro, mas café e risos.
1 – Vereadora Elcimara, qual foi o motivo maior que fez você se desligar do Partido Progressista (PP) para migrar ao PT?
Toda a minha história política aqui na Serra sempre se deu no campo dos movimentos sociais. A partir do meu ingresso no Conselho Tutelar de Serra, eu vou me envolvendo com os movimentos socias do município. Então, toda a minha formação política está nesse campo. Eu fui do Conselho Tutelar em Serra por quase 10 anos; minha vivência de política, de movimento, se dá nessa base no campo progressista de esquerda. Me filiei no PP em 2020, antes eu estava no Rede, cheguei a ser candidata à deputada estadual em 2018, mas eu queria estar num partido em que as minhas lutas convergissem com a minha história e a do partido.
2 – E qual é a sua avaliação do seu trabalho no PP; o que conseguiu semear na mentalidade política do partido, algo que o PP não tinha e passou a ter por motivo do seu trabalho?
A marca nas políticas socias. Da diversidade, da inclusão, das minorias. Isso não era categórico neles. Os mandatários do PP, que eu conheci, que passaram por essa Câmara, essas nunca foram as pautas principais do partido do PP da Serra. Mas foi a pauta principal da vereadora Elcimara, eleita pelo PP. A minha pauta, desde o início, sempre foi a pauta da diversidade, da inclusão, das políticas afirmativas: política para à população negra, política para as mulheres, política para o LGBTQI+.
3 – E por algum momento, a identidade do PP sufocou a personalidade da vereadora, no sentido não de barreira, porque você confirma ter tido livre trânsito de trabalho em seu mandado, mas o que não há no PP de pertencimento ao seu espectro político?
Eu fiz tudo o que eu quis fazer, dentro das minhas pautas. Eu nunca me curvei as bandeiras ou a forma do PP, até porque é um partido muito versátil. Uma hora ele se posiciona de forma conservadora, mas também não deixa de tá lá na mesa de negociação com partidos de esquerda… Ele faz parte do centro direita. Mas o que me incomoda no PP, é a forma dele mesmo, sabe? As figuras que representam o partido, eu não me vejo nessas figuras, eu vejo figuras extremamente aristocratas, brancas, ricas, que representam segmentos que eu não me encontro neles.
Eu sou branca, mas não sou aristocrata (disse com risos). Então quando eu olho a formação do PP, os deputados estaduais, os deputados federais, os eleitos pelo PP, eu só consigo ver figuras muito da elite. E nesse ponto, eu protagonizo uma pauta totalmente de centro-esquerda.
Porém, tenho muita gratidão por algumas figuras do partido, como o Cacá, ex-prefeito de Aracruz, que trabalha na Secretaria Executiva do PP; o Marcos Delmaestro, secretário Geral e o Marcos Vicente, ex-presidente estadual. O atual presidente estadual é o deputado Da Vitória. Nuca tive contato com ele. Nunca sentei à mesa com ele. Quando ele assume o partido, eu já estava nesse movimento de saída.
4 – De onde surgiu a ideia de ir para o PT, foi um convite, uma saída do armário ou um grito de liberdade?
Junta os três… Teve um convite da deputada federal Jack Rocha, recebi o convite direto dela ano passado. A minha vontade, de fato, era trazer à tona quem é a vereadora Elcimara, porque sempre fui dessas pautas que caminham no campo progressista. Eu estava num partido que não faz o percurso do caminho do Direitos Humanos. Não tô dizendo que não exista pessoas lá que não façam, mas a bandeira do partido, a principal luta do partido, não é essa, a qual é a luta do PT. Eu queria estar num partido que as minhas defesas, as minhas lutas, convergissem com a história do partido.
5 – A sua ida para o PT é uma questão de gênero, de missão, por aliança política, pra fortalecer seus laços políticos ou outro interesse?
Fortalecer meus laços políticos, é a principal delas; ideológica também. Quando eu digo fortalecer os laços políticos, é fortalecer essa aliança que a gente tem com os movimentos sociais, com as lutas do partido… É o fortalecimento e a ideologia, são as duas coisas.
