Uma menina apaixonada por leitura. Uma mulher que ama a prática do ensino, além de militante das causas sociais na área da educação e inclusão da mulher negra. Há mais de 30 anos atuando na formação de estudantes leitores(a) da educação básica ao ensino superior e na formação continuada de professores(as) e mediadores(as).
Joana Herkenhoff, nascida em 21 de agosto de 1969, natural de Virgolândia, MG, cedeu entrevista para falar do lançamento do seu livro infantil “Chapéu”; de políticas públicas educacionais; de seus gostos literários, da paixão pela Educação e lindas histórias sobre literatura de vida.
Filha de professora alfabetizadora, onde aprendeu os rudimentos da escrita e da leitura, antes mesmo de entrar na escola… só aí já dá pra entender a magnitude dessa mulher… aos seus 17 anos de idade veio cursar Letras Português na Universidade Federal do Espírito Santo. ‘Brincadeira’ de ler dentro de casa só podia dar nisso: se tornar professora e escritora. Ah! A gente agradece!
Conheça agora a história de brilhantismo de uma menina que gostava de brincar, de lecionar para as bonecas, irmãos e amigos, e agora uma mulher, rompe os muros das teorias da educação. Fez de sua infância uma continuação dessas imagens de educação. Se tornou mestra, não por causa do seu mestrado; doutora, não por causa de seu doutorado, mas professora e educadora por ter entendido que a educação é base teórica para o ser humano.
1 – Joana, no seio familiar você foi motivada à prática da leitura? Me fala um pouco da sua formação escolar na infância e adolescência. Como era seu desempenho escolar, de um modo geral, e quando começou a paixão pelos livros?
Sim. Além da minha mãe, que era uma referência de leitora, poeta e contadora de histórias, tinha também meu avô materno, que estava sempre lendo e que, com sua sabedoria, deixava sempre ao alcance dos netos, uma caixa de madeira, com a bíblia ilustrada em 10 volumes. Essas leituras me marcaram muito. Era boa aluna, participava sempre das atividades culturais da escola, declamando poemas, que sei de cor até hoje.
2 – Você é formada em Letras Português, quando surgiu a ideia, ou, o desejo de seguir a profissão de educadora?
Desde pequena, ser professora era uma possibilidade, gostava de brincar de lecionar para as bonecas, irmãos e amigos. Fazer o curso de Letras veio por influência da minha professora de Língua Portuguesa no “ginásio”, Maria Aparecida Lopes, que nos incentivava sempre a ler e escrever e era uma professora maravilhosa, com uma abordagem moderna e muito envolvente.
3 – No período da faculdade quais foram os autores da literatura brasileira que mais te interessaram? Quais são seus mestres e inspirações para educar e escrever? Cite seus livros preferidos.
O período de faculdade foi um período de leituras canônicas. Foi o período que li menos literatura, pois tínhamos muitas leituras teóricas, que me ajudaram a compreender minhas devoções literárias (Machado de Assis, Drummond, Cecília Meireles e Manuel Bandeira) e a descobrir outras, como a escrita de mulheres como Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Adélia Prado. Nessa fase, descobri o gosto pela escrita ensaística e por esquadrinhar o texto literário, aprimorando minha formação como leitora. Dessa época, trago como inspiração doente, o Professor Paulo Roberto Sodré, a Professora Ester Abreu, a Professora Maria Elizabeth de Sá Cunha Pinheiro (In memorian). Meus livros preferidos são muitos… hoje, poderia citar um dos mais lidos do mundo: Dom Quixote; Ensaio sobre a cegueira, de Saramago; Cem anos de solidão de Gabriel Garcia Marques; O olho mais azul, de Toni Morrison e Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo. Amanhã a lista pode ser outra…
4 – Como professora da rede pública do município de Serra, mestra e doutora em Letras e militante de causas educacionais, comente como construir um bom currículo escolar para efetivar a educação básica.
Gosto da ideia de pensar o currículo como uma construção. Logo o currículo não será algo pronto, imposto, mas algo vivo e dinâmico, constituído pelos saberes historicamente construídos pela humanidade, em diálogo com os saberes dos sujeitos que habitam os espaços escolares e seus territórios, considerando os apelos do contexto em que estão inseridos, não poderá faltar aí, a literatura, as artes, enfim.
5 – Me fala sobre seu engajamento em coletivos que militam a causa da literatura capixaba. Qual tem sido a sua contribuição como educadora e cidadã?
Sou residente literária no Centro Cultural Eliziário Rangel, em São Diogo, na Serra, desenvolvendo ações de fomento à literatura, como oficinas literárias, Clube de leitura e eventos literários. Participo, no momento, de dois coletivos de mulheres escritoras: o Maria Ortiz e o Teresa de Benguela, de mulheres negras escritoras.
