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27 de julho de 2024

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O soldado da capoeira

"A boa capoeira é aquela que é jogada com toda a sua liberdade de expressão. Com todos os seus instintos aflorados", disse o Me. Militão Reza Forte / Foto: Divulgação.

Invista no Jornal Merkato! – Pix: 47.964.551/0001-39.


A série “Capoeira Capixaba: relatos e vivências” apresenta um mestre de capoeira muito forte, guerreiro, original, soldado, e com sangue de resistência e cultura afro-brasileira.

Luiz Mauro Pinheiro de Souza nasceu em 1961, em 22 de agosto. Além desse nome de batismo, o capoeirista também registrou no seu RG o nome de batismo que ganhou na capoeira: Mestre Militão Reza Forte.

Segundo ele, é movido a energia solar, total flex e a lunar também. Nascido na cidade de São Sebastião (RJ) e criado no Morro da Chacrinha, na Tijuca (RJ), Militão, apelido que ganhou na infância porque nasceu três dias antes do Dia do Soldado, teve os ensinamentos da capoeira por iniciativa do seu avô paterno.

Predestinado ou não, Luiz Mauro serviu ao Exército, quando jovem, por cinco anos. Lá, teve a oportunidade de conhecer várias geografias do Brasil, além dos cursos de especialização, entre eles os dois que completou de  sobrevivência na selva. Segundo ele, o curso faz conexão com a capoeira porque tem espírito de luta e de guerra, vale a vida. Até porque a capoeira foi criada como uma arma de guerra.

Aos 22 anos de idade veio passear nas terras do Espírito Santo. Se encantou e acabou ficando em Linhares.

Entre curiosidades de sua vida, o Me. Militão teve um avô, Maximiliano Cândido Nascimento, fundador do Morro da Chacrinha (RJ), além de ter o privilégio de ser filho de um Mestre-Sala com uma Porta-Bandeira. Eny Pinheiro, a mais antiga Porta-Bandeira da Escola de Samba Portela, ainda viva, e Ananias de Souza, seu pai, já falecido, foi um dos fundadores da Escola de Samba Salgueiro. Tem sangue de guerreiro do avô e sangue de samba dos pais, aí deu num capoeirista cheio de resistência e ginga.

O mestre que vem aí já disseminou a capoeira na Croácia, Espanha, República Theca, Austrália. Tem alunos fora do Brasil, e por aqui, já passou mais de 6 mil por ele.  Todo esse trabalho é disseminado pela Associação Reza Forte de Capoeira, em Linhares, São Mateus, Pedro Canário e daí pro mundo.

Entra na roda, leitor! Hoje é mais um dia de capoeira.

1 – Mestre Militão, como a capoeira começou em sua vida?

Comecei na capoeira com 5 anos de idade, em 1966. Eu comecei a praticar a capoeira no Morro da Chacrinha, Rio de Janeiro, por interferência do meu avô.  Aos 110 anos ele me chamou e começou a me ensinar a Capoeira Primitiva, que é a capoeira arma de guerra. A capoeira pra ele era luta… não tinha berimbau… era palma da mão e um tambor… a Capoeira Primitiva é assim… Entre mais de 50 netos e filhos eu fui o único que ele chamou para transmitir essa missão: a capoeira.

Meu avô não foi alforriado, ele fugiu e entrincheirou-se no morro e ninguém conseguiu tirá-lo de lá. Após a abolição da escravatura ele tinha a convicção que não tinha sido alforriado… lutou pela liberdade a vida toda.

Antes da Lei Áurea meu avô vivia no mato lutando pela vida, pela liberdade. Ele dizia: “Eu matei todos aqueles que foram me buscar lá na mata… na pedrada, na porrada e na paulada…” Era a única arma que ele tinha era o corpo, pau e pedra. As forças do governo, os capitães do mato, tentaram recapturá-lo para escravizá-lo. Ele morou no morro… era a época que a Tijuca era uma área agrícola do Rio de Janeiro… Meu avô foi um dos fundadores do Morro da Chacrinha.

2 – Seu avô te ensinou capoeira por quanto tempo?