6 – Agora falando da sua personalidade política, entendo que o PP te recebeu e lhe ofereceu o livre acesso ao campo político; a identidade do partido é diferente a do PT, e não há problema nisso. Como fica a sua relação com os evangélicos, com a ala conservadora, já que se aliançou a um partido rechaçado por este grupo religioso, e como você entende essa rixa entre lulismo e bolsonarismo?
Primeiro dizer que esse revanchismo se dá a partir do bolsonarismo. Antes do bolsonarismo, a gente tinha líderes declarados evangélicos dentro do PT. Com a evidência do bolsonarismo, houve um racha muito grande… O bolsonarismo trouxe esse racha… Ele divide a igreja nesse sentido. Sempre existiu a rixa entre esquerda e direita, mas esse ódio… o machismo, isso veio com o bolsonarismo. A gente olha pra algumas figuras da direita do conservadorismo no campo evannnnngéeeeeeelico… a gente olha pra algumas figuras da direita, inclusive, para pastores, que se dizem conservadores e que estão com três, quatro casamentos… e tão defendendo o conservadorismo. Eu fico me perguntado, até aonde vai o conservadorismo de algumas figuras dessas?
7 – Então prossiga o seu argumento sobre o conservadorismo; o que você entende do que é ser conservador e o que você deixa de observação para os jovens conservadores da igreja?
Eu sou uma figura conservadora do ponto de vista religioso. No campo religioso, uma pessoa conservadora ela é casada, com um único casamento; solteira heterossexual. Eu sou e fui as três coisas. Eu sou casada há 25 anos com o mesmo homem e sou heterossexual, conservadora. Não tenho vergonha de dizer que casei virgem. Eu cumpri todos os requisitos e cumpro até hoje. Eu sou da mesma igreja que nasci no berço cristão evangélico. Não fico mudando de igreja de tempos em tempos. Tem 41 anos que me converti. Pertenço a Assembleia de Deus de Santa Cruz… Meu marido é pastor dessa igreja, em Costa Bela, Jacaraípe. Eu exerço a função de pastora… Hoje eu sou ativamente na pregação.
Então, eu vejo muitos líderes religiosos já no segundo, no terceiro, no quarto casamento e falam que são conservadores, que defendem a família. Eu sou conservadora. Eu tô me divorciando desse conservadorismo religioso.
Na verdade, eu já me divorciei há muito tempo desse conservadorismo religioso. Talvez eu esteja tornando-o mais público. Eu chamo esse movimento de pseudo conservador, porque é um conservadorismo mais de aparência, de discurso, só pra manter o aparelho religioso. Qual é a minha fala pra esse jovem? Chamar os jovens pra um senso crítico. Que eles olhem para a vida da liderança deles. Pro conteúdo. Se o conservadorismo desses líderes não são apenas narrativas. Quais são as práticas de vida desses líderes?
8 – Devido a todo esse posicionamento político partidário, alguém já te xingou nas redes sociais?
Já. De Pastora do capeta. Pastora trans… Crente que vai queimar no inferno… Você é uma vergonha! Colocam minha figura com um diabinho… nas redes sociais pessoais e da igreja. Um sujeito me ameaçou na rede social da igreja. Disse que vai me cercar no meio da rua, que vai me pegar, inclusive, a gente encaminhou pra delegacia. A gente tá investigando. É isso que eu quero romper com o conservadorismo.
9 – Vereadora, gostaria de falar um pouco da questão teológica do ministério de Jesus. O Messias nasceu em Belém da Judeia e foi criado em Nazaré, lugar simples. Seu ministério começa na região da Galileia. A gente olha pro município de Serra e entende o que significa uma Galileia. E agora você tá indo pra um partido que a igreja rechaça. Esse partido tem como representante o atual presidente da República, que sofre uma crise de ética do ponto de vista, não só dos evangélicos, mas de outras camadas da sociedade. Enfim… Jesus deixou Israel e foi pra Galileia começar o seu ministério. Ele renunciou o aparelho religioso conservador. Que tipo de aparelho religioso conservador você está deixando pra ir se filiar ao PT, pra ir trabalhar na Galileia da Serra?