Minha militância em defesa da literatura antecede essas participações, pois a literatura sempre fez parte da minha vida, como leitora apaixonada, como promotora de leitura, há mais de 30 anos atuando na formação de estudantes leitores(a) da educação básica ao ensino superior e na formação continuada de professores(as) e mediadores(as). Defendo o acesso à literatura como direito humano, primando em meus projetos com a literatura pela valorização da cultura de matriz afro-brasileira e indígena, vítimas de silenciamentos e apagamentos.
6 – Agora vamos falar do seu livro. “Chapéu”, seu primeiro livro infantil, qual é o enredo do livro e relevância para a cultura capixaba?
O livro Chapéu, de minha autoria, com ilustrações de Crystal Enyly, Capa: Luciano Tasso, foi escrito a partir da tradição oral do município da Serra, ES e traz como personagens, o avô que conta histórias ao neto e seu cachorrinho, Totó, sobre um certo morro chamado Mestre Álvaro, ou sobre um certo moço e seu chapéu. O livro chama a atenção para esse patrimônio natural e cultural do Espírito Santo, trazendo também a temática ambiental, a nossa conexão com a natureza, a relação de amizade e amor entre avô e neto e seu cãozinho.
7 – O seu livro foi inspirado na tradição oral do município de Serra. Comente essa trilogia comunicacional: ler, escrever e contar histórias (tradição oral). Sabemos que ambas se completam, mas o que te motivou a escrever um livro com o aspecto de tradição oral?
A obra tem o desejo de provocar a emergência de histórias outras, a partir da cosmovisão afro-centrada, ancorada nos valores civilizatórios afro-brasileiras, com destaque para a territorialidade, a oralidade e a ancestralidade. Ou seja, é um livro escrito a partir das memórias das histórias que minha mãe, meu avô me contaram e da escuta das histórias ouvidas no território da Serra sobre a chuva e o chapéu do Mestre Álvaro. Minha voz se junta a essas vozes que contam histórias, recriando-as por meio da imaginação e da efabulação.
8 – Seria preconceito ou reducionismo de minha parte perguntar se a tradição oral deveria ser mais efetiva em ambientes educacionais de maior índice de analfabetismo, ou, ela pode ser mesmo bem utilizada com o auxílio de métodos educacionais na faixa etária dos adolescentes e adultos já alfabetizados?
A linguagem oral é a nossa entrada no universo da linguagem e ela é constitutiva das interações humanas em todos os contextos. No âmbito do ensino de línguas, a oralidade constitui um dos eixos para o trabalho com a linguagem na escola, em todos os níveis, juntamente com a escrita e a reflexão linguística.
9 – Em entrevista publicada no site da Assembleia Legislativa, em agosto, segunda-feira (15), você declarou que os livros de papel estão perdendo espaço para os digitais, e que é necessário entender que não existe inclusão digital de forma adequada no Brasil. Por gentileza, embase sua declaração.
Minha afirmação respalda-se em dados da quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2020) que revelou que de 2015 a 2019, o país perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores, boa parte nas faixas etárias de 14 a 17 anos e de 18 a 24, chegando a oito pontos percentuais de diferença. A pesquisa considera como leitor toda pessoa que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses, antes da aplicação da entrevista. Os dados apontam que o brasileiro lê, em média, cinco livros por ano, mas apenas dois e meio completos.
Inclusão digital adequada a que me refiro seria a possibilidade de acessar com qualidade (ter dados de internet e dispositivos necessários) conteúdos de qualidade (livros, sites confiáveis). Sabemos que boa parte da população, me preocupa em especial, os estudantes da educação básica da rede pública, não possuírem essas condições.
10 – Estamos em ano de eleição. Destaque políticas públicas educacionais que você entende como prioridade a serem inseridas nos currículos do ensino público?
Destaco a importância de políticas efetivas de inclusão e de respeito e valorização das diversidades, considerando a importância do acesso e permanências de todos e todas à educação em todos os níveis.
Políticas de valorização do professor, em especial do professor da educação básica, com plano de carreira que valorize sua atuação e titulação condignamente.
A construção de uma política nacional de alfabetização de modo democrático, comprometida com a formação do leitor e escritor e não essa política que representa grave retrocesso com uma visão simplista da alfabetização com base em memorização e treino.
11 – A reportagem agradece a oportunidade em realizar essa entrevista. Seu último depoimento, por favor.
Agradeço a oportunidade e parabenizo pela iniciativa de valorizar a cultura local, com destaque para a literatura.