Meu avô faleceu com 115 anos… me ensinou capoeira por cinco anos. Ele me treinava no segredo… Todo dia às 18 horas eu treinava no quintal da casa dele e minha vó ficava na frente rezando a Ave Maria.  Meu avô me falou: “O que eu vou te ensinar é pra toda a vida e você tem que fazer bom uso”, disse. É o que eu faço, a capoeira me deu o mundo. Depois, na década de 70, o Carlos Roberto Moreira da Silva, conhecido como Me. Pantera, foi morar lá no Morro da Chacrinha, aí comecei a treinar com ele. Fizemos um terreiro de capoeira lá.

3 – Qual a capoeira que você se identifica, Me. Militão?

Me identifico com a Primitiva, mas a capoeira Angola e a Regional massifico também. Só que eu não rotulo… Eu trabalho com esse resgate da ancestralidade… do início, lá na escravidão ainda… resgatar os muitos movimentos, que hoje estão em desuso. Eu hoje trabalho com a capoeira calçado na Primitiva, mas é recheando as outras duas que dá a versatilidade da capoeira como arma de guerra. Mas entre a Angola e a Regional, me identifico mais com a Angola. Por causa da riqueza de movimentos dela, eu não sou muito de ficar fechado numa coisa assim… como rotina.

4 – Para você, a capoeira começou a se desenvolver genuinamente onde e como?

O negro na África já tinha as danças guerreiras dele. O negro quando fugia pro mato, aqui no Brasil, ele tinha acolhida do índio, por isso se permitiu criar os quilombos, certo? As irmandades, tudo isso. Porque o índio brasileiro é o grande contribuinte para a cultura capoeira. O pessoal não cita isso e dizem que é só do negro, não. Foi necessidade do negro, mas o índio observava e acolhia, tanto é que quando os índios eram atacados pelos europeus, quem voltava para contar a história era o negro. Olha onde a pessoa deixa um espaço vazio! O problema nosso é passar os olhos na história, mas não ler, não pesquisar. Só passam os olhos na nossa própria história. Isso é ruim porque a gente deixa de aprender muito e deixa a nossa brasilidade enfraquecida. Mas a capoeira se desenvolveu no Brasil todo… aonde tinha negro escravizado ela surgiu.

5 – Mestre Militão, a capoeira Primitiva defende o confronto corporal entre os capoeiristas, sua origem era se defender contra a escravização. Mas nos dias de hoje não há mais esse tipo de escravização. O que significa manter a originalidade na capoeira e o que é modernizá-la?

Modernizar não é extinguir o que existe, é partir daquele princípio, daquela base e fazer sem a intenção de dar pancada, mas você tem que treinar pra poder ter controle. Porque a pancada é quando há a intenção de fazer… não é o jogo da capoeira, não é o lúdico da capoeira… mesmo a Capoeira Primitiva continua o lúdico, ela disfarçou… O que eu falo é a descaracterização… é colocar um movimento e te expor ao perigo. Ela faz uma simulação, mas tem controle. Muitos movimentos que fazem parte da capoeira de hoje não têm nada a ver com a capoeira… Colocam movimentos de ginástica olímpica, isso até expõe o capoeirista ao perigo na hora do jogo. Não tá dentro da Capoeira Primitiva. Então essa é a perca, eu procuro resgatar os movimentos, sem precisar de ser agressivo.

Mestre Militão realiza um trabalho de capoeira há 36 anos em Linhares. / Imagem: Divulgação.

6 – Faz parte de qualquer cultura os elementos se misturarem. O que não é capoeira para o Me. Militão?

Seria muitos movimentos de ginástica olímpica… que chamam de solo… que te expõe ao perigo. E outra coisa, a capoeira tem seus saltos mortais. Todos eles são instrumentos de ataque e o pessoal não percebe isso. O oponente me oferece toda uma oportunidade de atacá-lo. Ele se torna vulnerável. Uma coisa que o capoeirista tem que ter é a malandragem, o molejo, a astúcia… é estudar o seu oponente… Tô analisando ele pra desenvolver a minha capoeira… aí no movimento que tem que usar a malandragem você usa o agarrão que vem de outra arte, entendeu? Isso não é capoeira. É expor ao perigo, porque eu tenho na mente aquele perigo que a pessoa tá passando.