Eu pauto a minha vida sempre a partir do evangelho, da experiência de Jesus… A escolha do nascimento… Quando ele nasce no lugar mais improvável… Quando ele vai pra manjedoura e nasce, é um Jesus que cabe em qualquer lugar. Porque um Deus que nasce numa manjedoura, é um Deus que cabe em qualquer lugar, que cabe em qualquer espaço. Não é um Deus excludente. Porque se Jesus nasce em Jerusalém, a Galileia ia tá ferrada! A Serra ia tá ferrada! Entendo que a manjedoura é um símbolo do amor de Deus, de dizer assim: em qualquer lugar. O próprio lugar geográfico da Galileia já é periférico, já tem uma simbologia.
Então falando de PT, de quando eu me torno secretária de Assistente Social e conselheira tutelar… eu não queria só dar um encaminhamento, uma requisição. Eu fui além da minha competência. Me doía em saber que aquela pessoa não ia comer quando chegasse em sua casa. Isso me dói mesmo! Eu falo muito do Conselho Tutelar porque foi por meio dele que eu conheci a Serra por dentro. A Serra por fora, a dos investimentos, não é a Serra que eu conheci por dentro. Eu conheci a Serra das famílias vulneráveis, das crianças pobres, das famílias violentadas.
A Serra que tem mais de 100 mil pessoas na linha da pobreza. Eu acho que é isso, estar no PT ou em qualquer função política, é entender que eu preciso entrar na Galileia, eu não posso ser uma política que só se preocupe com Jerusalém. Os centros são importantes, porque geram economia, mas eu preciso ser essa pessoa que vai pra Jerusalém, mas que não pode esquecer a Galileia.
10 – Já está tudo certo para você migrar para o PT e qual a previsão de data para começar a representar a legenda do partido?
Esse mês de agosto a gente termina as questões burocráticas. A gente já saiu do namoro, agora já estamos no noivado, pra que setembro a gente possa se casar. O casamento deve acontecer em setembro. O PP já me considera uma vereadora que já saiu do partido. Eu já não participo das reuniões do PP, ao contrário das reuniões do PT, amanhã tenho agenda de reuniões para cumprir.
11 – E por que você quer assumir essa responsabilidade de ser prefeita, é uma missão, um amadurecimento político ou uma oportunidade que o PT te oferece, em que o PP não?
É um amadurecimento político, assim… O PP chegou a conversar isso comigo lá atrás, mas não avançou, até mesmo porque eu já manifestava a sair do partido por causa da minha legenda mais com minhas pautas. Então é mais por um amadurecimento político, né? Eu fui secretária municipal por oito anos. Estive no Executivo. Consegui contribuir dentro dessa política de assistência social para o município… tenho uma experiência dentro do Executivo… gosto do Executivo. Gosto de estar no parlamento, mas prefiro o Executivo.
12 – Você deixou um elogio para duas figuras políticas de Serra: Sérgio Vidigal e o Audifax. Segundo a mídia capixaba, você os elogiou por ambos terem contribuído para o crescimento de Serra. Mas o que você tem de diferencial, o que você pode contribuir para o município de Serra, aquilo que eles ainda não contribuíram?
As duas figuras transformaram a Serra no que ela é hoje, a maior potência econômica do estado. Mas eu acho que todas as duas figuras já tiveram seu tempo de contribuição, falo isso de forma muito respeitosa. A gente tem uma faixa etária da população serrana de 30 anos pra baixo… de uma população que fala que gostaria de ter uma referência diferente… A gestão dos dois são muito parecidas, com todo respeito… As pessoas ainda confundem, as que não tem uma boa leitura política, de quem tá e de quem saiu…. Minha proposta é vir com um modelo de gestão mais inovadora no campo da modernidade, trazer pra mesa de debate a juventude, os coletivos, discutir uma Serra sustentável, econômica, empreendedora, humanizada, avançar com essa Serra.
Desse modo, entendo que a gente precisa oxigenar as lideranças políticas, trazer novos nomes. Eu não estou desconsiderando a história de ninguém; a história é importante em todo o processo. Mas precisamos de implantar uma gestão econômica e social. O município de Serra ainda vive com 120 mil pessoas na linha de extrema pobreza. Esse desafio ainda é muito grande aqui na Serra e o modelo de gestão é esse, a agenda política é uma agenda econômica e social. Nós vamos fazer essa agenda com todos os movimentos, o debate com todos, vamos discutir a cidade de dentro.
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