7 – Você faz uma crítica a capoeira moderna, qual seria?

Sim. Faço sobre o esvaziamento da cultura. E você pode pegar todos os vídeos de capoeira… vai ver as mesmas coisas de todos os grupos, os mesmos erros, os mesmos movimentos limitados, raramente, você vê um capoeirista evolutivo… que vai jogando, jogando e evoluindo e fluindo, por causa que tão sistematizando ela e até tirando a liberdade de expressão do cara.

8 – Competição, você é a favor ou contra?

O judô, o karatê, o kung-fu tudo perderam sua essência depois que se tornou esporte olímpico. O problema tá onde? Quem faz as regras não são aqueles que mantem o conhecimento profundo e não é discutido com todo mundo. Então, descaracterizaram a capoeira e botaram aquela coisa ali que não é realidade daquela cultura. Esse é o erro.

Até porque tem modelos já de outras competições muito boas de capoeira… no regime militar a capoeira teve muito espaço… tudo era discutido com as pessoas de cada modalidade…. foram feitas várias competições de capoeira que eram uma loucura… a preparação dos árbitros… não tinha essa questão de parar no hospital… o que tinha uma relação dos movimentos… a rasteira, a banda, mas ao mesmo tempo se desse um martelo, você não precisava arrebentar o outro com um martelo, mas você mostrou a aplicação do golpe, a técnica… era duplo ponto.

Essa sensibilidade da integridade do outro, de valorizar, acontecia e todo mundo jogava capoeira. Mas só ia pra competição quem se preparava lá no terreiro dele… nunca houve essa questão do cara sair aleijado ou morrer…  hoje eles fazem uma forma de colocar pra competir sem ter uma preparação.

9 – O que seria praticar uma boa capoeira?

A boa capoeira é aquela que é jogada com toda a sua liberdade de expressão. Com todos os seus instintos aflorados. Tanto no instinto defensivo, quanto no de ataque. Que aí você completa os dois lados e consegue fazer um bom jogo. Até mesmo porque, o jogo de capoeira nunca termina. Eu começo jogar com você aqui… quando a gente se encontrar, a gente volta a jogar… sempre com o objetivo de fazer aquele jogo gostoso, de se sentir um irmão de capoeira e não um inimigo.

10 – Qual a diferença entre regras de grupo de capoeiristas e os fundamentos da capoeira?

Fundamentos da capoeira você tem que voltar na sua ancestralidade e buscar na história do Brasil, na história do negro escravizado, na história do índio, você vai ver muitos elementos que vai te levar a um conhecimento do que realmente é capoeira, e você vai sempre se perguntar: O que é capoeira? Você não vai ter definição, e isso vai te obrigar a vida toda a estudar a capoeira.

11 – O senhor é mestre na capoeira desde 1988. Qual é a função do mestre?

Mostrar o caminho. Eu vou falar os quesitos que ele tem que ter: primeiro, não pode se formar mestre e parar de treinar e parar de aprender, é o que acontece com muitos. É ali que ele vai aprender pra ensinar com a maestria. E ele tem que ter mais outros quesitos …. várias especialidades pra desenvolver o trabalho dele, como o lado social, o lado econômico, o lado comunitário, o conhecimento pedagógico pra depois ter um aplano de aula. Trabalhar a oralidade e ter a preocupação que ele é cidadão que produz uma cultura que também que aprende ela a vida toda. O mestre de capoeira não pode dizer que sabe, e sim que está aprendendo. O dia que eu for embora para Aruanda, eu deixo tudo pra trás.

12 – Palavra final para os capoeiristas.

Primeiramente, sejam mestres verdadeiros. Pra ser mestre de verdade tem que buscar muito conhecimento, muito mais do que se imagina. É a vida toda. Vamos cursar nossa universidade: a cultura capoeira.

Vamos estudar nossa cultura! Porque os franceses, os europeus estão estudando nossa cultura brasileira através da capoeira e já tão proibindo, lá na França, os brasileiros de darem aula… tem que ser francês… porque eles buscam a nossa história… buscam nossa ancestralidade, da religião, da humanidade… temos que buscar tudo isso… vamos parar de passar os olhos! Vamos estudar nossa cultura na íntegra até para recontar a história do Brasil!


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